A morte em vida do senhor Hakamada

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A notícia é desta semana: aquele que já foi considerado o preso mais antigo no mundo a aguardar a execução da pena de morte a que fora condenado foi, entretanto, absolvido, em novo julgamento... depois de ter passado 47 anos na prisão, no seu Japão natal. Trata-se do senhor Iwao Hakamada, agora com 88 anos e em estado mental debilitado há muito tempo. Antigo pugilista, foi condenado em 1968 à pena de morte por homicídio, estando preso desde agosto de 1966. Viu agora definitivamente, numa revisão do seu caso, o tribunal considerar que as provas tomadas em conta para a sua condenação foram efetivamente falsificadas, o que sempre procurou demonstrar. Tal sucedeu mais de 58 anos depois de ter sido preso.

Hakamada confessou o alegado crime em 1966, é certo. Fê-lo depois de 264 horas de interrogatório policial, em poucos dias, com sessões a durarem 16 horas seguidas, sem poder beber água ou usar uma casa de banho. Passou depois mais de 30 anos em isolamento na cela, dos quase 50 anos em que esteve preso, proibido de falar aos guardas e recebendo visitas limitadas, o que determinou de forma evidente a deterioração do seu estado mental.
Ficou agora inequivocamente demonstrado que o Ministério Público acusador de 1966 falsificou provas, procurando viciar o julgamento inicial.

Testes de ADN, inexistentes à época, confirmaram, entretanto, que era impossível ter sido Hakamada a ter praticado o crime em causa.
Aos muitos adeptos da pena de morte, aos diversos crentes na infalibilidade das autoridades policiais, dos procuradores, dos juízes e dos sistemas de justiça em geral, aos inúmeros justiceiros que se apaziguam perante qualquer aparência de vingança devida, mesmo quando mal direcionada ou simplesmente mentirosa, aos muitos fiéis da prisão enquanto solução redentora e sempre necessária – a todos estes esta história tem de fazer pensar um pouco.

Iwao Hakamada confessou à polícia a suposta prática do crime no seu interrogatório em 1966 e veio retirar a sua confissão logo durante o julgamento. De nada lhe valeu. Ele próprio descreveu o processo de confissão de um crime que não cometeu: “Eu não conseguia fazer nada senão acocorar-me no chão de modo a tentar não defecar. Um dos interrogadores pôs o meu dedo numa almofada de tinta, empurrou-o contra um documento escrito de confissão e ordenou-me ‘Escreve aqui o teu nome!’, enquanto me gritava, pontapeava e torcia o braço”.

A verdade foi reestabelecida, sim. Cinquenta e oito anos depois da sua detenção, Iwao Hakamada pode morrer e finalmente começar a viver.

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