"Estes jogadores não precisam de dinheiro e fama, só quiseram dar uma alegria ao povo argentino"
Viu as três finais que a Argentina ganhou nos mundiais de futebol. Como compara as de 1978 e 1986 com esta agora de 2022?
Todas implicaram coisas diferentes. Na final de 1978, não vivia na Argentina. Estava exilado no México, porque naquela altura, na Argentina, havia uma ditadura de ferro e fogo e vi-me obrigado a abandonar o meu país. Vivi essa final com uma emoção que acho difícil repetir-se. Porquê? Porque sentia que, nesse momento, a possibilidade de os argentinos mostrarem a sua alegria, o seu entusiasmo e a sua unidade, além do regime opressor com que estávamos a viver, era a única maneira de esse povo poder expressar-se em liberdade. E a distância, a obrigação de estar fora, a impossibilidade de participar nessa manifestação popular, impactou-me muito. Nessa altura, pessoas como eu misturavam duas coisas que não devemos misturar: uma espécie de sentimento nacional e um desporto, que são duas coisas totalmente diferentes. A outra final, no México em 1986, significou ver a coroação da Argentina como uma potência futebolística de primeira ordem, algo que já vinha detrás porque a capacidade futebolística do nosso país produziu sempre grandes talentos individuais. Mas o que nunca vou esquecer é o jogo contra os ingleses e isto por duas razões. Em primeiro, porque vi o melhor golo da minha vida, e olhe que vi muito futebol porque sou muito futeboleiro. E segundo, porque ganhámos à Inglaterra e, para nós, isso tem um valor emblemático. E volto a insistir, não devemos misturar as coisas, mas às vezes a alma ganha à razão.
Foi três anos depois da Guerra das Malvinas...
Sim... E esta terceira final, no domingo, bem..., na verdade nunca vi uma final de um Mundial tão dramática. Acho que a Argentina foi um vencedor justo, dominámos o jogo com um futebol muito bom durante, diria, 70 ou 75 minutos. E depois, primeiro, acontece o empate. E quando fazemos um golo a faltar 4 ou 5 minutos para o fim do prolongamento, Mbappé aparece outra vez e acabamos por ser empatados com um penálti. Sou sincero, não vi os penáltis finais, fui para o jardim, porque já não aguentava do coração.
Fala-se muito de Messi - que foi extraordinário - mas Di María, McAllister, Enzo Fernández, todos mostraram talento e garra impressionantes. Messi é a estrela, mas a equipa está bem à sua altura?
Sim, claro. Repare, Messi é um jogador inigualável nesta época, diria que não há outro no mundo como ele. Mas nesta equipa vê-se as características daquilo que o treinador conseguiu formar. Jogadores como McAllister, Julian Álvarez, que tem menos de um ano na Champions League, tem cerca de 20 anos, e foi uma revelação neste Mundial. Também Enzo Fernández, que os benfiquistas gostam de ver todos os domingos. Assim como Nahuel Molina. São jovens que não estavam no radar de ninguém e cuja convocatória e desempenho reflete o trabalho feito por Lionel Scaloni para chegar a este momento do campeonato. Acho que houve três virtudes. A primeira é a unidade. Estes jogadores não precisam nem de dinheiro nem de fama, têm as duas coisas já no bolso, têm-nas na Europa. Colocaram o coração e a alma em campo porque se sentiam parte de uma coisa muito importante para o povo argentino e queriam dar uma alegria a esse povo. E houve também, além da unidade, a solidariedade e a organização.
E jogam todos fora da Argentina, menos um, não é?
Absolutamente, quase todos são de clubes europeus, mas deram uma enorme demonstração de unidade. Estavam claramente unidos em torno de uma causa, que era ganhar o campeonato e dar uma alegria à sociedade argentina. E conseguiram. E essa unidade teve reflexos nas ruas. A Argentina é hoje um país muito dividido, onde às vezes o outro não é visto como um adversário que pensa diferente, com quem podemos discordar, mas com quem ao final do dia vai tomar-se um copo ou um café. Muitas vezes é simplesmente visto como um inimigo que tem de se destruir. E a seleção Argentina, através destes atletas, deu um grande exemplo. Temos milhões de argentinos na rua, a festejar, sem um ato de violência, sem ouvir ninguém dizer, "você é de tal partido político", "você é de tal organização". Não, não. Somos todos argentinos a celebrar uma causa nacional.
Quem é melhor, Messi ou Maradona?
Acho muito sinceramente que não são comparáveis. Do ponto de vista futebolístico, são dois tempos diferentes, e o futebol que se joga hoje tem pouco a ver com o futebol na época do esplendor de Maradona. E nem sequer as personalidades são comparáveis. Messi tem uma personalidade totalmente diferente da de Maradona. Não há comparação: os dois são dois grandes à sua maneira, um com as suas características, que podemos gostar ou não, e o outro também com suas características, que podemos apreciar ou não. São dois fenómenos futebolísticos, de duas épocas diferentes e são dois futebolistas diferentes.
Como se explica o amor dos argentinos pelo futebol? É um desporto nacional que todos os meninos jogam na rua?
Sim, sim. A Argentina é um país fundamentalmente construído pela imigração europeia, em particular espanhóis e italianos, e cada uma das fontes aportou alguma coisa, em cima dos contributos dos povos originários. Antes do domínio espanhol, as colónias indígenas eram relativamente pequenas e rapidamente assimilaram a cultura espanhola. Foi com a chegada dos ingleses que recebemos e construímos conjuntamente uma estrutura económica. Portos, ferrovia e outras coisas, mas também os desportos. Na Argentina, os desportos mais populares são o futebol, o râguebi e outros, tudo desportos de matriz inglesa. Isto porque com a imigração britânica veio conhecimento em matérias como infra-estruturas e veio também os desportos com os quais os ingleses se divertiam - e o futebol pegou rapidamente.
Então, a presença do futebol é antiga e é popular desde esse momento?
Houve uma transformação. Não tínhamos desportos nacionais, é tudo importado.
Mas em 1930, no primeiro Campeonato do Mundo, a Argentina já era uma potência futebolística e conseguiu ir à final.
Sim, sim. É melhor não falarmos desse Campeonato do Mundo para não entrarmos em conflito com os nossos irmãos uruguaios, mas sim, éramos uma potência, e ainda assim perdemos a final.
Como embaixador da Argentina em Portugal, gostaria que a final tivesse sido entre os dois países e um duelo Messi-Ronaldo?
Admito que cheguei a pensar nessa possibilidade, que era um verdadeiro pesadelo. É que é muito difícil não acarinhar Portugal. É algo que não me canso de repetir: Portugal é um país amável, no sentido em que é digno de ser amado. Ainda assim, se tivesse acontecido essa final, o meu coração ia estar obviamente do lado argentino.