Afazeres a caminho de Bruxelas
Dias corridos e enfadonhos, estes. O corrupio é tal que, entre as medidas sem fim do novo Governo, as eleições europeias, o desenrolar do caso das gémeas, a divulgação de escutas no âmbito do processo Influencer e, claro, a participação de Portugal no Euro 2024, fica até difícil de acompanhar os meandros do processo de nomeação de António Costa para presidente do Conselho Europeu. Assim, para os distraídos (ou para os sonsos), olhemos para o que está em causa.
Depois do jantar informal dos líderes da União Europeia (UE), na passada segunda-feira, parece que, antes de mais, o que está em causa é o consenso anunciado para os altos cargos das instituições europeias. Deste modo, embora o grau de probabilidade seja muito elevado, ainda não é certo que o ex-Primeiro-Ministro português venha a ser escolhido para presidir o Conselho Europeu. Não obstante, há uma certeza inequívoca: Portugal, este pequeno retângulo na cauda da Europa à beira-mar plantado, parece mesmo estar a inspirar a União Europeia.
Infelizmente, a influência lusitana revela-se na promoção de escassos padrões éticos aquando de nomeações para o desempenho de funções públicas. Por cá, temos autarcas ex-presidiários – para não falar dos que são arguidos, naturalmente – e até um presidente de uma região autónoma (e conselheiro de Estado) arguido por corrupção. Em Bruxelas, brevemente, teremos um presidente do Conselho Europeu sob inquérito.
Importa esclarecer que o presidente do Conselho Europeu não tem funções executivas – apenas preside e dinamiza o Conselho, presta informações ao Parlamento Europeu e assegura a representação externa da UE a nível de chefes de Estado ou de Governo. Ainda assim, e deixando de lado a questão das competências (que, para as funções em causa, creio existirem), o que me parece ser fundamental esclarecer é o porquê de, eticamente, António Costa não se encontrar em condições de chefiar o Governo português, mas estar em condições de presidir os trabalhos dos chefes de Governo dos Estados-Membro da UE.
Objetivamente, importa saber qual a justificação: i) do Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, que já demonstrou apoio à candidatura do seu antecessor, e que é quem votará por Portugal no Conselho Europeu; ii) de António Costa, que, “obviamente”, se demitiu em novembro último, mas agora é candidato a um alto cargo público europeu; e iii) do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, entusiasta da demissão de António Costa e, simultaneamente, da possibilidade do mesmo vir a presidir o Conselho Europeu. Estes esclarecimentos não são caprichos ou tricas políticas, são escrutínio, promoção da confiança dos cidadãos nos seus representantes e instituições, combate ao populismo e defesa do Estado de direito democrático.
Noto, ainda, que sou um acérrimo defensor da nossa diplomacia – quem me conhece, sabe-o bem. Consequentemente, considerando os escassos recursos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (nas verbas previstas no Orçamento do Estado só perde para a Coesão Territorial), reconheço que ter um português enquanto presidente do Conselho Europeu seria uma enorme mais-valia para Portugal. Todavia, a suceder-se, podemos até tentar mascarar a questão, mas será incontornável a deslegitimação do Ministério Público – a bem, ou a mal, decorre um inquérito e desconhecem-se despachos oficiais.
Ora, se a classe política não considera legítimo o Ministério Público, então, haja coragem para o reformar. Contudo, não se encontrando tal reforma nos planos das forças políticas capazes de a proporcionar, a bem da justiça portuguesa, reconsideraria a corrente deslegitimação pura deste órgão.
Para já, esperemos pelas medidas de combate à corrupção que serão aprovadas, esta quinta-feira, em Conselho de Ministros. Quanto a António Costa no Conselho Europeu, enquanto não é resolvido o inquérito – e na ausência de uma comunicação eficaz do Ministério Público – é indispensável que se prestem esclarecimentos.