Medidas extraordinárias ainda só reduziram em 10% o número de alunos sem aulas

O Ministério da Educação, Ciência e Tecnologia (MECI) apresentou, em junho, 15 medidas para combater a falta de professores e melhorar a gestão escolar, prometendo reduzir em 90% o número de alunos sem docente a uma ou mais disciplinas até ao final do 1º período deste ano letivo, data que se cumpre dentro de um mês. No entanto, segundo especialistas e diretores escolares, as várias medidas anunciadas e postas em prática pelo ministro Fernando Alexandre - como apoio à deslocação; recrutamento de professores aposentados; aumento de horas-extra; abertura da lecionação para bolseiros de doutoramento; ou o concurso de vinculação extraordinária, cujos resultados foram divulgados há dias - ainda não surtiram o efeito desejado..As declarações do ministro da Educação, Fernando Alexandre, assumiam, na altura, um objetivo “bastante exigente”, lembrando que em 2023/24 havia 20 887 alunos sem docente a uma disciplina no final do 1º período..Ao DN, Davide Martins, especialista em estatística de Educação e colaborador do blogue ArLindo (dedicado à Educação) explica que a redução do número de alunos sem aulas, após as medidas implementadas pelo MECI, representaram apenas uma ligeira descida “não-significativa”. Na semana passada, avança, estavam a concurso 399 horários, afetando quase 45 mil alunos. Em igual período do ano letivo anterior, eram 50 280 os estudantes sem docente a uma ou mais disciplinas.. “Temos uma redução de cerca de 10% de alunos sem aulas. É uma redução, mas longe da promessa do ministro. Tinha de acontecer algo de muito relevante, este mês para conseguir reverter isto”, sublinha. .Para este especialista, as medidas implementadas pelo MECI são “migalhas” e é necessário “muito mais para combater a falta de professores de forma efetiva”. Acresce, ainda, a dificuldade para substituir professores que se aposentam ou estão de baixa por doença. Uma situação transversal a todo o país e não apenas na zona Sul, onde a falta de docentes é maior..“A manta é curta. Os que estão vinculados a Norte, não estão disponíveis para vir para o Sul e vice-versa. E nenhuma destas medidas atrai novos professores para o ensino. Consegue-se ir buscar meia dúzia de professores aposentados, mas não se formam professores num dia. A única forma de resolver o problema da falta de professores é atrair gente para o ensino”, defende..“O sistema está em rutura”.O concurso extraordinário, para suprir as necessidades urgentes na zona Sul do País, conseguiu atrair muitos docentes. Segundo o MECI, foram ocupadas 1822 (78,9%) das 2309 vagas a concurso em Quadros de Zona Pedagógica (QZP) das regiões de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. Contudo, a grande maioria das vagas por preencher (365) foram no QZP 45 (Lisboa). E para terminar esse concurso falta ainda a fase da candidatura à mobilidade - ou seja, algumas dessas vagas poderão ainda ser recusadas pelos docentes que não conseguiram ficar colocados na zona/escola pretendida. .Paulo Guinote, professor de História e Geografia de Portugal (HGP) numa escola da Grande Lisboa (margem Sul), não se mostra surpreendido com a falta de interessados para vincular na zona da capital. “Esta zona continua sem candidatos e é onde há mais falta de professores. Continuamos a ter a assimetria entre o Norte e o Sul e são necessárias medidas estruturais”, defende..O docente afirma mesmo que “o Sistema de Ensino está em rutura”. “Não há soluções mágicas, mas há medidas, como a de ir buscar aposentados, que demonstram falta de noção da realidade. E temos de perceber que podemos ter aqui uma geração de alunos sacrificada se nada de eficaz for feito”, sustenta..Para Paulo Guinote, das 15 medidas implementadas, apenas a da atribuição de horas-extra terá tido algum efeito, até porque “os professores são obrigados a aceitar 5 horas a mais, embora possam ter 10 horas extraordinárias”. .O docente lamenta ainda não existirem números nesta matéria e explica que mesmo as horas atribuídas podem ser ilusórias, porque “a penalização para um docente que não lecione as horas atribuídas é apenas não receber o vencimento das mesmas”..A medida que visa admitir bolseiros de doutoramento também não tem ainda números que possam refletir o seu efeito. .O DN contactou o MECI para colocar essa e outras questões sobre o efeito das 15 medidas implementadas, mas até à hora do fecho desta edição, não obteve resposta. O nosso jornal questionou ainda o Governo para perceber em que ponto se encontra o comprimento do objetivo de redução do número de alunos em aulas e também não teve resposta..Paulo Guinote não acredita ser possível reverter a situação e chegar ao objetivo traçado pelo MECI. “Há mão-de-obra qualificada, mas as condições são pouco atrativas. E já não conseguimos reverter apenas com a atribuição de horas-extra ou um Subsídio de Deslocação. Não consigo ver uma solução a curto prazo. Até 2030, é preciso reconstruir todo este modelo de carreira e de distribuição de serviço. Levámos 15 anos a destruir a escola pública e reconstruir em 5 anos não vai ser fácil. Mais vale dizer a verdade e dizer às pessoas que não há maneira de fazer melhor durante 2 ou 3 anos”, conclui..Diretores classificam medidas como “gotas num oceano”.A pergunta repete-se pelos vários atores escolares: ainda é possível diminuir em 90% o número de alunos sem aulas até ao final do 1º período? Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), considera ser quase impossível, a não ser que o MECI crie “um Subsídio de Alojamento aos professores”..“A situação em Lisboa é dramática. Mesmo dramática. Se a medida que pedimos há muito, que é o apoio à estadia, se efetivasse, muitas das vagas ainda não-preenchidas em Lisboa, onde alugar um quarto fica pela hora da morte, seriam ocupadas e o objetivo do ministro da Educação podia ser atingido. Alguém no seu perfeito juízo se muda para Lisboa para pagar 700 euros por um quarto?”, questiona, em conversa com o DN..Sem esse apoio, diz o representante dos diretores de escola, o resultado das medidas implementadas pelo Governo são “apenas gotas no oceano”. “Estamos a um mês do final do 1º período e percebe-se que há um esforço e uma estratégia por parte do MECI para combater a falta de professores, mas para atingir o objetivo é preciso fazer mais. Apelo, por isso, ao ministro das Finanças para que abra os cordões à bolsa, que trate bem os professores e que complemente as 15 medidas com essa medida suplementar de apoio à deslocação”, pede..O presidente da ANDAEP alerta ainda para a dificuldade crescente na substituição de docentes por aposentação ou doença sentida em todo o país. “Este ano, está pior no Centro e no Norte. Percebe-se, claramente, que o vírus da escassez de professores, que estava localizado a Sul, já se alastrou. Mais mês, menos mês, teremos uma pandemia na Educação”, sublinha..Filinto Lima acrescenta já não haver professores nas listas de recrutamento nacional, sendo necessário recorrer às ofertas de escola (concurso localizado), onde muitos professores sem qualificações ficam colocados. Uma situação longe de ser “a ideal”, aponta. .“Temos no Sistema de Ensino pessoas altamente qualificadas e que poderiam regressar ao ensino se as condições fossem outras, mas estamos a voltar claramente aos Anos 80/90, altura em que chegavam às escolas pessoas com baixas qualificações. É uma das piores consequências da escassez de professores”, lamenta.

Medidas extraordinárias ainda só reduziram em 10% o número de alunos sem aulas

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