Nuno Severiano Teixeira: “A República não conseguiu trazer a modernização económica ao país”
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Nuno Severiano Teixeira: “A República não conseguiu trazer a modernização económica ao país”

A Implantação da República aconteceu há 114 anos. O DN falou com o historiador e antigo governante do PS Nuno Severiano Teixeira sobre esta data simbólica, que, no início, “não atingiu os objetivos que procurava”.
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Que importância têm os símbolos nacionais no imaginário coletivo e de que forma  condicionam a ideia de nação, tendo em conta que, desde 1910, sobreviveram a três regimes?
Um pedaço de pano, como uma bandeira, ou um determinado cântico, como o hino, movimentam paixões. Às vezes, positivas, outras vezes, negativas. O símbolo traduz de uma forma condensada o sentido de uma nação, e é por isso que é muito forte. Atravessa regimes. O símbolo, a bandeira, por um lado, e o hino, por outro, têm percursos diferentes. A Portuguesa é um hino patriótico, é um hino nacionalista, composto no rescaldo do ultimato contra a Inglaterra, e, portanto, era naturalmente um hino nacional, que vai progressivamente sendo republicanizado, primeiro no 31 de janeiro e definitivamente no 5 de Outubro. Os republicanos apropriam-se de um cântico que era já ele próprio um cântico nacional. A bandeira faz um processo inverso. A bandeira começa como um símbolo republicano, durante os primeiros anos da República. Aliás, muitos portugueses não se reviam na sua bandeira, e só justamente o tempo e a passagem dos regimes é que dão legitimidade nacional à bandeira. Portanto, nós temos um hino nacional que se republicaniza, e temos uma bandeira republicana que se nacionaliza, vamos dizer assim. E a Primeira Guerra Mundial é um momento muito importante, porque é quando, pela primeira vez, os soldados portugueses se batem no estrangeiro e na defesa das colónias sob a bandeira da República. Depois, ela vai ficando e hoje é uma bandeira com legitimidade absolutamente nacional. Até à democracia, e até ao princípio do nosso século, a bandeira e o hino eram vistos com alguma distância, com alguma deferência, e, a partir do Euro 2004, há uma mudança muito grande porque há uma apropriação popular dos símbolos. Hoje é muito frequente vermos nos jogos de futebol, nos Jogos Olímpicos, etc., a bandeira às costas dos atletas. As pessoas que vão para o futebol com o cachecol, com as t-shirts, isso significa que os símbolos são individualmente apropriados e que têm uma grande legitimidade nacional.

À distância destes 114 anos, qual é a importância do 5 de Outubro, uma vez que há repúblicas que não são democráticas e há democracias que não são republicanas?
Um regime monárquico ou republicano não é obrigatoriamente um regime democrático ou um regime ditatorial, e nós temos exemplos disso em todo o lado. No caso português a implantação da República, em 1910, foi um projeto político que procurava, eu diria, três grandes objetivos: a democratização no plano político, a modernização no plano económico e social, e a laicização da sociedade portuguesa no plano cultural. Conseguiu concretizar este último, às vezes até um pouco à força, com alguma forma mais violenta. Não conseguiu a modernização económica que se queria. Digamos que estávamos na fase final do liberalismo e a República não conseguiu trazer a modernização económica ao país, e, do ponto de vista da democracia política, faltou-lhe aquilo que é essencial para uma democracia, que é o sufrágio universal. A [primeira] República nunca concedeu o sufrágio universal em Portugal. E, portanto, digamos que é um projeto político que tinha esse objetivo de democratização e de modernização, que nunca foi concretizado.

A primeira República foi uma experiência democrática falhada?
Sim, porque não atingiu os objetivos que procurava e porque cai às mãos de um golpe militar que vem instaurar uma ditadura [em 1926].

O que é que a democracia em Portugal aprendeu com a República?
Primeiro, o 25 de Abril traz, pela primeira vez, o sufrágio universal. Isto é uma coisa simplicíssima, mas, do ponto de vista histórico, é o primeiro regime político em Portugal que concede ao povo português o sufrágio direto e universal. Muda tudo. Em segundo lugar, e por causa disso, conseguiu outra coisa que a primeira República não conseguiu: uma legitimidade nacional e a integração de todos os portugueses no regime. Até esse momento, nem todos os portugueses se reviam no regime republicano, que a República deixava fora da participação política legal - à direita monárquicos e católicos, e, à esquerda, o movimento operário, socialista e anarquista. Depois do 25 de Abril, regime integra todos os portugueses e todos se reveem nele. Estes dois pontos - o sufrágio universal e a integração de todos os portugueses no regime - são as duas grandes inovações do meu ponto de vista.

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