"A natalidade é uma questão de igualdade de género"
Estas medidas que o governo acaba de apresentar, que dizem respeito à conciliação vida de trabalho, vida pessoal e familiar, falam de igualdade de género e de natalidade... têm um critério de sucesso? Como será medido?
Este é o programa 3 em Linha, para indicar que as nossas vidas estão muito desalinhadas naquilo que são as várias as esferas de responsabilidade. Na esfera profissional, na esfera pessoal e na esfera familiar. A ideia é uma abordagem sistémica e multidimensional a esta problemática. Há desde medidas legislativas, até medidas a serem desenvolvidas no âmbito da concertação social e da negociação coletiva, e com as empresas privadas. Dependendo do tipo de medida, será avaliada. O programa será avaliado daqui a três anos. A ideia do programa, como eu disse, assenta muito numa necessidade de mudança de paradigma.
No caso da natalidade. As medidas têm-se multiplicado nos últimos anos, e a natalidade continua a crescer de forma anémica. As pessoas declaram querer ter 2,31 filhos e acabam a ter...
1,37. Nós já fomos classificados como o país dos filhos únicos e das filhas únicas. Os principais fatores têm a ver precisamente com a falta de confiança em termos económicos, desestabilização dos jovens casais... As quebras de natalidade têm-se dado ao nível do segundo filho e do terceiro filho. Mas é importante também situar esta questão da natalidade precisamente nestas assimetrias de género e na desigualdade de papel. Se nós conseguirmos uma sociedade onde a distribuição de tarefas, tarefas domésticas, familiares e a capacidade de desenvolvimento de uma carreira mais equilibrada também entre homens e mulheres, obviamente que essa confiança no futuro se reforça. As medidas de natalidade devem ser enquadradas como uma questão de igualdade de género.
Mas a maior questão ainda é a económica. Não saber se se tem emprego amanhã, ou, ganhar o salário mínimo nacional, insuficiente para aquilo que elas gostariam de dar aos filhos. Neste programa o que de concreto há para combater esta questão específica.
Olhe, há uma dimensão que tem a ver com a confiança de que a há uma socialização dos custos das crianças. Temos um reforço previsto na rede de equipamentos do apoio às famílias. A questão das creches, que é fundamental. Houve uma evolução significativa, conseguimos ultrapassar as metas de Barcelona, de ter mais 30% de resposta de creches. Neste momento temos uma média de 49% no país. Mas sabemos, realmente, que subsistem dificuldades, nomeadamente na Grande Lisboa e no Grande Porto. E, portanto, abertura de concursos, para o desenvolvimento de mais respostas, maior cobertura.
Para quantas crianças prevê que haja respostas?
Se temos em média no país 49% acho justo que se consiga isso na área da Grande Lisboa e Grande Porto.
Isso está previsto no Orçamento?
Sim, sim. Isto está previsto nos concursos que a Segurança Social irá abrir.
E que outros apoios concretos, a essa almofada social haverá?
Novo enquadramento também em matéria de combate à precariedade, que é fundamental. Outra dimensão muito importante é a das licenças, e da utilização dos direitos de parentalidade, como vem também no programa, estão devidamente previstas. Essencialmente também no sentido que é muito importante e que tem sido paradigma utilizado e seguido no nosso país, nesta matéria, que é promover, cada vez mais, a participação dos homens, e reconhecer os direitos dos homens, enquanto pais.
Isso não acontece.
Quando analisamos, por exemplo, a licença partilhada verificamos que em 2016, por exemplo, só 34,4% dos pais utilizaram, sendo que a nossa legislação induz nesse sentido, de que os casais partilhem.
Mas é o crescimento do prazo dessa licença, que agora passa para 20 dias em vez de 15, que era até aqui... é suficiente para fazer com que os pais mais a usem ou o assunto é outro?
A nossa legislação é complexa nesse sentido e ela induz à partilha, por um lado, mais um mês para casais que partilhem a licença. E tem esta reserva, digamos assim, esta licença inicial, exclusiva dos pais, o que foi uma inovação. Atualmente está em discussão a diretiva da conciliação, na União Europeia, onde não há consenso sobre esta matéria. E aquilo que nós temos em Portugal ultrapassa já aquilo que está a ser o nível de consciencialização a nível europeu. Portanto, é já positivo. Mas nós queremos, de facto, um compromisso, apresentado também em sede de concertação social, e que depois passou para a Assembleia da República com a apresentação por parte dos partidos de vários projeto-lei neste sentido, que é reforçar, cada vez mais, esta vinculação e este compromisso com o papel dos homens enquanto pais. Mais cinco dias faz muita diferença. Não só em termos de disponibilidade efetiva para acompanhar o bebé, mas, também, simbolicamente, fazendo este caminho que é um caminho que tem de ser também trilhado no sentido de inverter esta lógica de que quem cuida das crianças, quer recém-nascidas quer até à adolescência, são as mulheres e são as mães. E, portanto, há aqui este duplo sentido nestas medidas, precisamente com este objetivo.
Mas esse é ainda um problema, ou seja, os pais ainda usufruem pouco, mesmo daqueles que são os direitos que eles, enfim, já viram consagrados.
Sim. Eu costumo referir e isso está mais do que provado, até nas estatísticas. Nesta matéria da desigualdade de género os homens também são vítimas, porque as mesmas concessões que fazem com que recaia sempre no feminino a ideia de cuidar e até a ideia de conciliar as várias esferas, também penaliza os homens. Temos algumas denúncias e queixas, de obstáculos criados pelas entidades empregadoras, à utilização destas licenças por parte dos homens. Isto por vezes nem tem a ver com a cultura de topo, digamos assim, da empresa mas por obstáculos, das chefias, dos próprios pares, dos colegas de trabalho que não entendem. No último estudo, havia pais que ouviam expressões como: "a tua mulher não trata da criança? Não é a tua mulher que devia cuidar do bebé?".
Ainda é estranho, no local de trabalho, ouvir um homem dizer "tenho de sair porque vou buscar os meus filhos".
Exato. Conceções que nós temos de masculinidade que estão distantes daquilo que é cada vez mais a realidade das pessoas e o desejo dos próprios homens. Socializar os custos da família e dos cuidados também tem a ver com isto. O reconhecermos esta necessidade de distribuição mais equitativa, de tarefas nos vários domínios da vida.
Tudo isso já foi negociado com os parceiros sociais? Já houve alguma tentativa de entendimento?
Aquilo que pretendemos é a própria negociação no seio da empresa, com os parceiros sociais presentes. Com sindicatos, aliás foi uma recomendação da própria CGTP quando fomos à concertação social apresentar estas propostas de medidas. No âmbito do Pacto para a Conciliação temos 47 entidades empregadoras, mas, devo dizer que todos os dias nos estão a chegar pedidos.13 da Administração Pública Central, sendo que já temos um grupo de mais cinco que querem entrara. 11 câmaras municipais, mais duas que querem entrar. 15 empresas, e 8 do setor público.
Este compromisso consiste em quê?
Queremos que as questões de conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar se assumam como uma cultura. Tal como aconteceu, por exemplo, em matéria de consciência ambiental e de práticas de sustentabilidade. De facto, elas são estratégicas. Não tem a ver apenas com o exercício de direito, que, por si só, são importantes e fundamentais. Não tem apenas a ver com o bem-estar dos indivíduos que trabalham nas organizações. Com as questões da felicidade, da satisfação. Mas tem a ver, também, com questões de desenvolvimento económico e de competitividade das próprias empresas. Há muitas destas empresas que estão aqui, que me diziam "isso para nós é absolutamente fundamental, porque temos de reter os talentos que temos na empresa". A partir de certo limiar, o estímulo financeiro não é suficiente para a pessoa procurar uma resposta. Querem trabalho que dê satisfação, mas também ter tempo para lazer, para se cultivar, para fazer formação, para realizar um hobby, para viajar, quando é possível, obviamente, e, para ter uma vida profissional.
Acredita que seja mais fácil para uma empresa grande do que para uma PME ou para uma micro?
Isso é muito variável. Isso tem mais a ver com a abordagem da própria gestão do que propriamente com a dimensão da empresa. Aqui a ideia é a de uma norma certificadora, deste sistema de gestão que permita o diagnóstico de necessidades permanente, auditorias internas e também o desenvolvimento de medidas específicas que promovam a conciliação. Porquê? Porque cada empresa apresenta uma realidade concreta. E, portanto, caberá à empresa e à equipa de consultoria que a acompanhe a definição de quais são as medidas adequadas às necessidades. Isto não pode ser, digamos assim, regra e esquadro.
Não há um modelo que seja adaptado a todo o tipo de empresas
Nós damos exemplos de medidas: acordos com creches, lares, criação de cantinas, com possibilidade, por exemplo, de levar comida para casa, disponibilização de horários flexíveis, teletrabalho, etc. Por exemplo, temos um caso muito interessante e inovador, da Câmara de São João da Madeira, que adotou uma medida: os trabalhadores têm dois gatos no local de trabalho. O que reforça as questões da partilha e do trabalho em grupo, em equipa, porque toda a gente se mobiliza no sentido de tratar dos animais. Há uma diversidade de formas de estimular esta nova cultura, essencialmente para esta... Às vezes surgem medidas quase como estratégias de limpar a imagem. Não é isso que se pretende.
O papel dos avós não está contemplado... Nem a questão dos transportes escolares...
Em primeiro lugar é um programa aberto. Inicia-se neste ano e as medidas, por vezes com uma diferença, que pode ser de um mês ou dois, mas estão todas, umas já estão em implementação, em desenvolvimento, em preparação. Mas, por exemplo, na área da mobilidade, é a primeira vez que houve essa preocupação, e isso é fundamental. Temos um concurso para a Autoridade dos Transportes para pensar estas matérias e desenvolverem, por exemplo, sistemas de transporte de proximidade, transporte solidário, que facilitem estas lógicas e esta diversidade de necessidades. Mas, só conseguimos fazer isso, mais uma vez, não é por decreto. É estimulando as iniciativas das autoridades de transporte. E, para isso, também é fundamental dar a conhecer o que é possível ser feito. Esta questão da mobilidade não é neutra, sob o ponto de vista de género. As mulheres são quem está mais dependente de transporte público. 70% das pessoas que usam os transportes públicos são mulheres. E têm um tipo de viagem diversa. Fazem várias mudanças de transporte no mesmo dia, por exemplo. Tem a ver também com a diversidade de papéis que assumem ao longo desse mesmo dia. Transportar as crianças, ir às compras, ir para o local de trabalhão, visitar uma pessoa idosa, etc. Há uma diversidade que deve ser estudada e deve começar a ser trabalhada.
E os avós?
Tendo em conta o prolongamento, em termos etários, da participação das pessoas no mercado de trabalho, os e as avós portugueses tem vindo a estar menos disponíveis do que no passado. Daí também esta necessidade, maior necessidade, de rede, de equipamentos de apoio à família, que passam pelas creches, que passam também pelo ATL, pela escola a tempo inteiro - está aqui também prevista uma experiência piloto para alargar a escola a tempo inteiro ao segundo ciclo.
Ou seja a escola funciona durante o horário dos pais, certo?
E os avós. Que auxiliará também nesta tarefa.
Uma das coisas que também não está presente neste documento é a questão das famílias numerosas. Que foi uma das questões que o CDS levantou quando, há uns meses, apresentou uma série de medidas de apoio à família.
Nós não podemos nos concentrar num modelo de família. Hoje há uma diversidade tão grande... uma tipologia tão diversa de famílias... Se a limitação é ir ao segundo, ao terceiro filho, não podemos centrarmos apenas num modelo de família. Estas medidas, grande parte destas medidas são de aplicação universal. não estão apenas vinculadas a uma família. A um tipo de família. Portanto, não há aqui uma segregação ou um deixar de atender a essas especificidades.
O CDS apresentou várias propostas, entre elas o reforço das licenças parentais, que agora se verifica, a introdução do teletrabalho, o incentivo a empresas amigas das famílias, e no caso de igualdade de género também... e foram rejeitadas.
Este programa da conciliação é um programa aberto. Além de ser um programa aberto ele não se centra apenas nas questões da família e das famílias. E não se centra apenas num modelo de família que exclua outras. E que ignore que existam outras, também com os mesmíssimos direitos. O nosso enfoque aqui foi o também querer valorizar a esfera pessoal. E fazer este compromisso muito forte com os parceiros sociais. Estudar estudar coisas que não têm sido estudadas no nosso país. O impacto da maternidade nos rendimentos futuros e presentes, até em termos de pensões das mulheres. Há um conjunto de dimensões que também não têm sido apresentadas na Assembleia da República e que estão aqui no programa. Não significando isso, que se forem, obviamente adotadas políticas e medidas pela Assembleia da República no âmbito daquilo que é o trabalho parlamentar, obviamente que contribuirão para este grande desiderato... tem de ser coletivo.
Qual é o impacto orçamental deste conjunto de medidas?
Não tenho o valor global até porque ele é muito variável.
Todos os estudos que vão agora ser feitos revelam que temos ainda muito pouca informação sobre este tipo de problemas?
Nós temos pouco conhecimento sobre vários aspetos. Por exemplo, é fundamental um novo inquérito à fecundidade para perceber quais são as causas. Como é que as pessoas gerem as suas expectativas e jogam. Porque aquilo que nós temos são números, ao final de cada ano, que nem sempre conseguimos compreender.
Quando é que esse estudo vai estar pronto?
Está a ser preparado pelo INE. Haverá a criação de um sistema de análise numa base de dados sobre a questão da igualdade de género. E haverá um novo inquérito à fecundidade, em 2019. E sobre o tempo e a sua utilização. O último foi em 1999. Sobre o valor económico do trabalho não pago. Nós não sabemos qual é o peso económico do trabalho não pago que as pessoas realizam. E ele tem um peso efetivo para a economia. Essa é também uma via de revalorizar o trabalho de cuidado
Nomeadamente os cuidadores informais, questão que tem estado em debate mas não está presente na Lei de Bases da Saúde - nem nesta proposta.
Porque está em preparação entre o Ministério do Trabalho e o Ministério da Saúde, e, portanto, a seu tempo será devidamente apresentado. É uma área de alguma complexidade e que tem de ser devidamente preparada. Não há data, mas há um compromisso de que será apresentada.
O que é que a violência doméstica diz sobre nós, como país, como povo?
A violência doméstica, a violência contra as mulheres, não é, infelizmente, um problema apenas nosso.
Mas é muito nosso.
É muito nosso. Diz-nos que temos de continuar a trabalhar em muitas frentes. Ainda agora saiu o ultimo relatório da equipa de análise retrospetiva, que faz um trabalho fundamental na deteção do que falha.
O que falha com mais frequência?
Falham várias coisas. A consciência das pessoas, no sentido em que, sendo a violência um crime público as pessoas devem, têm a obrigação de denunciar, de ajudar a mulher ou a rapariga, porque conhecendo a situação, temos esse compromisso e devemos ter esse dever cívico. Falha por exemplo, quando, e nesse âmbito as pessoas preferem ignorar, tapar os ouvidos, do que procurar uma solução. E por vezes falha precisamente a capacidade de resposta de vários setores. Um anterior relatório detetou falhas na saúde, outro ao nível de oficiais de justiça. No Ministério Público. De qualquer forma, houve um progresso e uma evolução muito significativa. Só só em 2017 investimos 1,9 milhões de euros naquilo que são as verbas dos jogos sociais do que em 2015, por exemplo, nesta matéria. Temos uma rede de respostas quer com estruturas de atendimento - 141 - quer com centros de acolhimento e emergência e casas de abrigo. E em 2017, temos 11.100 mulheres atendidas e apoiadas por esta rede. E a mensagem que é importantíssima que seja passada é que existem respostas.
Em janeiro entra em vigor a lei que obriga os salários a serem iguais, a igualdade salarial. O que é que vai ser feito este ano para controlar a aplicação desta lei?
A obrigatoriedade já existe desde os anos 60. Aquilo que será obrigatório é que as empresas e organizações passem a ter sistemas de avaliação de funções assentes em critérios e objetivos.
E quem não cumprir?
Quem não cumprir está previsto na legislação, precisamente, um conjunto de sanções. Mas, aquilo que também passaremos a ter com esta lei é informação. Por parte da CIP, por parte da ACT, por parte da análise estatística que vai ser produzida a partir dos relatórios únicos que já são realizados anualmente e apresentados pelas empresas. Irá haver um acréscimo de informação, que seja mobilizadora para a ação. E que permita depois às empresas fazerem planos de avaliação e de análise para detetarem onde é que estão os fatores de descriminação. Ou seja, se de fato os seus sistemas de avaliação de funções estão, ou não, enviesados, por estas... como estava no setor do calçado.