"Estado Islâmico está a fazer captação de jihadistas que falem espanhol e português"

Um ano após os atentados terroristas na Catalunha, em Barcelona e em Cambrils, o codiretor do <em>think tank</em> Observatorio Internacional de Seguridad, Chema Gil, diz que é uma ilusão acreditar que o terrorismo jihadista está a ser vencido só porque as suas estruturas foram destruídas em países como o Iraque e a Síria.
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17 de agosto de 2017. 17.00 locais. Uma carrinha entra a toda a velocidade pelas Ramblas, em Barcelona, avança sobre a multidão levando tudo e todos à frente ao longo de 530 metros. Um atentado terrorista horas depois reivindicado pelo grupo de islamitas Daesh, ou Estado Islâmico, através da sua agência de notícias Amaq.

Já durante a madrugada do dia seguinte, a polícia abateu terroristas que não pararam num controlo policial dos Mossos d'Esquadra, polícia autonómica da Catalunha, tendo atropelado várias pessoas. Uma morreu. Ao todo, perderam a vida 16 pessoas e 120 ficaram feridas. Entre as vítimas mortais, de nove nacionalidades, há duas portuguesas, avó e neta de Sintra que estavam na altura a passar férias em Barcelona.

Dos terroristas, 12 ao todo, quatro foram presos e os restantes mortos. Abdelbaki Es Satty, imã de Ripoll, marroquino, foi identificado como o agente radicalizador dos jihadistas. Morreu, numa explosão, em Alcanar, a 21 de agosto de 2017.

Dos sobreviventes, apoiados pela Unidade de Atendimento dos Afetados pelo Terrorismo, diz o seu presidente, Roberto Manrique, "há uns que não conseguiram voltar a pisar as Ramblas e há outros que vão lá todas as semanas para superar o horror que ali viveram e tentar regressar à normalidade".

Aos políticos pedem "uma trégua" nas guerras partidárias e que "não manipulem nem politizem a sua dor no dia de homenagem às vítimas", declarou Manrique, citado pelos media espanhóis.

O país mantém-se em alerta de nível 4 e, apesar de existir um plano nacional de prevenção da radicalização violenta, só é verdadeiramente aplicado em Málaga. Quem o diz, em entrevista telefónica ao DN, é Chema Gil, codiretor do think tank Observatorio Internacional de Seguridad.

Um ano depois dos atentados na Catalunha, nas Ramblas de Barcelona e em Cambrils, a Espanha continua em nível de alerta 4, num total de 5. Em seu entender, considera que é justificado manter este nível?

O nível de alerta é adequado. A Espanha mantém-se como objetivo simbólico para o terrorismo jihadista. Durante o ano têm-se realizado várias operações antiterroristas da polícia espanhola. As operações são constantes e contínuas, o que prova que há terroristas dispostos a atacar nas nossas cidades. Há terroristas que, de forma organizada, quiseram levar a cabo atentados verdadeiramente selvagens. Entre 2004 - ano dos atentados de Madrid - e neste ano temos estado sem ataques, não porque não tenham tentado mas sim porque os planos terroristas foram abortados pelas forças policiais espanholas. O governo tem a última palavra, é certo, mas adota o nível de alerta de acordo com o que lhe dizem a Guardia Civil, a Polícia Nacional, os serviços de informações, etc. Eu, como analista, creio que o nível de alerta está adequado. Nos últimos dias vimos que o Daesh [Estado Islâmico] e os grupos a ele aliados estão a fazer uma captação aberta de jihadistas que trabalhem a área da comunicação em espanhol, em português e noutros idiomas. Espanha, e toda a Península Ibérica, mantém-se dentro dos objetivos do grupo. Desde logo porque fazemos parte de um imaginário muito importante para o jihadismo. A ideia do Al-Andaluz, de uma terra que consideram do islão e que é preciso recuperar para o islão. Além disso participamos em todas as coligações internacionais contra o terrorismo.

Como percebeu que estava a haver esse recrutamento para terroristas que falem espanhol e português? Na internet? Em fóruns?

Sim. Eles procuram perfis de mujahedins que falem espanhol e português. Eram dois dos idiomas que mencionavam. Eram anúncios pela internet. Mas é frequente, não é nenhuma novidade.

Disse que os terroristas islâmicos estiveram estes anos todos sem conseguir atentar em Espanha. Porque conseguiram no ano passado na Catalunha? A instabilidade foi uma oportunidade? Ou para eles é indiferente?

O terrorismo jihadista, como fenómeno, não precisa de nenhuma desculpa para atacar. Os terroristas são criminosos e um criminoso não precisa de desculpas, apenas de determinação para cometer ataques. O terrorismo atacou na Alemanha, na Bélgica, em França, em Espanha... Mas é certo que se olharmos para a Europa eles sempre se aproveitaram de momentos de instabilidade. Foi o que aconteceu em Espanha em 2004, é o que vemos agora com o brexit no Reino Unido... Em Barcelona, na Catalunha, aconteceu em plena crise política. Não se pode afirmar de forma segura que há uma relação de causalidade, mas o certo é que aumenta a instabilidade.

Qual a maior ameaça: os nacionais que regressam de conflitos bélicos, como o da Síria, ou os autóctones que se radicalizaram ao educar-se em Espanha?

A maioria dos ataques terroristas que se têm produzido na Europa foram cometidos por indivíduos radicados e radicalizados aqui.

Nesta semana houve novo ataque perto do Parlamento britânico, com recurso ao uso de um veículo. Este continua, de momento, a ser o modus operandi?

Os diferentes países europeus, quando declaram os seus níveis de alerta, protegem os lugares e as estruturas mais sensíveis, como das comunicações, por exemplo. Ou lugares com concentração de muita gente, como eventos importantes. Então, os terroristas o que estão a fazer é realizar ataques nos sítios onde todos vamos no dia-a-dia. Um supermercado, por exemplo. Porquê atacar aí? Porque é onde todos precisamos ir.

Apesar de tudo, vimos menos atentados neste ano na Europa. Isso é por causa da ação policial de que falou ou é porque o Daesh enfraqueceu e está a reorganizar-se?

Desde logo, a ação da polícia é contínua. Mas na Europa temos atentados de baixa intensidade com mais frequência do que nos lembramos. Na verdade, baixam as vítimas, mas continua a haver ataques. O facto de o Daesh estar a ser vencido em zonas como o Iraque e a Síria não quer dizer que desapareça. É um grupo de cariz mundial. Podem até desaparecer as suas estruturas no Iraque ou na Síria, mas já temos o Daesh na Nigéria, na Líbia, no Sahel, no Sara. Portanto, não devemos confiar que vencer as estruturas pseudomilitares no Iraque e na Síria vai levar à vitória sobre o fenómeno terrorista. Trata-se de uma ideologia e continua a expandir-se. Há jihadistas inspirados pelo Daesh e nas suas estruturas de todo o mundo, do Canadá ao Chile, de Portugal à Espanha, da Noruega à África do Sul. Isso quer dizer que nós não soubemos lutar com as ideias, com a palavra. A ideologia jihadista não parou de se expandir desde que, nos anos 1980, nasceu a Al-Qaeda. Achar que estamos a vencer pode ser uma simples ilusão. Pense-se que, só em julho, o terrorismo do Daesh e da Al-Qaeda fez mais de 1200 mortos em todo o mundo. Não são na Europa. Mas nós não olhamos para o resto do mundo. Eles olham para o mundo como um todo enquanto lugar de influência. Não há vítimas que são mais do que outras. Para eles é-lhes igual onde atacam. O fenómeno é o mesmo.

E as políticas antiterroristas preventivas? Na sua opinião funcionam?

Em Espanha, por exemplo, o Estado espanhol tem um plano estratégico nacional de prevenção da radicalização violenta. É um instrumento interessante. É uma ferramenta à qual se chegou depois de falar com a sociedade civil, com os partidos políticos, etc... Mas há diferentes escalões administrativos que têm de ser envolvidos para que esse plano seja posto a funcionar. A nível da captação ou da radicalização, por exemplo. Em Espanha há mais de oito mil autarquias e só uma dezena se pôs a aplicar este plano. Apenas Málaga implementou este plano de forma completa e até se tornou uma referência internacional para as Nações Unidas. Eu falo com políticos que tinham de implementar estas medidas nas suas administrações, mas nem sequer sabiam da existência de um plano. Temos uma mediocridade política em todos os partidos, sem exceção, que devemos criticar com dureza. Os partidos políticos que governam as autarquias, que são os mesmos que governam o Estado, não são capazes de implementar o plano. Há uma mediocridade vergonhosa por parte de muitos políticos em Espanha.

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