"As pessoas que se irão juntar a uma segunda Administração Trump serão um perigo para a democracia na América"
Rita Chantre / Global Imagens

"As pessoas que se irão juntar a uma segunda Administração Trump serão um perigo para a democracia na América"

Em Lisboa a convite da FLAD, Kori Schake falou ao DN sobre como um regresso de Trump à Casa Branca mudaria a política externa americana. Republicana, a especialista do American Entreprise Institute confessa que se Trump for o candidato , voltará a votar em Biden porque Trump é “um perigo para a democracia na América”.
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Veio a Lisboa falar sobre os EUA no Mundo: Guerras, Políticas e Ordem. Mas a política externa americana vai depender muito de quem for o próximo presidente. Se Donald Trump voltar à Casa Branca, podemos esperar uma América mais isolacionista, como aconteceu no seu primeiro mandato?

Sim, penso que é verdade. Se Donald Trump fosse o presidente em 2022, a Ucrânia já teria perdido a guerra pela sua independência depois da invasão russa. Penso que uma das razões de ser dos Acordos de Abraão foi a ansiedade entre os aliados da América no Médio Oriente de que os EUA não fossem um parceiro fiável. E temos agora os comentários que Trump fez a Ursula von der Leyen sobre os EUA não honrarem as suas obrigações perante os aliados da NATO. Portanto, todas estas coisas são prováveis de vir a acontecer. É provável que Trump vá tentar fazer com que aconteçam se for eleito.

Falou da Ucrânia. Independentemente de quem for o próximo presidente esta será um desafio. Sobretudo porque temos visto que o apoio unânime a Kiev se tem vindo a esbater e o presidente Biden está a ter dificuldades em conseguir aprovar mais financiamento aos ucranianos…

Na verdade, não concordo. Acho que o que está a acontecer é que os republicanos no Congresso, onde controlam apenas uma das Câmaras e por pouco, percebem o quão empenhado o presidente Biden está nesta questão e estão a tentar usar a sua capacidade para bloquear o financiamento à Ucrânia de forma a obterem a redução da dívida, mais segurança fronteiriça - coisas que eles querem mas que não têm o poder político para conseguir. É política, não é falta de apoio. 

Muitos analistas acreditam que Putin está só à espera que Trump volte à Casa Branca para melhorar as suas hipóteses de ganhar a guerra na Ucrânia. Concorda com esta ideia?

Sim, acredito que a estratégia de Putin tem sido a de arrastar a guerra, por várias razões. Primeiro, na esperança de que Trump seja reeleito e acabe com o apoio à Ucrânia. Segundo, para congelar o conflito num momento em que a Rússia ocupa território soberano da Ucrânia. E terceiro, porque quanto mais tempo isto se prolongar, menos irá parecer um desastre estratégico para a Rússia. Por isso ele parece achar que o tempo joga a favor dele. Mas eu tenho dúvidas que seja verdade, por várias razões. Uma é que a Ucrânia está a ficar mais forte e não mais fraca. Estão a lutar com um heroísmo incrível e espero que isso continue. A Ucrânia acaba de mobilizar mais meio milhão de soldados. A Rússia tentou mobilizar 300 mil, conseguiu 234 mil e 1,4 milhões fugiram do país. Não é claro, portanto, que a dimensão da população russa vá produzir uma força de combate maior ou melhor do que a da Ucrânia. Por isso não acho que o tempo esteja do lado russo, mas concordo que é o que Putin parece pensar.  

Esta falta de capacidade militar da Rússia para vencer a guerra rapidamente surpreendeu-a? E surpreendeu a América?

Eu penso que a maior parte de nós sobrestimámos a capacidade militar da Rússia e subestimámos a coragem política dos ucranianos. E portanto ambas estas surpresas são resultados fantásticos. Ver pessoas livres sacrificar tanto para preservar a sua liberdade é uma bela inspiração para todos nós. 

Assistimos neste momento a outro conflito, entre Israel e o Hamas. No passado, para qualquer presidente dos EUA o apoio a Israel era inquestionável. Mas temos visto cada vez mais críticas a Biden por causa desse apoio. É de esperar uma viragem na posição americana no futuro, seja Biden reeleito ou Trump regresse à Casa Branca?

O presidente Trump era ainda mais vocal no apoio a Israel. E Benjamin Netanyahu jogou com o apoio dos EUA de tal forma que penso que muitas das objeções a esse apoio que ouvimos agora da esquerda do Partido Democrata resultam dessas escolhas. Um dos problemas da política externa de Trump é ser errática. Ele não parece ter crenças profundas e portanto ninguém pode ter a certeza do que vai acontecer. E esse tipo de incerteza aumenta os custos para toda a gente. Faz com que os inimigos fiquem mais tentados a experimentar coisas. E faz com que os aliados fiquem mais preocupados e com falta de confiança. Eu concentro-me mais nas divisões entre republicanos, mas existem divisões profundas no Partido Democrata também, como podemos ver em relação ao apoio a Israel. E isso é problemático para o presidente Biden. Acho que ele não antecipou isso. E cometeu dois erros em relação à guerra em Gaza. O primeiro foi achar que ao expressar a solidariedade da América aos israelitas depois dos terríveis ataques terroristas de 7 de outubro isso ia dar-lhe influência nas escolhas futuras de Israel quanto à resposta a esses ataques. O segundo foi achar que haveria um largo apoio dos americanos, ou pelo menos dos democratas, à sua posição. Acho que ficou surpreendido com o quão ruidosas têm sido as objeções da esquerda democrata. 

As críticas vêm sobretudo da esquerda democrata e dos jovens?

Não são só necessariamente jovens, mas os jovens americanos estão muito menos comprometidos com Israel do que os mais velhos. Os jovens estão muito mais preocupados com os direitos humanos e cívicos dos palestinianos. E os judeus americanos já não são o centro de gravidade do apoio a Israel. Agora são os cristãos evangélicos, o que muda a base de apoio do Partido Democrata para o Partido Republicano, de certa forma. 

Com Biden vimos os EUA voltar ao multilateralismo, especialmente a empenharem-se na NATO. Se Trump voltar ao poder, é de temer que os EUA saiam da NATO?

Sim, penso que devem temer isso. O Congresso acaba de aprovar legislação a dizer que o presidente não pode tirar o país de um tratado sem acordo do Senado. Provavelmente é inconstitucional, deve ser preciso uma emenda à Constituição para promulgar isso. Mas o largo apoio que conseguiu no Senado sugere que o presidente teria de pagar um preço político se o fizesse. A minha esperança para o meu país, se Trump for eleito, é que o Congresso, os estados, a sociedade civil exerçam a sua autoridade de forma a restringir os seus maus princípios e más decisões. Mas numa situação como a que estamos a viver agora, para a Europa, os EUA deixarem a NATO seria um desastre. 

Poderia ser o fim da NATO?

O meu palpite é que iríamos ver uma continuação do que aconteceu no primeiro mandato de Trump. É interessante que os comentários que Trump fez a Ursula von der Leyen só agora tenham vindo a público. Não surgiram quando ele era presidente porque toda a gente estava a tentar conter os danos. E penso que o mesmo irá acontecer num segundo mandato. Porque os aliados da NATO são os amigos mais próximos da América. E a profundidade dos nossos valores comuns, dos nossos interesses comuns, a forma como, quando as coisas ficam assustadoras, damos as mãos… isso não muda independentemente de quem for o presidente dos EUA. Por isso acredito que vamos ver muito ativismo por parte dos outros centros de poder na América e acredito que vamos ver muita cooperação por parte dos aliados dos EUA para limitar os estragos em vez dos os acentuar. 

Taiwan foi a votos no dia 13 e venceu o independentista William Lai. Se o pior se confirmar e a China invadir a ilha, provocando mais uma guerra no mundo, é de esperar que os EUA intervenham militarmente, como Biden tem prometido?

O que me preocupa é que por quatro vezes o presidente Biden garantiu que os EUA vão mandar tropas para defender Taiwan e quatro vezes membros da sua Administração - o secretário de Estado, o conselheiro para a Segurança Nacional e o secretário da Defesa - vieram dizer que não era isso que ele queria dizer. É uma má prática. Eu pessoalmente defendo que os EUA devem ir para a guerra para defender Taiwan e outros povos que estejam a lutar pela sua liberdade. Mas se o presidente vai assumir esse tipo de compromisso, tem de gastar muito mais dinheiro nas forças armadas, para garantir que podemos ganhar a guerra. Tem de explicar aos americanos porque é do nosso interesse e criar as bases para ter o apoio da opinião pública. E o presidente Biden não fez isso. Por isso criou um fosso perigoso entre o que diz e o que faz. E deixa-me nervosa que a China possa tentar ver se estamos mesmo à altura. 

Há enormes diferenças entre democratas e republicanos nos EUA, mas uma das coisas em que ambos parecem concordar é que a China é o inimigo número um, certo?

Sem dúvida. E a velocidade a que isso se tornou verdade nos EUA é impressionante. Mas é uma reação totalmente justificável perante as escolhas que o governo de Xi Jinping está a fazer - a crescente repressão interna, o esforço para reprimir as comunidades da diáspora, o uso da interdependência económica como uma arma e a forma como estão a ameaçar vários países. Há dois ou três anos, as grandes empresas americanas eram um contrapeso às preocupações dos responsáveis pela segurança interna. Isso já não acontece. A maior parte das empresas americanas, mesmo as que têm grande exposição à China, como a Apple, estão a perder a confiança de que conseguem proteger a sua propriedade intelectual, de que as suas cadeias de abastecimento estão seguras se dependerem da China. A Apple está a construir uma força de trabalho na Índia, para mover a sua produção para fora da China. Comprometeram-se a tirar de lá 25% da produção em dois anos. Isto dá-lhe uma ideia do quanto os americanos começaram a perceber que o mercado chinês já não vai estar acessível para nós. O comportamento do governo chinês é um perigo para nós e vai usar a interdependência económica para ganhar vantagem geopolítica

Foi conselheira da campanha de John McCain e Sarah Palin nas presidenciais de 2008, identifica-se como conservadora, mas em 2020 fez parte de um grupo de personalidades republicanas que apelaram ao voto em Biden. Se Trump voltar a ser o candidato republicano, admite voltar a fazê-lo?

Se Trump for o candidato republicano e não houver um terceiro candidato, independente, vou sem dúvida votar no presidente Biden porque Donald Trump é um perigo para a democracia na América.

A democracia americana sobreviveu a quatro anos de Trump mas não se sabe como sairá de mais quatro. Este segundo mandato pode ser mais perigoso?

Penso que sim. Em parte porque seremos um país diferente se escolhermos Donald Trump sabendo o que ele é. E porque um segundo mandato de Trump não irá atrair a participação de nomes como Mark Esper, Jim Mattis, John Kelly ou Nikki Haley, que ajudaram a equilibrar as más decisões de um presidente irresponsável. As pessoas que se irão juntar a uma segunda Administração Trump serão, com toda a certeza, um perigo para a democracia na América.

Olhando para as sondagens parece inevitável Trump ser o candidato republicano às presidenciais. Apesar de todos os problemas legais, o ex-presidente tem conseguido virar essas acusações a seu favor? 

Ele é muito bom nisso. Só há uma forma de sabermos a resposta e é nas urnas. Como ainda estamos no início do ciclo de nomeações, ainda é muito cedo. Ele até pode ser eliminado dos boletins, pode ir para a prisão. Uma das discussões académicas mais interessantes que ouvi foi sobre como os americanos adoram baseball e os europeus adoram futebol. A razão pela qual os europeus adoram futebol é pela estandardização. A razão pela qual os americanos adoram baseball é por causa das suas pequenas especificidades - os estádios têm tamanhos diferentes, as ligas têm regras diferentes. E o baseball é uma excelente metáfora para a política americana. O governo federal não pode impor uma estandardização em muitas coisas. Uma forma de compreender a política americana é perceber que temos um governo construído por pessoas que não confiam no governo: o poder é tão distribuído que qualquer um pode acionar um travão para impedir algo ou tomar uma iniciativa até alguém o travar. 

Não acredita então que o Supremo Tribunal vá proibir Trump de ser candidato?

Não sei. E acho que ninguém sabe. Seria uma loucura, mas… Há muito poucas coisas descomplicadas na política americana. A Constituição diz que alguém se pode candidatar a presidente desde que tenha 35 anos. E os partidos… é possível alguém cair de paraquedas no meio da campanha. Em 2016 tivemos candidatos fortes que não estavam registados nesses partidos. Donald Trump na corrida republicana e Bernie Sanders na corrida democrata. O sistema foi desenhado para ser totalmente aberto. Assim o queria a Constituição. A 14.ª emenda, que entrou em vigor depois da Guerra Civil, diz que os insurrectos podem ser impedidos de se candidatar a cargos estaduais ou federais. Isso foi aplicado de maneira ampla nos anos 1860 e 1870. Agora, se o Supremo vai considerar que Trump, nos ataques de 6 de janeiro 2021 ao Capitólio, esteve envolvido numa insurreição, essa é a questão. Porque é que o cargo de presidente não é referido na 14.ª emenda? Não sei. Um bom advogado terá de apresentar os seus argumentos e alguém no Supremo Tribunal vai ter de decidir.

Um Supremo Tribunal para o qual Trump nomeou três dos nove juízes…

Eu diria que essa é uma forma injusta de colocar a questão. Aqueles são alguns dos melhores advogados e juristas do país. Não me parece justo insinuar que o presidente que nomeou os juízes merece ou vá ter o seu apoio em questões graves de direito constitucional. Há uma famosa frase do presidente Eisenhower. Quando lhe perguntaram, no final dos seus dois mandatos, se ele tinha algum arrependimento, ele respondeu “dois: Warren e Brennan” [os juízes que o presidente conservador nomeou para o Supremo e que se revelaram muito liberais]. 

Nestas presidenciais é muito provável que o duelo seja entre Biden e Trump, dois homens, brancos e idosos. Mas quem gostaria de ver como candidato à Casa Branca em 2028?

Para já em 2024 gostava de ver Nikki Haley… Mas tem razão, é provável que seja Biden vs Trump. Há imensos potenciais candidatos. Eu gosto muito do congressista Gallagher, do Wisconsin, acho que ele seria fantástico. Sou também uma grande fã de vários governadores republicanos. Partilho a frustração inerente à sua pergunta - de que a linha da frente da política americana seja uma gerontocracia, o que não é nada representativo da diversidade e vivacidade da América.

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