Políticas de saúde 2024 (II). Política para as profissões de saúde - da sua formalização ao OE de 2025
O Estado social na saúde enfrenta, na atualidade, situações verdadeiramente críticas - estas incluem o acesso à inovação tecnológica, os efeitos do envelhecimento populacional e as pressões migratórias sobre as profissões, entre outras. A necessidade de uma política para as profissões de saúde, bem fundamentada e participada, concita agora todas as atenções. Esta incluirá, necessariamente, aspetos como condições de trabalho adequadas, carreiras atrativas, remunerações justas e formação continuada partilhada. Em cumprimento, finalmente, da base 29 da Lei de Bases da Saúde.
1. Este é o tempo certo!
Há, principalmente, três razões por que este é o tempo certo para formular uma política idónea para as profissões de saúde. A primeira é a constatação de que as dificuldades experimentadas pelo SNS, atualmente, estão intimamente associadas à insuficiência dos seus recursos humanos. A segunda tem a ver com o trabalho, em curso no âmbito do Centro de Competências de Planeamento, Políticas e Prospetiva da Administração Pública, que, ao proporcionar uma base de dados e de análise sobre os recursos humanos da saúde, permite fundamentar propostas concretas sobre esta matéria. Finalmente, a adoção recente pelo governo de um Quadro Global de Referência do SNS, plurianual, permite enquadrar, em termos de metas e do seu financiamento, uma política para as profissões de saúde. Na condição de que as metas propostas no referido Quadro de Referência sejam apropriadamente validadas face à informação atualmente disponível. Por exemplo, a meta de 5% de aumento nos recursos humanos do SNS até 2026 parece manifestamente insuficiente face à informação hoje existente.
Duas iniciativas são agora indispensáveis: (a) Inspirar confiança nos profissionais de saúde, enquadrando as negociações em curso com uma proposta de “política para as profissões de saúde”. Desta forma, negociações, habitualmente circunstanciais e limitadas, com cada profissão beneficiarão de uma visão conjunta de todas as necessidades das profissões de saúde; (b) Suportar essa política na proposta do governo para o Orçamento do Estado de 2025 ou no quadro das negociações parlamentares em curso sobre o referido Orçamento do Estado. É evidente que esta matéria não pode continuar a ser ignorada.
2. Das expectativas das novas gerações, sem esquecer todos os outros.
Esta política para as profissões requer, obrigatoriamente, uma gestão flexível, de proximidade, sensível às circunstâncias locais e que responda às múltiplas expectativas contemporâneas: há os que não querem trabalhar uma jornada completa para se ocuparem de outras coisas (de atividades familiares às sociais, económicas ou culturais); outros há que preferem trabalhar muito intensamente nos primeiros anos para se reformarem mais cedo e poderem depois dedicar-se ao que “não é obrigatório”; e também há os que estão confortáveis com a jornada completa, mas sem os excessos conhecidos.
Convém, contudo, não esquecer os que “já lá estão há muito”. Estes devem também beneficiar das condições necessárias para enquadrar os mais novos, em termos de prática profissional, formação e investigação. E assim contribuírem para um ambiente estimulante, de cooperação entre as profissões e aprendizagem contínua.
3. Das remunerações.
O calvário dos deficits remuneratórios no SNS já vai longo e as consequências são visíveis. Os profissionais de saúde não devem ser remetidos para o lote das segundas prioridades. Nos regimes remuneratórios em negociação é importante prestar atenção aos níveis do “salário-base”. Mas vale a pena recordar a importância das remunerações associadas ao desempenho na evolução do SNS. Sem estas não teria sido possível fazer a reforma dos cuidados de saúde primários. E, provavelmente, sem esta não haveria hoje SNS.
Sabe-se que as pessoas que vivem em condições socioeconómicas desfavoráveis têm pior saúde - por exemplo, padecem de morbilidade múltipla, 10 a 15 anos antes, dos que vivem melhor. É por isso que, desde há algum tempo, no Ministério da Saúde tem-se trabalhado no desenvolvimento de um Índice de Complexidade do Utente”, que serve essencialmente para discriminar positivamente aqueles que mais precisam de aceder aos cuidados de saúde. Esta discriminação positiva pode ser refletida na remuneração daqueles que a tornam possível.
4. Dos gestores do SNS.
Os gestores do SNS também fazem parte das profissões de saúde. Há aproximadamente 10 anos, num debate sobre serviços de saúde, um gestor que trabalhava no SNS, da assistência perguntou à mesa: “Cortaram-nos cerca de 20% do orçamento, para além de cativarem parte do restante, impedindo qualquer previsibilidade, centralizaram decisões, não nos permitindo gerir minimamente os nossos recursos humanos e tecnológicos, mas a eles (às parcerias público-privadas) não cortaram nada. Porquê?” Responderam-lhe da mesa, expeditamente: “Porque eles têm um contrato.” Levantou-se de novo o mesmo e perguntou: “E nós temos o quê?” A mesa não atinou com uma resposta.
Passámos anos a receber mensagens dos recém-especializados em Administração Hospitalar dizendo que no SNS não lhes era permitido implementar aspetos muito significativos das boas práticas que tinham aprendido na sua formação. Alguns desistiram, mas muitos mais têm feito os possíveis e os impossíveis para manter o SNS a funcionar.
5. Do simbolismo das boas nomeações.
Fazer nomeações cuidadosamente escrutinadas, em termos curriculares, favorece quem as faz. O contrário também é verdade. Não pode acontecer que para lugares de elevada responsabilidade sejam nomeadas pessoas que, de um ponto de vista assaz generalizado, não reúnem as mínimas condições para o efeito. Isso acaba por expor, desnecessariamente, pessoas estimáveis, que poderiam notabilizar-se noutras funções.