Centeno no Banco de Portugal: muitas divergências, nenhum obstáculo
Mário Centeno responde nesta quarta-feira aos deputados, na condição de designado para governador do Banco de Portugal (BdP), e num contexto em que toda a oposição se manifestou contrária à escolha do ex-ministro das Finanças para suceder a Carlos Costa. À espera de Centeno estará uma barragem de questões quanto às garantias de independência do regulador bancário e à atitude que assumirá perante decisões que tomou enquanto ministro das Finanças. Mas, apesar da oposição expressa por PSD, BE, PCP, CDS, PAN, IL e Chega, a audição parlamentar de hoje não será mais que uma expressão das críticas e divergências dos vários partidos, sem mais efeito prático - Centeno tem o caminho aberto para o Banco de Portugal.
Para o PSD existe um "problema sério de incompatibilidade de funções" na nomeação de Centeno, dado o facto de ter deixado há pouco mais de um mês a tutela das Finanças, cargo que ocupava desde 2015. Incompatível, mas não ilegal - os sociais-democratas disseram há duas semanas que não aceitariam uma "justiça revolucionária por via legislativa", numa referência ao diploma do PAN que institui para o futuro um período de incompatibilidade entre o desempenho de funções governativas e o BdP, mas que não se aplicará a este caso.
Mas os sociais-democratas querem mudanças mais profundas na escolha do supervisor bancário. O PSD defende que o quadro legislativo que rege a nomeação do governador do Banco de Portugal deve ser alterado, que o "período de nojo" na transição entre cargos deve ser de dois anos e abarcar não só os responsáveis das Finanças, mas também titulares de órgãos executivos da banca comercial e consultores. E deve existir um parecer obrigatório da Assembleia da República, embora não vinculativo.
Para o Bloco de Esquerda Mário Centeno não reúne as condições políticas para ser nomeado Governador do Banco de Portugal e há razões concretas para isso. Os bloquistas apontam o dedo aos processos de venda do Novo Banco e do Banif - decididos por Centeno enquanto ministro das Finanças - "com a entrega a privados de bancos limpos com dinheiros públicos". E somam-lhe a recente entrega de mais 850 milhões de euros ao Novo Banco "sem que existissem resultados da auditoria [às contas do banco] e contrariando o compromisso público do primeiro-ministro", sublinhou Mariana Mortágua em junho, quando anunciou a posição desfavorável do BE à escolha do ex-ministro. Temas que voltarão esta manhã a estar em cima da mesa, numa audição que deverá servir sobretudo para acentuar as divergências políticas em torno dos dossiês mais polémicos do setor bancário.
Maus pergaminhos para um governador do banco central que, para os bloquistas, deveria ser escolhido de outra forma, com a Assembleia da República a ter uma voz vinculativa na decisão.
Para o PCP a questão da escolha do governador é independente de Mário Centeno e passa por saber se "em Portugal existe um banco nacional, com decisão soberana, o BdP, ou se continua a ser uma mera sucursal da União Europeia e do Banco Central Europeu", disse já Jerónimo de Sousa sobre esta questão. "Mais do que a questão da pessoa A ou da pessoa B, é importante garantir que o Banco de Portugal não continua a ser uma mera sucursal do Banco Central Europeu e sujeito a todas as imposições do Tratado Orçamental, da União Bancária", referiu também o deputado comunista Duarte Alves, membro da comissão parlamentar de Orçamento e Finanças.
"O PS não é dono do Estado e não pode haver um clima de mais do mesmo, com os mesmos a suceder a lugares que infelizmente nada abonam a favor da transparência, da autonomia e da liberdade dos supervisores e dos reguladores como é o caso do Banco de Portugal." Foi com estas palavras que Francisco Rodrigues dos Santos, líder do CDS, reagiu à proposta do Governo de nomear Mário Centeno como supervisor bancário. Cecília Meireles, deputada do partido que integra a comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, foi mais direta no ataque ao ex-ministro das Finanças: "O próximo governador vai ter de olhar para o sistema financeiro. Com que independência Mário Centeno vai analisar problemas na banca depois de ter andado quatro anos a gabar-se que tinha resolvido os problemas do sistema financeiro?"
Também o PAN veio questionar a objetividade e independência de Centeno quando tiver de abordar "pastas sensíveis como a da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos ou a resolução do Novo Banco e do Banif".
E questionou também a independência do órgão ao qual compete fiscalizar a ação do governador. "Será possível que o Conselho de Auditoria do Banco de Portugal, um órgão que pretende assegurar um escrutínio sobre a atuação do governador e cujos membros foram nomeados por Mário Centeno, consiga ser independente face ao Governador do Banco de Portugal, caso seja Centeno a ocupar o lugar? As respostas são claras para todos, e só quem sofre de partidarite ou está imbuído de um tactismo político não o conseguirá ver", criticou o porta-voz do partido, André Silva.
O Conselho de Auditoria é o órgão responsável pelo escrutínio da atividade do regulador bancário. É composto por três elementos - e todos os que integram agora este organismo foram nomeados por Centeno - e com mandatos que se prolongam até 2021 e 2022.
A mesma questão foi levantada pela Iniciativa Liberal, que já apontou um "gigante atentado ao funcionamento independente das instituições democráticas" e propôs que o governador seja selecionado por concurso internacional.
"O que vamos ter é um ministro a transferir-se de supervisionar uma entidade para trabalhar nessa entidade. Que garantias de independência poderemos ter?", questionou, por seu lado, o deputado único do Chega, André Ventura.
O PEV e as deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues não integram a comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, que hoje ouvirá Centeno.
Uma vez feita a audição parlamentar, será elaborado um relatório (a cargo do presidente da bancada do PS João Paulo Correia), após o que o Conselho de Ministros poderá então designar Centeno para o cargo de governador. A responsabilidade de elaborar o relatório ficou a cargo do grupo parlamentar do PS e o parecer será redigido pelo deputado socialista João Paulo Correia. O documento não tem qualquer carácter vinculativo.