Em 10 anos duplicaram os imigrantes com a situação regularizada.
Em 10 anos duplicaram os imigrantes com a situação regularizada.Miguel A. Lopes / Lusa

Estrangeiros constituídos arguidos diminuíram para metade em cinco anos

Os números continuam a contrariar a teoria deixada implícita por Pedro Passos Coelho e explícita por André Ventura, segundo a qual mais imigração no nosso país implica mais insegurança e crimes.
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Em 2017 o número de cidadãos estrangeiros suspeitos de crimes constituídos arguidos foi de 2171 por 100 000 estrangeiros residentes em Portugal. Em 2021 esse número caiu para 1250 - menos 74%.

Nestes cinco anos a população de outras nacionalidades que escolheu o nosso país para viver aumentou de  421 711 para 698 887 (+ 65%) enquanto o número absoluto de arguidos desceu de 9 157 para 8736 ( -4,8%).

De acordo com dados oficiais, essa variação é também expressiva quando se recua 10 anos e se verifica a evolução de uma década. Assim, em 2011 o número de arguidos estrangeiros era de 14 387, significando que em relação aos já mencionados 8736 de 2021, a redução foi de 64%.

Se contabilizarmos em relação ao número de habitantes, a redução dessa década passa de 3647 arguidos por 100 mil residentes estrangeiros para 1250 - menos 192% , pratcamente um terço do valor de 2011.

O único valor  a subir é a proporção de arguidos estrangeiros face aos nacionais, o que se explica também pelo aumento geral de imigrantes com autorização de residência. 

Estas variações  em relação à constituição de arguidos  -  que sucede na primeira fase de um inquérito, quando há suspeita fundada da prática de crime - também são replicadas na última fase dos processos, que são as condenações.

Nesta caso, os números já têm sido referidos para contrariar a tese de André Ventura e de Pedro Passos Coelho  (“Nós precisamos de ter um país aberto à imigração, mas cuidado, que precisamos também de ter um país seguro”) de associar imigração a insegurança.

De acordo com as estatísticas da Direção-Geral para a Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP),   o número de reclusos estrangeiros por 100 mil estrangeiros residentes em Portugal era de 251 em 2022, quase três vezes menos do que os 624 de 2012 e metade dos 508 de 2017.  

O número absoluto de reclusos estrangeiros também desceu ( ver quadro).
Em 2017, recorde-se, foi o ano em que houve uma alteração à Lei de Estrangeiros, permitindo aos imigrantes obter autorização de residência com promessa de contrato de trabalho, o que provocou efeito chamada e um disparar de novos pedidos.

De acordo com um levantamento do DN dessa altura, uma semana após o diploma ter entrado em vigor houve um aumento de 1200%. De uma média de 300 pedidos semanais, passou para mais de 4000.

Efeito  positivo foi, de facto, uma regularização de milhares de imigrantes, cujas contribuições  para a segurança social do seu trabalho ascenderam a 1.861 milhões de euros, tendo beneficiado apenas de 257 milhões - ou seja o valor das contribuições foi sete vezes superior ao das prestações.

PSP: estrangeiros detidos no distrito de Lisboa

Além do que é demonstrado em relação aos arguidos e aos reclusos, o DN solicitou também à PSP que indicasse qual era a situação no terreno, quantos detidos não portugueses tinha registado nos últimos cinco anos.

Esta força de segurança facultou as estatísticas relativas ao distrito de Lisboa, onde  em 2022 estavam a residir 325 319 cidadãos estrangeiros, 42% do total dos estrangeiros do países 14% do total da população do distrito, o que é uma  amostra bastante expressiva.

A evolução é no mesmo sentido das anteriores dados. Em 2017 a PSP deteve 14 777 estrangeiros e em 2022 foram 19 850, mais 34 %. No entanto, associando estes números ao crescimento da população estrangeira neste distrito, que aumentou 74% neste período (de 182.105 para 325.319) verifica-se que a proporção por 100 mi habitantes passou de 8114 para 6101 - menos 33%.

Desde as declarações de Passos Coelho no comício da AD, que André Ventura, aproveitando a oportunidade oferecida pelo ex-líder do PSD, não perde oportunidade de associar criminalidade aos imigrantes.

Ainda nesta semana, conforme o DN reportou,  aproveitou a notícia de que  o Supremo Tribunal de Justiça tinha revogado a ordem de  expulsão a um imigrante após cumprir pena por violação, tendo apontado como solução penas muito mais duras. “Não descansarei até criminosos deste tipo ficarem na cadeia a vida toda”, disse Ventura, defendendo a reintrodução da prisão perpétua, à qual acrescentou a deportação de criminosos “que nunca mais porão os pés neste país”.

Por seu lado, Mariana Mortágua, a cabeça de lista do BE, numa visita à Associação Solidariedade Imigrante, em Lisboa, assinalou que “por cada um euro que os imigrantes recebem, pagam sete à Segurança Social, são essenciais à economia portuguesa e quem vem levantar suspeitas, quem vem levantar medo sobre os imigrantes, na verdade, não é porque quer menos imigrantes, quer é mais imigrantes clandestinos”.

Apesar dos discursos xenófobos,  a maior parte dos portugueses não ser revê neste tipo de narrativas. Pelo menos é o que foi concluído em estudos recentemente publicados.  

O estudo da Lisbon Public Law da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) sobre a perceção que os portugueses têm da imigração no nosso país diz que 71,7% dos inquiridos elegeu como uma das frases em que mais se revê a de que “os Portugueses devem receber bem os imigrantes” e  68,7% considera importante Portugal receber imigrantes dentro e fora da Europa.

O trabalho científico, da autoria de Carlos Blanco de Morais e Ana Rita Gil,  revelou também que  48,7% defende que Portugal deve estabelecer quotas numéricas para a imigração e 55,2% acha que a imigração está descontrolada.

“O estudo traz duas mensagens principais: os portugueses são um povo de acolhimento, mas querem uma imigração regulada, com normas. Referir uma coisa sem referir a outra será deturpar as conclusões do estudo”, salientou em entrevista ao DN a coautora Ana Rira Gil, doutorada em direitos fundamentais da imigração.

No seu entender “as políticas públicas, sobretudo estas que lidam com direitos humanos, e acesso a direitos sociais ou ordem pública, têm de ser discutidas numa sociedade democrática e plural.Não conseguimos garantir dignidade a quem cá está se não soubermos quantos estão ou quem está. E também não conseguimos segurança, é preciso dizê-lo, sem medos. A opinião dos portugueses aponta precisamente para isso: regulação para que haja acesso a direitos sociais".

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