Ana  Portela observa a vegetação nas margens do Rio Sousa, um dos 49 locais que analisou na sua tese. -- Foto: Artur Machado/Global Imagens
Ana Portela observa a vegetação nas margens do Rio Sousa, um dos 49 locais que analisou na sua tese. -- Foto: Artur Machado/Global Imagens

Ao fim de três anos, florestas ribeirinhas ainda não recuperaram do trauma de uma seca extrema

Bióloga Ana Portela analisou os efeitos da seca severa nas florestas de rio em Portugal. Degradação do funcionamento destes ecossistemas compromete a mitigação das alterações climáticas e requer medidas de proteção e restauro.
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Numa das margens do Rio Sousa, por onde há mais de um século corria a linha férrea que servia para o transporte do carvão extraído da Mina de Midões, existe hoje um trilho pedestre de pouco mais de cinco quilómetros que tem nos recuperados Moinhos de Jancido um dos atrativos principais e atravessa uma das florestas ripícolas (ou ribeirinhas) que resistem na Área Metropolitana do Porto. Entre amieiros, freixos e salgueiros típicos destes ecossistemas, consegue notar-se também a presença de espécies exóticas, como a vegetação de acácias, vulgarmente conhecidas por mimosas, sinal da vulnerabilidade destes ambientes a ameaças invasoras. As florestas de rio são um importante aliado no combate e adaptação às alterações climáticas, mas um estudo liderado pela bióloga Ana Paula Portela vem alertar para o facto de também estes ecossistemas estarem a perder muita da sua produtividade devido ao impacto das secas severas, cada vez mais frequentes.

Analisados 49 destes ecossistemas na zona norte do país, entre os quais as galerias ribeirinhas do Sousa, em Gondomar, onde há muito deixou de passar o comboio com o carvão de Midões (a linha foi desativada em 1927, com o fecho da mina), as conclusões da investigadora do Biopolis, centro de investigação associado à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, mostram que, ao final de três anos de um evento de seca extrema, estas florestas ainda não recuperaram os índices de produtividade anteriores.

Ana Portela utilizou dados de satélite para avaliar dois indicadores: o NDVI [Índice de Vegetação], “que mede a quantidade de biomassa verde com atividade fotossintética e permite verificar, por exemplo, se há uma diminuição da área foliar (perda de folhas)”; e o NDWI [Índice de Água], “que nos dá uma indicação da quantidade de água na canópia das árvores”, explica ao DN, enquanto observa as folhas novas dos amieiros junto ao trilho.

O estudo, que serviu de tese de doutoramento de Ana Portela, demonstrou que “no norte de Portugal, este tipo de ecossistemas, apesar de estarem à beira rio e terem maior disponibilidade de água, o que à partida poderia levar a pensar que não seriam muito afetados pelos eventos de seca, de facto também o são”.

O evento de referência para análise foi a seca de 2017-18 no território nacional e a bióloga de Barcelos verificou que “no último ano de seca (2018) havia uma redução média de 27% no índice relativo ao teor de água na copa das árvores em relação ao ano anterior ao evento de seca (2016)”. Já no índice que traduz o vigor da vegetação, “a redução foi de 12%, em média”. No primeiro ano de recuperação (2019) os valores médios de ambos os índices mantiveram-se em níveis idênticos ao último ano de seca, com uma melhoria de apenas 2% no índice de água na copa das árvores e uma redução, até, de 2% no índice de vigor da vegetação. No segundo e terceiro anos de recuperação (2020 e 2021) verificam-se algumas melhorias, com o índice de água na copa das árvores a ter um aumento médio de 20% e 21%, respetivamente. No entanto, o índice de vigor da vegetação apresentou uma melhoria de apenas 1% nesses anos.

Ou seja, sublinha Ana Portela, “ao fim de três anos, os valores medianos de ambos os índices permaneciam abaixo dos observados antes do evento de seca, evidenciando uma recuperação apenas parcial e prolongada”. Uma tendência que “indica um efeito de legado associado ao evento de seca extrema”.

Estas florestas ribeirinhas são formações de espécies vegetais autóctones que desempenham um papel fundamental nas zonas de transição entre ecossistemas aquáticos e terrestres. São espaços “importantes na mitigação das alterações climáticas, enquanto captores de carbono”, mas “podem também contribuir para a adaptação às alterações climáticas”, sublinha Ana Portela, “pois providenciam estratégias que podem diminuir os efeitos das alterações que já sentimos”. 

Por exemplo, “em ondas de calor ou secas muito grandes, a presença desta vegetação ao longo do rio, especialmente em rios que sejam muito largos e que tenham copas densas, vai criar uma condição de microclima mais fresco, mais húmido, proporcionado abrigo a humanos, outros animais e vários organismos”. Além disso, permitem “atenuar os efeitos das ondas de calor na água”. “Temperaturas muito elevadas na água provocam uma diminuição do oxigénio dissolvido, que pode levar a uma maior mortalidade dos peixes.”

Um relatório da Agência Europeia do Ambiente estima, no entanto, que 70 a 90% destas áreas em território europeu estão ecologicamente degradadas, sobretudo devido a pressões antropogénicas (atividade humana), entre as quais a agricultura. E, por isso, são precisas medidas urgentes para a proteção e restauro das florestas ripícolas, defende Ana Portela.

Na sua tese, premiada pela Associação Ibérica de Limnologia (área de estudo científico de lagos, rios, estuários e zonas húmidas), a investigadora identificou áreas prioritárias para intervenção e restauro ao longo da Região Norte e sugere medidas de planeamento do território. “As zonas mais vulneráveis são as que, muitas vezes, são simplificadas para usos agrícolas ou urbanos e acabam por ter poucas árvores junto ao rio”, diz, apontando como exemplo disso as áreas de curso intermédio de alguns rios do noroeste português, “como o Cávado ou o Ave”.

Uma das medidas apresentadas passa pela aposta na variabilidade estrutural e funcional destas florestas, já que a bióloga concluiu que “as florestas ripícolas com maior diversidade de alturas são as que apresentam maior resistência”. Por isso, defende “o restauro de habitats  de floresta ripícola essencialmente com espécies autóctones, proteger as árvores mais antigas e mais altas e criar heterogeneidade entre os diferentes estratos de vegetação”. “O que verificámos é que isso promoveu a resistência destas florestas a eventos extremos”.

Ana Paula Portela pretende agora dar seguimento a este estudo, estendendo-o para o sul do país, onde a seca é ainda mais severa, e alargando os períodos de análise, para perceber se os efeitos diagnosticados nas florestas de rio têm ou não aumentado.

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