"Leitura Furiosa" deixa a Mouraria menos zangada

Lisboetas mais curiosos pelas palavras, de todas as idades, esqueceram, no dia 30, a forma zangada ou desinteressada com que encaravam os livros antes de viverem a "Leitura Furiosa", uma iniciativa que "mexeu" com a Mouraria para "dessacralizar a literatura".<br /><br />
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Durante a tarde, a sala da Casa da Achada -- Centro Mário Dionísio encheu-se para ouvir alguns actores lerem ou cantarem os textos de oito escritores que passaram um dia com um grupo de crianças, jovens, idosos ou refugiados.

"Esta é uma iniciativa de origem francesa que visa por pessoas que habitualmente não lêem, que se dizem zangadas ou desinteressadas da leitura, em contacto com o escritor e a assistir ao processo de elaboração de um texto. Importa dessacralizar a literatura, tirar-lhe aquele carácter solene, distante, alheado de todos", disse à Lusa Mário de Carvalho, após o encontro.

Foi com esse objectivo que o escritor se reuniu com um grupo de alunos do liceu Gil Vicente, a quem tentou (e acredita ter conseguido) transmitir que os livros não são sagrados e que os seus autores não são uma estranha "seita esotérica".

"A nossa relação foi muito boa, tenho a impressão de que ficaram com curiosidade em agarrar um texto ou outro", comentou, comprovando o entusiasmo manifestado pelos participantes na sessão.

Certo do impacto do projecto ficou o escritor Jaime Rocha, que conviveu com um grupo de idosos do Centro de Dia do Socorro, em média com 80 nos e com a memória de uma vida difícil que os faz ter uma relação ambígua, entre o gosto e o desgosto, com a leitura.

O encontro obrigou-os a "confrontar-se com o texto", quando só estão habituados a lidar com a palavra oralmente, e serviu para "iluminar" a sua própria memória.

"Este projecto mexe com o bairro. A leitura para eles nunca mais é o que era, a maneira de ler de ontem morreu, criaram uma nova leitura que é a de hoje, do presente. E a vida deles, a memória deles também dá uma espécie de volta, que é a transposição da realidade para a literatura", explicou.

A iniciativa "Leitura Furiosa" nasceu em 1992 da associação francesa Cardan, com sede em Amiens, e alargou-se depois a Kinshasa, capital do Congo, a Lisboa e ao Porto.

Na capital portuguesa os escritos participantes foram Armando Silva Carvalho, Filomena Marona Beja, Jacinto Lucas Pires, José Mário Silva, Mário de Carvalho, Miguel Castro Caldas e Raul Malaquias Marques.

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