Dezembro ficou marcado, à semelhança dos meses anteriores, pela falta de professores nas escolas, com milhares de alunos sem aulas a uma ou mais disciplinas, aliado ao recorde de aposentações de docentes. Esta sexta-feira, final do 1.º período escolar - as escolas que estão em regime de semestre ainda têm aulas na próxima semana -, mais de 50 mil alunos estavam sem professor atribuído, situação que se agravou com a saída de 389 docentes por aposentação (o número mais elevado desde o início do ano e o mais alto da última década), num total de 3521 docentes aposentados em 2023.Davide Martins, professor e um dos colaboradores do blogue ArLindo (um dos mais lidos no setor da Educação), explica a matemática dos números "preocupantes" no que diz respeito à falta de professores. "Entre os dias 4 e 12 de dezembro estiveram a concurso 7562 horas, o que resultou em 50 413 alunos sem professor", explica. Davide Martins esclarece ainda que, "ao longo do 1.º período saíram, em Contratação de Escola, mais de 12 300 horários". "Se dividirmos pelas 13 semanas deste período dá mais de 940 horários por semana. É muito", afirma..O professor diz ainda não entender a passividade das associações de pais perante o cenário alarmante de escassez de professores. "Que iniciativas concretas terá a Confap promovido junto do Ministério da Educação? O que têm feito as associações de pais das escolas?", questiona..A falta de docentes é também a maior preocupação dos diretores escolares. No balanço do 1.º período, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), destaca a escassez de professores nas escolas. "Este período foi marcado pela falta de docentes, que levou a que milhares de alunos não tivessem aulas e alguns ainda não têm. Essa situação foi dramática e continua a ser", sublinha..O responsável teme que esta situação possa pôr em causa o Plano de Recuperação de Aprendizagens em vigor até ao final do ano letivo. "Estamos, neste momento, a lutar para que essa recuperação seja efetivada, mas tivemos menos meios do que nos últimos dois anos letivos. Tivemos 3300 professores afetos ao Plano 21/23 e não temos nenhum agora. Este ano, o 3.º da recuperação de aprendizagens, não estava previsto inicialmente e, ao contrário dos dois primeiros anos, as escolas não tiveram crédito horário para contratar professores e só puderam manter os Técnicos Especializados. Cada escola, ao ser retirado o crédito horário, teve de reajustar o plano de recuperação. Todos nós queremos continuar a fazer omeletes, mas estamos sem recursos. Em algumas escolas, é impossível recuperar aprendizagens", alerta..Filinto Lima salienta ainda um período marcado pela evidência da degradação das escolas, "mais visível por causa dos fortes períodos de chuvas". Com obras prometidas em "mais de 400 escolas", o presidente da ANDAEP lamenta a sua futura execução num período de 10 anos, uma linha temporal "demasiado grande para os problemas existentes em algumas escolas".."As estruturas degradadas serão intervencionadas, mas o que criticamos é o tempo em que as obras vão ser realizadas. Este período foi mais problemático por causa das chuvas, pois tornou mais visível a necessidade de requalificação. Os nossos alunos vão ter de esperar para ter conforto. O que se pede é um esforço dos Governos para que este prazo seja encurtado", solicita..Segundo Filinto Lima, aos problemas nas estruturas escolares, somam-se os do parque digital, "também visível ao longo deste 1.º período". "Os alicerces de uma escola digital passam por dotá-la de uma rede de wi-fi fiável. Passam também pelo acesso aos computadores e muitos estão avariados e encostados nas escolas. É preciso que, de facto, se resolva isto, até porque vai haver exames em formato digital e estamos com este problema em mãos", afirma, relembrando a aplicação de exames nacionais em formato digital para o 9.º ano (para todos os alunos) e para o secundário (apenas em algumas escolas), bem como as provas de aferição de 2.º,5.º e 8.º ano..Para Paulo Guinote, de 55 anos, professor de História do 2.º ciclo, a falta de professores que marcou o 1.º período levou à falta de qualidade do ensino, com escolas a recorrer a professores sem habilitação para "encobrir" o problema.."Mascarou-se a falta de professores com a atribuição de horas extraordinárias a professores que não as querem e há orientações diretas, feitas por telefonema, para atribuir as horas a quem não tem formação. O que o ME quer é as horas atribuídas, seja de que forma for. Para mitigar o problema também se recorreu a substituições por professores que já saíram do ensino há muito tempo e que precisam de tempo para aprender novos mecanismos burocráticos ou docentes jovens sem preparação no que se refere à carga de trabalho invisível, aquele que não é feito em sala de aula", explica. E, segundo Paulo Guinote, "as condições em que as aulas são asseguradas são questionáveis". Neste momento, assegura , "a falta de qualidade do ensino não é aceitável"..Paulo Guinote esclarece ainda ter-se vivido, neste início do ano letivo, "numa aparente normalidade", mas "sem qualquer melhoria nas escolas que "estão a funcionar com condições que se vão degradando todos os dias, com problemas de ligação à internet e sem se saber se haverá ou não renovação do parque informático", aponta. A municipalização da educação, diz, não trouxe vantagens para os estabelecimentos escolares, pois "tornou mais difícil a resolução de alguns problemas que antes eram resolvidos pelas escolas, como questões básicas de manutenção, com um processo é mais lento", refere..O Simplex na burocracia nas escolas, uma medida implementada este ano letivo por parte do ME também não surtiu efeitos, segundo o docente. "Não resultou. Todo o aparato burocrático é o mesmo. Perdemos menos tempo a preparar aulas do que a preencher grelhas, planos e registos duplicados. Este 1.º período não trouxe novidades. Esta desconfiança em relação ao trabalho dos professores mantém-se. Foi um período de desânimo por não se ver nada a avançar", conclui..À falta de professores nas escolas soma-se, segundo o Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (S.T.O.P), a falta de outros profissionais com os "muitos alunos com necessidades educativas especiais que continuam a não receber o devido apoio de terapeutas e/ou psicólogos, os muitos alunos estrangeiros que continuam a não ter o devido apoio na tradução e no apoio adequado em português Língua não-materna".."Tivemos ainda a falta crónica de Assistentes Operacionais em muitas escolas o que comprometeu a segurança e o bem estar das nossas crianças e jovens", avança André Pestana, coordenador do S.T.O.P.. O responsável aponta ainda o dedo ao ME, relembrando que o ano letivo se iniciou "com um número sem precedentes de alunos sem professor a uma ou mais disciplinas, calculado em cerca de 100 000 alunos nessa situação"..André Pestana garante que a falta de resposta a estes problemas da escola pública, bem como os que afetam diretamente os docentes, nomeadamente a recuperação do tempo de serviço congelado, levarão a novas ações de protesto. "Venha quem vier para o próximo Governo, se não investir a sério na escola pública e na valorização/dignificação de todos os que lá trabalham e estudam, esta luta continuará", promete..dnot@dn.pt