Portugal no espelho do terramoto
Todos os sismos em Portugal evocam o Terramoto de 1755. A reconstrução de Lisboa expõe a ação excecional daquele que seria imortalizado como Marquês de Pombal. A recente discussão sobre a ausência de legislação e fiscalização adequadas para prevenir o pior, quando se repetir um megassismo em Lisboa, ajuda a perceber o motivo por que uma tão grande parte da elite nacional recusa, alergicamente, estudar o legado da ação política de Pombal.
É impossível resumir o que fez Sebastião José pelo país nos 22 anos como Secretário de Estado dos Negócios Interiores do Reino, o equivalente atual ao cargo de primeiro-ministro (1755-1777). Já nem menciono o percurso anterior como diplomata e Secretário dos Negócios Estrangeiros e da Guerra (1738-1755). Mas a sua liderança na reconstrução de Lisboa manifesta o seu estilo singular de governação, grandioso na luz, excessivo na sombra.
Primeiro. A rapidez da resposta de Pombal é inseparável da sua visão da missão do estadista. A essência da política é trágica. Um Estado deve estar preparado para o pior. Para o risco de guerra, mas também para calamidades naturais inesperadas.
Segundo. Importa apostar no conhecimento e no rigor para extrair lições das catástrofes, de modo a minimizar os danos em caso de repetição das suas causas. A Lisboa de hoje, pombalina de alma e corpo, celebra o triunfo do melhor do espírito das Luzes europeias em matéria de urbanismo.
Pombal, como sempre o fez, rodeou-se de colaboradores de grande competência, como Manuel da Maia (1677-1768), Carlos Mardel (1695-1763) e Eugénio dos Santos (1711-1760).
Também Ribeiro Sanches (1699-1783) contribuiu com um manual de Saúde Pública.
As bases de uma arquitetura e engenharia antissísmicas foram então lançadas numa perspetiva de futuro. Na mesma linha, está o encorajamento ao estudo científico das causas naturais, e não providenciais, do terramoto.
Terceiro. De facto, Pombal criou as primeiras políticas públicas portuguesas. Com leis, explicativas para poderem ser normativas. Imbuídas dos princípios da igualdade e da universalidade, numa sociedade encalhada no lodo medieval, assente na violência da segmentação e no império dos privilégios de sangue.
Quarto. Para mudar Portugal seria preciso conhecer o seu chão e as suas gentes. As Memórias Paroquiais de 1758, solicitadas por sua iniciativa no rescaldo do terramoto, dão-nos disso uma prova clara. Usando como campo de recolha a organização territorial da Igreja, solicitava-se a resposta a uma bateria de 60 perguntas divididas em três partes. O questionário vai muito mais longe do que qualquer recolha de dados obtida anteriormente, nomeadamente um exercício efetuado ao tempo de D. João V, em 1732, da responsabilidade do marquês de Abrantes, que se limita a identificar a existência de 2.143.368 habitantes e 459.800 fogos. Ainda hoje a informação pombalina serve para desenhar mapas de risco sísmico.
Quinto. Entre Estados reina a frieza dos interesses. A comoção dos povos europeus para com Portugal em 1755, não impediu a invasão do país, logo em 1762, por um poderoso Exército franco-espanhol. A rapidez de Pombal, organizando uma força luso-britânica de 15 000 homens, sob o comando do conde e marechal alemão Wilhelm von Schaumburg-Lippe, contra um inimigo 3 vezes superior, permitiu uma notável e rápida vitória. A resistência popular também foi fundamental para vencer essa “Guerra Fantástica”.
O país é hoje uma pequena autarquia no pandemónio em que se transformou a UE. Num mundo a arder, alienámos tudo o que é existencial (moeda, defesa, negócios estrangeiros) ao cuidado de Washington/Bruxelas. Contudo, nem o que sobra - Saúde, Educação, Justiça - conseguimos salvar do declínio.
Até um dos insucessos de Pombal, o fracasso do Colégio dos Nobres, talvez nos ensine que, sem vencer a massa crítica da mediocridade, nenhuma elite reformadora terá êxito. Pelo contrário, a porosa mediocridade tenderá a minar o Estado, colocando em perigo o futuro coletivo.