A escola iliberal
Há um tema que os muitos comentadores e decisores em matéria de Educação evitam, porque expõe de forma evidente a sua hipocrisia acerca de um paradoxo insanável: afirmam as escolas como o locus da formação dos futuros cidadãos de uma sociedade democrática e liberal, mas defendem uma forma única de gestão escolar, que é a sua contradição quotidiana prática.
Misturando conceitos, baralhando argumentos, temos uma forte defesa do modelo que existe, resultante da formulação do Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho, o qual reduz as possibilidades de organização interna das escolas a um único modelo, o que, por definição, é a antítese de um sistema “liberal”. Afirma-se a importância e necessidade de uma formação humanista e integral dos indivíduos, mas considera-se que as escolas devem ser geridas à imagem de uma empresa, importando-se termos lustrosos, mas desprovidos de especial substância quando devidamente analisados, como accountability, stakeholders para justificar o que é apenas um modelo fechado, rígido, hierárquico, baseado na obediência à(s) chefia(s), em que a nomeação top down precede qualquer reconhecimento do mérito pelos mais directos interessados, em que não existe praticamente nenhuma instância de eleição aberta, ou seja, por definição, um exemplo de “iliberalismo”.
Este modelo de gestão escolar surgiu a par de uma “reorganização” da rede escolar que levou à constituição dos chamados “mega-agrupamentos”, assentes numa concentração vertical de escolas, motivada pelo desejo de fazer poupanças de escala. Poupanças que levaram à centralização dos Serviços Administrativos na chamada “escola-sede”, com todas as desvantagens associadas a esse modelo, quer para o pessoal de apoio administrativo, quer para os encarregados de educação, obrigados a deslocar-se todos a um único “centro de operações”.
Claro que os beneficiários do modelo o afirmam o melhor possível, mas tudo fazem para que isso não seja aferido ou que seja sequer aberta a possibilidade de alternativas, o que, por acaso, até contraria um inútil n.º do artigo 4.º do decreto acima referido, que admite a “diversidade de soluções organizativas”, mas não a do modelo unipessoal.
Repare-se que o director (uso o masculino por comodidade) é escolhido de forma uninominal por um Conselho Geral (formado como uma Câmara Corporativa, com elementos escolhidos por diferentes “corpos” e outros cooptados) de que faz parte como observador. Director que escolhe os elementos da sua direcção, sem os ter apresentado durante a candidatura, que preside ao Conselho Pedagógico e ao Conselho Administrativo. Director que coordena a avaliação de desempenho dos docentes, incluindo aqueles que, no Conselho Geral, são, em parte, responsáveis pela sua escolha ou recondução. Que tem o direito de avaliar os docentes no “topo da carreira”, mesmo que esteja bem abaixo nessa mesma carreira.
Director que designa os três elementos que podem ser escolhidos como Coordenadores de Departamento e nomeia todas as lideranças intermédias que têm assento no Conselho Pedagógico. Director que tem uma limitação teórica de quatro mandatos (duas escolhas e duas reconduções), mas que viu todos os mandatos anteriores a 2012 serem “limpos”, permitindo que ficasse no cargo duas e três décadas.
Se isto não é uma demonstração clara de iliberalismo, mesmo que baptizado como “democrático”, dificilmente o encontraremos em qualquer outro lado.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.