Diretor da Polícia Federal confirma investigação contra grupos criminosos do Brasil em Portugal
A Polícia Federal (PF) do Brasil está “não só atenta”, mas “fazendo investigações, fazendo trabalhos e cooperando”, nas averiguações sobre a existência de orga- nizações criminosas de origem brasileira em Portugal. A afirmação é de Andrei Augusto Passos Rodrigues, diretor-geral da PF, em resposta ao DN sobre a presença do Primeiro Comando da Capital (PCC) - uma das maiores organizações criminosas da América do Sul - em Portugal.
Segundo o delegado, entre os cerca de 500 presos brasileiros nas cadeias portuguesas “infelizmente podem existir faccionados de organizações brasileiras”. Rodrigues afirma que não pode dar detalhes das investigações, mas que “temos, concretamente, essas ações e a atenção da Polícia Federal a essa situação”, em referência ao crime organizado internacional.
Uma investigação académica realizada em 2022 apontou para o “risco real” da entrada de fugitivos brasileiros em Portugal. Na tese de mestrado, Robson Souza, um ex-policial militar comprovou a possibilidade de obter uma certidão “nada consta” de criminosos condenados. Sobre este tema, o delegado não respondeu às questões colocadas pelo DN.
Ao mesmo tempo, reconhece que “o crime organizado, hoje, não tem fronteiras”. De acordo com o delegado, que possui mais de 20 anos de carreira, com foco no combate ao tráfico de drogas, é uma realidade que hoje as facções atuam em vários países ao mesmo tempo.
O mesmo tema foi referido pelo ministro da Justiça brasileiro, Ricardo Lewandowski, em conferência de imprensa na semana passada. “Todos os países enfrentam a criminalidade organizada”, disse na sede da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). De acordo com o ministro, “é possível que alguns membros de facções criminosas tenham vindo para Portugal, até pela facilidade da língua e pelo tradicional acolhimento que Portugal dá aos brasileiros”.
O assunto, no entanto, não é novo. A presença de grupos como o PCC já tinha sido divulgada pelo Diário de Notícias. Em fevereiro deste ano, um dos diretores da Polícia Judiciária, David Freitas, ressaltou que “era sabido” da presença do PCC em Portugal, mas que “não tem havido eventos criminológicos”.
Com a visita do diretor-geral da PF e do ministro brasileiro o tema voltou para o debate público, sendo alvo de conversa de Lewandowski com a homóloga Rita Júdice, além de com a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco.
Novos acordos
Para o líder máximo da PF, a chave no combate contra a expansão de organizações criminosas transnacionais passa pela cooperação entre as forças de segurança.
Quanto a isso, garante que o trabalho conjunto com a Polícia Judiciária (PJ) é “muito fluido e histórico”. Na passagem por Lisboa, o delegado manteve encontro com autoridades da PJ. Esta polícia de investigação adiantou ao DN que foram discutidos temas “no âmbito do combate aos crimes de ódio, terrorismo, tráfico de seres humanos, cibercrime, tráfico de estupefacientes, formação e atividade pericial forense”.
A reunião também foi definida pela PJ como surgindo na sequência de um encontro em Brasília realizado recentemente. Na ocasião, foi assinado um protocolo entre as duas polícias, que prevê a partilha do Sistema Rapina. O mecanismo foi criado pelas autoridades brasileiras e utilizado para o combate aos crimes de abuso sexual infantil.
O tema da cooperação no combate ao crime transnacional também fez parte da visita dos representantes da PJ ao Brasil. Segundo Andrei Augusto Passos Rodrigues estes são factos que mostram o trabalho conjunto entre a PF e a PJ. Além disso, tanto a Polícia Federal brasileira possui oficiais de ligação em Portugal como vice-versa. “Isso nos permite uma troca [de informações] permanente”, ressalta o delegado. No caso das relações diplomáticas e históricas entre os dois países, a cooperação é antiga. Mesmo assim, o delegado afirma que o “avanço do cenário criminal global” implica “intensificar” o trabalho conjunto.
Segundo o diretor-geral, especialmente na troca de tecnologias, o Brasil pode colaborar com Portugal por ser uma referência internacional no desenvolvimento de novas tecnologias focadas na área da segurança. “As polícias precisam necessariamente de investir em tecnologia”, sublinha.
Cooperação com a Europa
Além da cooperação com a PJ, o delegado destaca o trabalho conjunto com outras forças de segurança internacionais. É o caso da Europol e da própria Interpol. “Precisamos de ter a troca muito presente. O Brasil não é produtor de cocaína. Mas a cocaína é produzida em países vizinhos, transita pelo Brasil, chega à África, com destino final à Europa. O recurso que movimenta isso é investido em outro continente. O que nos leva a ter a cooperação internacional muito presente. Porque senão, nós não vamos conseguir vencer o crime organizado”, explica.
A PF criou recentemente um departamento focado em cooperação com este fim. “Nós temos hoje na Polícia Federal Brasileira uma política muito clara de cooperação”, complementa. Além de Portugal, a PF também possui uma oficial de ligação em Haia, nos Países Baixos.
O diretor ainda espera que a presença do Brasil neste cenário seja ainda mais fortalecida nos próximos meses. O delegado brasileiro Valdecy Urquiza vai assumir, pela primeira vez, a direção da Interpol, que tem sede em Lyon (França). “É uma vitória histórica, por ter alguém do Sul Global numa instituição tão importante”, analisa. “Será um grande vetor de cooperação internacional e vai reforçar a cooperação, ainda mais neste momento em que o Brasil voltou ao cenário internacional e retoma sua posição geopolítica”, finaliza.
amanda.lima@dn.pt