De que tem medo a Europa?
Na semana passada teve lugar uma conferência na Universidade de Coimbra, onde membros dos Governos dos 10 países que aderiram à União Europeia em 2004 celebraram as últimas duas décadas. E as histórias e as memórias destes últimos 20 anos na Europa Central e de Leste são muito semelhantes ao nosso próprio processo de adesão onde, ultrapassando as suas diferenças, o PS de Mário Soares, o PPD de Sá Carneiro e o CDS de Freitas do Amaral, trabalharam juntos para garantir que Portugal estaria alicerçado nas tradições democráticas e de economia social de mercado da Europa Ocidental.
Há 20 anos os líderes da Europa tomaram as decisões que lhes eram pedidas. Sem medo dos riscos que poderiam estar a correr, UE quase duplicou o número de Estados-membros, viu crescer a sua população em 28%, mas o PIB em apenas 11%. Ou seja, os Governos sabiam que as decisões que estavam a tomar não eram fáceis, que levantariam um conjunto importante de desafios, que depois de décadas a viverem como inimigos mortais e separados pelo Muro de Berlim, as mudanças seriam profundas. Mas, de Lisboa a Varsóvia, uns e outros souberam ler a História e não tiveram medo de reunir a família europeia debaixo do mesmo teto comum.
Vinte anos depois, a União Europeia discute em Bruxelas e um pouco pelas várias capitais dos seus Estados-membros se devemos ou não dedicar uma parte dos nossos recursos para levantar muros e barreiras e fechar as nossas fronteiras.
Falemos, pois, da razão que justifica grande parte desta discussão: os imigrantes económicos que procuram a Europa pelas mesmas razões que levaram milhões de pessoas a saírem de Portugal para procurar uma vida melhor ao longo da nossa História. Segundo a Comissão Europeia, só 6% das pessoas que vivem na UE são imigrantes, o que não é, como dizia o Henrique Burnay recentemente, a invasão que os apologistas dos muros nos querem convencer. E sublinhemos também o que deveria ser óbvio quando falamos em imigrações: que temos de ser capazes de trabalhar com os países de onde as pessoas vêm para garantir os seus direitos e a sua dignidade à partida, no percurso e à chegada.
Assim, a questão principal neste debate não é o número de imigrantes. A narrativa é a da invasão por pessoas que são diferentes de nós. Pessoas que falam outra língua, que rezam a outro Deus, que se vestem de outra forma ou que comem outras comidas. Como se as nossas democracias fossem destruídas por pessoas que são diferentes de nós. Ou que as nossas tradições não sobrevivessem ao contacto com outras identidades. Aos defensores da exclusão de quem é diferente devemos perguntar quando é que deixaram de acreditar na qualidade e na riqueza das nossas instituições e da nossa democracia. Têm medo de quê?