São 8 da manhã. Transpondo-se a porta de entrada da Escola Básica 123 da Azambuja, a guarda de honra espera os alunos: dois polícias -- um homem e uma mulher --, dois professores e duas assistentes operacionais esmeram-se em afabilidade e sorrisos. As crianças vão chegando, em autocarros públicos, nas carrinhas da Santa Casa da Misericórdia e do Centro Social. A maioria, pela mão dos pais ou de avós. “Porta-te bem”, pede uma mãe comovida..É o início de um dia de aulas, numa fria manhã ribatejana. Poucas mudanças, não fosse a presença policial e a mulher de rosto fechado que, já perto da porta de entrada, dá meia-volta, regressando com o filho ao carro. “Não vou arriscar.”.Há menos de 24 horas sobre a tragédia. D., 12 anos, armado de uma faca, atacou de forma aleatória seis colegas - cinco raparigas e um rapaz, com idades compreendidas entre os 11 e os 14 anos. Uma das meninas, ainda internada, continua a inspirar cuidados. Porém, a direção da escola, colocando equipas de psicólogos ao dispor de encarregados de educação e alunos, decidiu normalizar o dia seguinte. Dando aos pais a palavra final, e uma certeza: D. nunca mais voltará aquelas salas..Afastados do rebuliço da entrada estão Ester e N., mãe e filho. Chegaram por volta das 8 da manhã. Às 8.20 continuam lado a lado, em silêncio..Ester aceitou falar ao DN. “Espero a decisão do meu filho”, diz..N., também de 12 anos, fará o que quiser quanto à permanência na escola. Contou à mãe que se cruzou com D. no corredor, já o colega sacara da faca. Que este lhe disse “afasta-te”. Quando viu o colega esfaquear a primeira menina, “ficou desesperado”. Telefonou a Ester e pediu que ela “o tirasse dali”. “Voei”, conta Ester..Em casa “sentado no chão, chorou muito”. Pediu para trocar de escola. A viver há 20 anos em Portugal, a brasileira cruza os braços: “Se não posso confiar na escola, é muito complicado.”.“O sofrimento daqueles pais”.Vinte minutos depois de confiar a filha aos professores, Fernando Brito estacionou de novo o carro perto dos portões do estabelecimento escolar. “Quero confirmar se continua tudo calmo”, diz, não escondendo a angústia. “Este país está mal. Nunca se viu nada disto.”.Débora Paulo conhece a escola de cor. Estudou ali. Hoje tem aqui uma filha, no 6.º ano. “Brigas sempre houve, são normais; mas esfaqueamentos, não.” Conhece D. “Os pais são cinco estrelas.”.Sente empatia. “Nem quero imaginar o que estão a passar aqueles pais”, diz, também, Andreia Almeida. A mãe de D., professora de alunos com necessidades especiais, e o pai, que em tempos foi segurança, um casal com quem também vive um irmão mais velho. “Tenho pena do menino. Esperemos que não fique com a vida estragada.”.Ester esperou decisão do filho sobre ir ou não à escola. Ficou feliz ao ver N. cruzar o portão. (Leonardo Negrão).Portugal é dos países com a idade de responsabilização criminal mais alta - 16 anos. Comprovado que o jovem entre os 12 e os 16 anos praticou atos que a lei prevê como crime, executa-se a medida tutelar educativa, sendo a mais grave de todas - apenas aplicável quando o jovem tiver praticado atos a que correspondam crimes punidos com penas elevadas -, o internamento em centro educativo em regime fechado, com a duração máxima de 3 anos.. “Tenho muita pena. A mãe é uma querida”, repete Andreia..Ao contrário das filhas de Débora e Andreia - que fizeram questão de ir às aulas -, não houve forma de a romena Nicoleta Antal convencer o filho, um dos 130 alunos, num universo de 450, que ficou em casa..“Isto é muito estranho. Especula-se imenso.” Nicoleta muda de assunto: “Agora diz-se que o D. sofria de bullying. Não me parece justificação. O meu filho também sofreu de bullying - basta dizer que é gordinho e filho de imigrantes -, mas nunca desatou a esfaquear os outros meninos.”.Vanessa Farinha conhece bem D., que é colega de turma do filho: “O meu filho nunca assistiu a bullying.” É verdade que D. “brincava sozinho, ficava muito tempo em jogos de telemóvel, mas como vários outros. Não era muito diferente dos restantes.” D. terá tido uma discussão com a mãe à hora de almoço, contou-lhe o filho. E esse poderá ter sido o gatilho da tragédia..D., ouvido pela PJ, foi já avaliado no Hospital da Estefânia, em Lisboa, aguardando-se agora uma decisão do Ministério Público..“Não há mal no medo” e um herói.“Não há mal algum em ter medo”, diz Ester ao filho. N. incita a mãe a deixar-se fotografar para o DN. “Deixa, mãe”, pede enquanto se afasta. “Temo que se não vencer hoje [quarta-feira] o receio, nunca mais queira vir”, diz a mãe, acreditando que N. não está a ouvir. .Talvez tenha ouvido. De repente, o menino aproxima-se da entrada, ganha balanço e cruza os portões a correr. Ester sorri..Na sala de uma das meninas feridas, apenas cinco alunas faltaram, contou M. à mãe, a representante dos pais dos alunos da turma. Ao final do dia seguinte à tragédia, M. acrescentou que foi um dia “quase normal”, apesar de os professores terem deixado os alunos mais à vontade do que o esperado..“A minha filha teve duas horas de desenho e a professora disse que poderiam desenhar o que quisessem. Alguns alunos desenharam paisagens. Outros, o material escolar.” A menina desenhou Mike, com quem partilha a inicial. A personagem de anime, a BD japonesa, é um herói invencível.