As viagens de D. Pedro pela Europa do século XV são as mais surpreendentes da história da família real portuguesa. Percebe-se a lógica do itinerário? Sim. Ainda antes de sair de Portugal, D. Pedro oferece os seus préstimos ao imperador Segismundo do Sacro Império Romano-Germânico. Esta decisão surge, ao que parece, por D. Pedro se sentir o filho preterido, uma vez que o rei D. João I dava mostras de maior afeto e consideração para com o infante D. Henrique. Outra teoria é a de que o infante D. Pedro terá matado um soldado e, por isso, foi expulso do país por três anos. A Fverdade é que o primeiro destino escolhido por D. Pedro no seu itinerário é a Inglaterra, onde visita a sua família materna. Daí parte para o continente Europeu com diferentes objetivos. É provável que na Flandres tenha sugerido ao duque da Borgonha que este se casasse com a sua irmã, a infanta Isabel, algo que veio a acontecer. Um convite para um casamento leva-o até à cidade de Colónia e daí desce até Viena, onde se encontra finalmente com o imperador Segismundo, integrando as suas tropas que lutavam na Roménia, para onde D. Pedro viaja. Já no retorno a Portugal, a passagem por Itália, mais especificamente por Roma, é importante por conseguir a autorização papal para que o seu irmão, D. Duarte, pudesse suceder ao seu pai com o devido reconhecimento da Igreja. Já no reino de Aragão, D. Pedro trata do seu casamento com a filha do conde de Urgel, pretendente ao trono de Aragão. Assim, para além de servir como "embaixador" da nova família reinante em Portugal, e conquistar alguma amizade junto das outras cortes europeias, parece que D. Pedro, por onde passou, conseguiu sempre cumprir um objetivo, fosse este benéfico para si ou para o reino de Portugal..A ida de Afonso V a França incluiu uma armada que transportava o rei. Viajar assim teria de ser dispendioso. É a explicação para poucas do género terem ocorrido? Sim, de facto. Tal como hoje, viajar era dispendioso, por isso, viajava quem podia e quando podia. Desta forma, as elites seriam as que tinham mais facilidade em fazê-lo, para além, claro, das pessoas cuja profissão dependia da viagem, como um mercador. Seria, assim, de supor que o rei, estando no topo da hierarquia social, fosse o mais viajado e, em boa verdade, durante a Idade Média e o Renascimento, os monarcas portugueses viajavam bastante, mas sempre dentro das suas fronteiras, para controlarem os seus territórios. Era a itinerância necessária para governar o reino. Uma viagem como a de D. Afonso V a França era uma exceção. Mais de duas mil pessoas acompanharam o rei, seria uma pequena cidade móvel, numa jornada que se prolongou por cerca de um ano. Os gastos do rei D. Afonso V nesta aventura ultrapassaram os quatro milhões de reais, número avultado que dificilmente poderia ser gasto com regularidade em despesas que não fossem as habituais da Coroa. Foi um investimento excecional, com o intuito de conquistar a Coroa de Castela. Infelizmente, para D. Afonso, correu mal e não viu o retorno..As viagens do jovem D. Pedro V, já no século XIX, foram resultado do esforço do pai, o viúvo alemão de D. Maria II, de dar mundo ao filho? D. Fernando era regente quando enviou o filho em viagem pela Europa. Estava a enviar o futuro rei de Portugal aos países mais industrializados e desenvolvidos daquela época, precisamente para esse efeito, dar mundo ao filho, mas, mais do que isso, dar uma visão de futuro e alargar os horizontes àquele que viria a ser rei. Desde o século XVIII que tinha surgido, entre a aristocracia europeia, o costume de se permitir aos jovens destas classes abastadas viajarem pela Europa a fim de se cultivarem. Era encarado como um derradeiro ato de educação, e no caso do rei D. Pedro V não foi diferente. É, aliás, curioso que o próprio D. Pedro tinha essa consciência bem vincada, escrevendo no seu diário que a jornada se realiza "não para meu passatempo, mas sim para minha instrução e com o propósito de melhor me habilitar a dirigir depois os destinos do povo que eu devo reger". E, de facto, ao longo da viagem foi anotando um pouco de tudo aquilo que de novo aprendia ou que o mais surpreendia..As idas de D. Carlos e D. Manuel II a Inglaterra podem já ser vistas como modernas visitas oficiais, como hoje acontecem? Sem dúvida. As viagens tinham um cariz diplomático muito próximo das visitas oficiais dos nossos tempos, que serviam o propósito de reforçar alianças. Por vezes eram até autênticas operações de charme, como a viagem de D. Carlos em 1895, cujo um dos objetivos era cortejar os credores de Portugal, que tinha declarado bancarrota três anos antes. Há, porém, algumas diferenças. Era costume nas monarquias constitucionais, já com as devidas separações de poderes, os monarcas, que deixaram de ter o poder executivo, tomarem para si a diplomacia dos Estados, ou, pelo menos, parte das relações externas, até porque, ao contrário do que hoje acontece com as repúblicas, os chefes de Estado europeus partilhavam entre si laços de sangue e por isso a sua troca de correspondência era de cariz privado, mas também sobre aspetos estatais, como a amizade entre os reinos. Contudo, a viagem em si era em muito idêntica às que hoje observamos dos nossos chefes de Estado, aliás, alguma da etiqueta dessas visitas oficiais sobreviveu até aos nossos dias, como as receções, jantares de gala e troca de condecorações entre estadistas..Não o surpreende que, tirando as cidades portuguesas em Marrocos, tenha sido preciso D. Luís Filipe para que um rei - ou quase, era o herdeiro e foi morto - tenha visitado as colónias africanas? Sim e não [risos]. De facto, parece uma visita tardia, tendo em conta que os territórios controlados pelos portugueses na África Austral datam do século XV e XVI e só nos princípios do século XX se realizou a primeira visita oficial de um membro da família real a estas colónias. E sublinho a questão da "visita oficial" porque o avô do príncipe D. Luís Filipe, o rei D. Luís, antes de subir ao trono e estando ao serviço da Marinha, também esteve em Angola. Porém, para se chegar a estas viagens temos de ter em conta a época, em particular os transportes e a sua tecnologia, o que poderá ajudar a explicar o porquê de outros reis do passado não se terem aventurado além do Saara. Viajar de nau até Moçambique, por exemplo, poderia constituir uma incógnita quanto ao regresso. No entanto, quando o príncipe D. Luís Filipe zarpa de Portugal para África, viaja num vapor que, para além do conforto garantido, permitia igualmente uma muito maior velocidade. Em comparação, por exemplo, sabemos que Vasco da Gama demorou cerca de nove meses na sua viagem entre Lisboa e a costa moçambicana. Já o príncipe em apenas três meses percorre a mesma distância e retorna a Portugal. De qualquer forma, podemos comparar com tempos mais próximos, mas recordemos que o investimento português em África tornou-se mais avolumado a partir da independência do Brasil, em 1822, e, por isso, diria que nas décadas seguintes ainda pouco haveria para ver e visitar naquelas colónias. Para além disso, como vemos no caso do rei D. Pedro V, as mentalidades da época ditavam que, quando se queria educar um príncipe, este deveria viajar para a Europa e não para África. Foi o que fizeram o pai, avô e tio-avô do príncipe D. Luís Filipe. A África que se visitava para alimentar a curiosidade cultural era a banhada pelo Mediterrâneo, como Marrocos ou o Egito, aliás, D. Amélia faz esse trajeto com os seus filhos. Outra questão importante é o momento, ou timing, da viagem. Portugal era acusado de ainda praticar escravatura naquele ano de 1907. Para desfazer esses boatos desprestigiantes (que eram verdadeiros) seria mais eficaz ter um príncipe a visitar as roças onde era produzido o cacau do que um ministro. Tal como hoje, na época, um príncipe atraía mais jornalistas..A ida de D. João VI para o Brasil, que foi a primeira travessia do atlântico por um monarca (fosse ele, o príncipe regente, ou D. Maria I, a rainha louca), ficou de fora deste livro por que razão? Neste livro procurou-se reunir viagens de ida e volta e a viagem de D. João VI para o Brasil transformou-se numa estada naquela colónia com a sua partida em 1807 e regresso em 1821. Era um período demasiado longo para o foco do livro. O périplo mais longo no livro é o do infante D. Pedro, que por três anos se ausentou do país, realizando várias viagens nesses 36 meses pela Europa. Para além disso, a viagem da Corte portuguesa para o Brasil está já sobejamente trabalhada e é bem conhecida, ao contrário das outras que figuram no Viajar com os Reis de Portugal e, por isso, foi colocada de parte para dar espaço às jornadas esquecidas..A nossa família real foi menos viajada do que outras, apesar de ter um império por visitar? Fazendo a ponte com a pergunta anterior, a família real portuguesa inaugura o século XIX com um feito nunca antes visto. Foi a primeira vez na história que um monarca atravessou um oceano e pôs os pés numa colónia. À exceção de Timor e Macau, todas as outras colónias, de São Tomé e Príncipe a Goa, receberam príncipes portugueses. Já pela Europa temos reis, rainhas, príncipes e infantes que calcorrearam estradas de Espanha à Roménia, navegaram até Inglaterra e pelo mar Mediterrâneo, como se pode ler no livro. Diria que, na verdade, a família real portuguesa seria das mais viajadas.