Rui Freitas: “Há uma redução no fluxo migratório. É uma evidência”
No início de junho, o Governo apresentou um Plano de Ação para as Migrações. Foi anunciado um reforço substancial da capacidade da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) para conseguir regularizar os cerca de 400.000 processos acumulados nos últimos anos. Já é possível dizer, três meses depois, o que é que já conseguiram fazer?
Sim, mas antes gostava só de contextualizar e dizer que aquilo que nos obrigou a ter um Plano de Ação com aquela complexidade e abrangência, construído depois de auscultar mais de 40 instituições da sociedade civil, foi aquilo que nós herdámos. Chegámos aqui depois de uma extinção atribulada do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), contra a qual o PSD votou, e depois uma criação atabalhoada da agência que lhe sucedeu na matéria de regularização e do processo burocrático. Ou seja, a AIMA não herdou todas as tarefas do SEF, herdou algumas das tarefas, mas sem os recursos próprios e de forma atabalhoada. Chegámos a um ponto em que temos cerca de 400.000 pessoas que estão em Portugal e nós desconhecemos quem são, onde estão, onde trabalham. É isso que nós nos propomos agora, muito rapidamente, a corrigir.
Temos, ao dia de hoje, uma Estrutura de Missão que foi lançada durante o mês de agosto, que iniciou a primeira operação, de várias que vai ter ao longo do país. O grande centro é em Lisboa, na comunidade hindu, e no primeiro dia de atividade aumentou 25% da capacidade de atendimento da AIMA. Hoje (quinta-feira) já estamos em 38% dessa capacidade e na próxima segunda-feira devemos ter mais de 60% de capacidade do que na segunda-feira passada.
Destes 400.000, quantos é que já estão regularizados?
Não é uma mega operação de legalização, como tem sido dito em alguns órgãos de comunicação. Do que se trata é de começar a dar resposta aos processos daqueles que se habilitaram a uma Autorização de Residência e que o Estado português ainda nem sequer analisou se eles podem ou não ter uma Autorização de Residência. O que estamos a fazer é a recolher dados biométricos que ao dia de hoje não eram recolhidos, não existiam. Estamos a verificar e iremos verificar registos criminais, contratos de trabalho e moradas…
Mas continuamos em 400 mil pendências?
Estamos a conseguir reduzir os 400.000 num montante que lhes estou a dizer dos atendimentos, sendo certo que esta operação divide-se numa grande operação de front-office e numa grande operação de back-office, porque a análise não é realizada por aqueles que estão a recolher os dados biométricos. Essa continua com serenidade, a que todo este processo obriga, por quadros da carreira respetiva, da própria AIMA, que vão fazer a análise cabal a cada processo. Não estamos a fazer legalizações, como foi dito, de todos quantos lá chegam saírem com o processo aprovado. Não é isso. É o início do processo que, em tempo muito rápido e acelerado, terá a resposta de regularização ou não.
Para esse front-office, como lhe chama, de atendimento ou de recolha de dados, o Governo estipulava um reforço de 200 trabalhadores…
350 no total…
200 no front-office, mais 100 na análise, mais 50 de apoio, mais 100 que estavam a concurso e mais 50 para o reforço da rede consular. De todas estas pessoas, quantas é que já estão efetivamente ao serviço?
Ao dia de hoje temos já cerca de mais 90 pessoas na Estrutura de Missão, que não são só quadros da AIMA. Há uma composição mista e têm estado a trabalhar em conjunto. Aliás, tem sido um dos grandes sucessos deste esforço comum para ultrapassar o passivo que carregam e que vem de trás.
Mas não podemos esquecer que este processo é gradual. À medida que formos espalhando os postos de atendimento por todo o país - posso adiantar também que hoje estão já protocolados 10 municípios espalhados por todo o país para terem postos de atendimento, para evitarmos que haja pessoas de Bragança que tenham de se deslocar a Lisboa,ou de Lagos que tenham de se deslocar a Lisboa. Neste momento, o grande centro é o que está em funcionamento, mas nos próximos dias vamos começar a abrir estes postos para que essas pessoas não tenham de se deslocar.
Mas ainda sobre o reforço: este vai existir também na AIMA, porque a AIMA iniciou funções com menos pessoas do que aquelas que deveria ter e está já a concurso um reforço de quadros que possa ser dotado da capacidade para o trabalho que depois terá pela frente. Porque vamos tratar das pendências, mas a agência vai continuar no seu dia a dia.
Em maio havia notícia de 100 trabalhadores que tinham pedido para sair da AIMA. O resultado é líquido ou há neste momento alguma evolução desse número?
Esse número não é verificado. Mas há uma coisa que tenho de dizer. Os trabalhadores da AIMA têm estado muito comprometidos com estas soluções. Têm tido de uma capacidade extraordinária de, apesar das limitações, continuar a trabalhar todos os dias e com toda a pressão que lhes é colocada. Porque sempre que há notícias é porque há filas na AIMA, mas há quem esteja lá dentro a trabalhar, a dar o seu melhor todos os dias, com muito esforço. Estes trabalhadores têm sido verdadeiros heróis a conseguirem continuar a carregar a agência e a darem bom seguimento aos processos que lhes aparecem pela frente.
Quais são os dez municípios que já estão protocolados?
Preferia ainda não divulgar, mas as próximas semanas vão ser de novidades constantes e vamos continuar a informar.
O Plano para as Migrações tem medidas de curto, médio e longo prazo. Se falarmos de objetivos latos como uma integração plena, isso é um objetivo que vai sendo renovado todos os dias, porque os objetivos de integração vão alterando à medida que a própria sociedade evolui. Agora, terminar com as Manifestações de Interesse, isso foi uma medida imediata. Ou seja, todos os dias estamos a trabalhar e temos tido uma vontade de mudar, que é algo que foi uma rutura total em relação ao Governo anterior.
Por esta altura, costumávamos ter acesso ao relatório do SEF sobre o número de estrangeiros em Portugal. Ainda não foi publicado, mas consegue...
Vai ser nos próximos dias.
… mas consegue dizer-nos, neste momento, qual é o número de estrangeiros regularizados em Portugal e quais as nacionalidades?
Ao dia de hoje, dados de 2023, há um milhão e 44 mil pessoas e a nacionalidade mais relevante é o Brasil, com cerca de 400.000.
Houve alguma alteração de tendências nas nacionalidades?
Há uma tendência de crescimento do número de estrangeiros. Isso vai ficar patente no relatório. Há algumas alterações de nacionalidade, mas estamos a falar de dados de 2023 que não contabilizam as 400.000 pendências, porque em relação a essas, que herdamos do Governo anterior, não há nenhuma informação, nenhuma estatística sobre aquilo que lá temos. Por isso é que esta é uma urgência nossa. Precisamos de, muito rapidamente, saber o que é que está naquelas 400.000 pendências que herdámos do Governo anterior.
O fim das Manifestações de Interesse foi uma das vossas principais medidas para tentar estancar o efeito-chamada que já vinha de há alguns anos. Já tem algum indicador sobre o efeito prático desta medida?
Temos consciência plena de uma redução no fluxo migratório. Essa é uma evidência. Mas as Manifestações de Interesse devem ser explicadas e ser mais conhecidas do grande público. Acho que as pessoas ouvem falar de Manifestação de Interesse, mas não tem consciência que era um regime único na União Europeia (EU), que era o caminho para a indignidade. Era um dos grandes alimentos das redes de imigração ilegal, porque aqui, nesta ponta da Europa, existia um país onde bastava chegar que, ao fim de um ano, estando cá e tendo entrado por via ilegal, essa ilegalidade era sanada. E foi isso que nós tivemos de travar. Tivemos de travar um efeito-chamada brutal que atirava para a indignidade muitos cidadãos.
Mas também quero dizer uma coisa: a integração plena começa na documentação. Nenhum cidadão se pode sentir bem sem os documentos e sem ter uma situação regularizada, mas também para quem cá está é fundamental saber que todos os que cá estão obedecem exatamente aos mesmos normativos legais que todos os outros.
Mas, como sabe, as Manifestações de Interesse também serviam a clubes de futebol, a empresários, para conseguirem trazer trabalhadores...
Existia uma ficção legal de que, preenchendo a Manifestação de Interesse, estavam regularizados. Mas isso não é verdade. Nunca correspondeu à verdade e gerou este caos a que assistimos agora. A Manifestação de Interesse já existia como exceção na Lei de Estrangeiros até 2017. Passou a ser um regime geral de 2017 em diante. Existiu a presunção ou a ficção legal de que todo o que preenchesse Manifestação de Interesse a partir desse momento estava em tramitação de regularização, ainda que essa regularização nunca acontecesse. Isso gerou este caos. Entendo que foi uma forma de tentar esconder os problemas do SEF, atirando o problema para a frente e gerou um problema muito maior, que agora temos em mãos.
Mas também, sobre os dados, dizer que quando procedemos a um reforço do Observatório para as Migrações e anunciámos o professor doutor Pedro Góis, que é um reputado académico e investigador nesta área, é precisamente para nos dotarmos de quem possa informar política pública, para podermos tomar melhores decisões. O que queremos deste Observatório é também saber quais são as tendências de fluxos migratórios para nos podermos preparar em antecipação para aquilo que possam ser as pressões migratórias futuras. Há uma coisa que é uma evidência: as migrações são um fenómeno que não vai desacelerar um pouco por todo o mundo. Desde logo, pelas pressões geoestratégicas, pelas questões de alterações climáticas, as migrações económicas. Como Estado, temos de estar preparados para saber quais são as tendências, e foi [por] isso que também quisemos transformar o Observatório para as Migrações num órgão independente que possa constribuir para a política pública e que seja dotado de instrumentos para nos darem bons números e podermos decidir melhor.
Já está a funcionar a 100% ou ainda faltam passos?
Faltam passos. O Observatório para as Migrações foi um dos passos de reestruturação da AIMA. Quando reestruturámos a AIMA, nomeamos um novo conselho diretivo, reorganizámos os serviços de atendimento um pouco por toda a cidade de Lisboa, ou seja, a Loja Central e todas as outras lojas, de forma a que não haja aquele amontoar de pessoas, pois isso não é positivo para ninguém. Gera perceções e não trata bem quem queremos acolher. Autonomizámos o Conselho Nacional para as Migrações e fizemos com que este Observatório deixasse de ser uma unidade orgânica e passasse a ser um órgão. Ou seja, tem uma autonomia em relação ao conselho diretivo que permite observar com independência tudo o que são os dados da nossa política migratória
Temos aqui um conjunto de perguntas muito concretas e para as quais também peço respostas claras, porque sabemos que há muitos imigrantes ansiosos por elas. Quando vão ser abertas vagas para o reagrupamento familiar?
Esperamos no próximo par de meses ter novidades. O reagrupamento familiar é uma das prioridades do Plano de Ação, porque entendemos que é um dos passos para uma melhor integração. Quem traz a família consegue ter uma estabilidade. Desde logo a escola. Quando temos crianças que ingressam nas nossas escolas, também há uma forma de integração privilegiada, assim como são as empresas. Como conversávamos, um passo de cada vez.
Mas quando?
Não tenho um dado concreto para lhe dar. Digo-lhe é que é prioritário.
No fim do ano?
Trabalharemos por isso.
O ministro da Presidência, Leitão Amaro, referiu ainda esta semana que a solução para os Vistos CPLP está para breve. Ora, havia 170.000 destes vistos que não funcionavam dentro do Espaço Schengen, entre outras coisas, porque o cartão não tinha dados biométricos. O Governo tinha-se comprometido a começar a recolher esses dados biométricos. A minha pergunta é se já começou a fazê-lo e quando é que haverá esta solução?
Antes de mais, temos de nos preparar para o modelo que vai ser utilizado. Posso dizer-vos que o modelo será o mesmo, só fará a menção ao Acordo de Mobilidade da CPLP. Existe, ao dia de hoje, um processo de infração instaurado ao Estado português por termos um modelo que não é o adequado do ponto de vista dos normativos comunitários…
Não segue as regras europeias…
Quem vir o que é esse documento, chamar-lhe documento é um exagero. É um papel. É um papel com um QR Code com o qual o cidadão, se quiser movimentar-se no Espaço Schengen, não o poderá fazer. O nosso objetivo é que o documento seja o documento de Autorização de Residência habitual, com a menção do Acordo CPLP e que permita a mobilidade durante o tempo que qualquer outra Autorização de Residência tem. Estamos a falar do equivalente a movimentação por turismo, que nem a isso obedecia. Mas no que respeita à CPLP, há matéria que terá de ser discutida em Assembleia da República. Temos todo o processo praticamente encerrado. Temos as conversas adiantadas com a Comissão Europeia, temos o modelo já definido e muito brevemente também vamos ter essa novidade.
Estas Autorizações CPLP vão ter os mesmos direitos que as outras Autorizações de Residência, nomeadamente de circulação. Terão também as mesmas exigências?
As mesmas exigências. Iremos cumprir escrupulosamente com tudo o que está em vigor. Ou seja, para atribuir uma Autorização de Residência CPLP já existe a legislação que a regula. Essa será a mesma. O que não cumpre é o lado do Estado português, com um documento que era entregue a esse cidadão. Isso vamos corrigir rapidamente. Outra coisa que também tem de ser corrigida é que a duração de uma Autorização de Residência ao abrigo do Acordo de Mobilidade da CPLP é de um ano, quando o geral são dois anos. Ou seja, nós estávamos a tratar como sendo quase de segunda uma Autorização de Residência CPLP. Isso tem de ser corrigido e vai ser corrigido. É uma das nossas prioridades.
As Autorizações CPLP vão passar então também para os dois anos de validade?
Terá de ser porque é uma das questões que decorre da infração.
Temos aqui um acordo de mobilidade que é só numa direção, que é a direção dos imigrantes para Portugal. Estamos a falar de países como o Brasil, com mais de 200 milhões de habitantes, Angola 35 milhões, Moçambique 32 milhões. Isto é para um país com 10 milhões de habitantes. Há aqui um grande desequilíbrio de forças. De que forma é que nós estamos preparados para isso? Os nossos serviços públicos, por exemplo, conseguem responder a essa potencial entrada destes imigrantes?
Temos de assumir que, para este Governo, a CPLP será discriminada positivamente. Entendemos que a língua e um passado comuns facilita muito a rede familiar já existente em Portugal. Faz com que a integração seja muito mais rápida, seja na vivência social, seja na própria economia. Percebo aquilo que me está a dizer, mas sem pessoas não há economia. E não há nenhum modelo demográfico que não apontasse que Portugal, daqui a uns anos não conseguiria ter sustentabilidade de rigorosamente nenhum serviço público com o decréscimo demográfico ou o inverno demográfico que estávamos a viver. Nessa medida, quando olhamos para a CPLP, olhamos para a CPLP como uma oportunidade. E a CPLP é a oportunidade que nós queremos privilegiar. Agora, naturalmente que as regras são para cumprir com todos, privilegiando a CPLP. Ainda ontem saiu um estudo da Faculdade de Economia do Porto que assinalava com muita veemência a necessidade de, para ter crescimento económico, ter de haver pessoas. Sem pessoas não há economia. E nós precisamos efetivamente e iremos privilegiar a CPLP.
Qual é a posição do Governo quanto a um possível limite de entradas?
Limite da entrada? Quer concretizar?
Não estou a falar de quotas…
Temos de ter a consciência de que a economia e a sociedade são fenómenos plásticos e a forma como devemos acompanhar tem de ser tão plástica quanto é a economia e a sociedade. Ou seja, temos de ter uma capacidade de adaptação. Não faz sentido falar em limites. Faz sentido falar de prioridades, e falar de integração é falar da melhor forma de fazer uma economia e uma sociedade funcionar. Não me parece que os limites sejam sequer uma estratégia pragmática de fazer com que a sociedade possa avançar.
Outra pergunta que precisa aqui de uma resposta clara tem a ver com a renovação dos cartões de residência caducados. Quando é que o portal online será aberto para estas renovações automáticas?
Todo esse processo vai ter novidades a muito breve trecho, porque está numa fase muito avançada de conclusão. Fizemos a prorrogação em junho, da validade desses documentos...
Mas os titulares não podem sair do país porque os outros países da União Europeia não aceitam cartões caducados...
Exatamente. Tem de existir uma comunicação dessa prorrogação. É nossa vontade passar também as renovações para a AIMA. Ter incluído o IRN, para nós, não faz grande sentido. Mas a competência de renovação ainda é do IRN. No âmbito desta reestruturação mais lata, passará para a AIMA. Muito rapidamente vamos ter também de atender a essa herança, que é pesada e é mais uma para resolver.
Outra das dificuldades de quem precisa de contactar a AIMA, são telefones não-atendidos e os e-mails que não são respondidos. Como é que pensam resolver isto?
Está em fase avançada o concurso, que será nos próximos dias, para um call center.
Estão a atender mais ou menos, em média? No início da entrevista falou-me que a capacidade de atendimento tinha aumentado 38%. Consegue traduzir isso em números?
Quando iniciámos a Estrutura de Missão com o primeiro centro que abrimos, a AIMA estava a atender 1000 pessoas por dia e passou a atender 1240 pessoas por dia. Ao dia de hoje, está a atender 1380 pessoas por dia. E na próxima segunda-feira vai estar a atender 1600 pessoas por dia, ou seja, mais 60% de capacidade. Desconheço algum serviço público que tenha tido este pico na capacidade de atendimento.
Qual é a estimativa de atendimento para as tais 400.000 pendências? Todos os requerentes estão em Portugal ainda?
As notificações, no passado mês de maio, aconteceram num processo em que o Governo até demonstrou algum desconforto pela insensibilidade. Discordamos de uma notificação imediata para pagarem sem um agendamento à vista. Agora, quando forem notificados para pagar, sabem que poderão ser atendidos num espaço muito breve. Sabemos que há uma taxa de quebra no número de processos. Mas é muito difícil e só por sensibilidade é que lhe poderia estar a dizer se esse número corresponde ou não à verdade. Sendo certo que sabemos que há uma taxa de quebra que está implícita. Claro que agora podemos especular se os que estão há mais tempo tinham uma taxa de quebra maior ou os que estão há menos tempo têm uma taxa de quebra menor. Mas vai da nossa sensibilidade. Queremos que a Estrutura de Missão faça pontos de situação do trabalho que está a desenvolver. Com muita frequência, vamos começando a ter a visibilidade de uma coisa que herdámos e não temos nenhuma ideia do que lá está.
Quantos processos regularizaram nestes três meses?
Nestes três meses a AIMA tinha já uma capacidade de regularização diária semanal, digo, de cerca de 2000 processos. Essa capacidade está a ser francamente aumentada, com o tal back-office de que falávamos há bocado, que será reforçado, que vai ter protocolos com entidades externas com toda a segurança. Todas as pessoas que lá trabalham, que não são da AIMA, tiveram formação com as forças de segurança para poderem estar em condições de lá trabalhar.
Mas algumas dessas pessoas são advogados e solicitadores, o que mereceu críticas, por exemplo, do Sindicato dos Técnicos de Imigração?
No Centro de Telheiras isso não existe. Aquilo que estamos a discutir agora é uma realidade diferente. É uma realidade de instrução e não de análise, de processo. A análise de processo é só feita com quem é da carreira inspetiva e quem é da carreira da própria AIMA, técnicos especialistas da própria agência. Não existirá nunca alguém externo aos serviços do Estado a despachar o que quer que seja no concreto destes processos.
Deu-nos o número total de estrangeiros com a Autorização de Residência 2023. Mas já estamos em setembro de 2024. Consegue dizer me este ano quantos novos imigrantes obtiveram a Autorização de Residência em Portugal este ano?
Os melhores dados que vamos ter serão os da Estrutura de Missão, nos próximos dias. Até agora, a única coisa que lhe posso dizer é que havia 2000 processos tramitados, nem todos com respostas positivas.
Não consegue dizer quantas pessoas é que foram regularizadas em 2024?
Estimamos que poderíamos estar a falar de regularizadas à cadência da capacidade da agência. Todos os números que nós temos são sempre fornecidos pelo Observatório. A AIMA vem de um processo muito difícil, com muito pouca informação. Uma coisa que digo é que, se nos próximos três meses tivermos aqui uma conversa, a AIMA que vamos ter nessa altura não terá nada a ver com a que recebi em abril de 2024.
Mas ao um milhão e 44 mil, quantos soma em 2024?
Há uma coisa que nós temos de ter a consciência, desde logo: das 400.000 pendências, com uma cadência de atualização. Ou seja, aquilo que nós esperamos é que das 400.000, tal como já falámos, não serão 400.000. Até porque nem todos têm resposta positiva, mas também nem todos estarão já cá. Sabemos que há uma tendência crescente do fluxo migratório, mas também sabemos que isso era gerado pelo efeito-chamada. Sabemos que existiu um parar desse efeito-chamada no dia 3 de junho, porque nós entendemos que era uma prioridade.
Já percebi que não quer revelar o número, mas tem conhecimento dele?
Exatamente.
E por que é que não quer avançá-lo?
Porque temos de verificar a qualidade de toda a informação que passamos para as pessoas. No tema das migrações, a sensibilidade do debate e o aproveitamento que muitas vezes é feito politicamente, obriga-nos a um cuidado redobrado na forma como gerimos toda a informação que temos. Herdámos o caos e é o caos que nós estamos a organizar e como estamos a organizá-lo. Temos de o fazer com sensibilidade, serenidade e moderação, para que os polos, os extremos, não tornem este debate um debate que perde a razoabilidade, que não nos leva a lado absolutamente nenhum.
A AIMA já regularizou as dívidas que tinha com o Centro Português dos Refugiados e com a Organização Internacional das Migrações? O Governo já deu autorização, mas foram mesmo regularizadas?
Herdámos um processo que está longe de nos orgulhar, mas dissemos que íamos cumprir com os compromissos do Estado português. Já o fizemos e posso afirmar que a instrução foi dada à agência para pagamento. Estamos a falar de dívidas que vinham do tempo do SEF e que estavam num emaranhado de confusão, tal como tudo aquilo foi feito.
Uma das heranças que receberam foi a instalação do novo sistema de segurança das fronteiras. Chegámos a correr o risco de ser suspensos do Espaço Schengen. Como é que está a situação neste momento?
Posso dar boas notícias. Enquanto falamos estão a ser instalados novos pórticos que farão o controlo de fronteiras num futuro próximo. Foi uma corrida contra o tempo, como sabem. Mas conseguimos. É mais um sucesso. Falou-se de vermelho. Estamos no verde. Cumprimos com a prontidão que nos foi exigida e os testes iniciam-se em outubro.
António Vitorino tem sido um aliado do Governo em matéria de migrações e acabou até por ser nomeado para presidir ao Conselho Nacional para as Migrações. É uma espécie de garantia para o Governo?
Chamar ao doutor António Vitorino um aliado... Se há pessoa que tem crédito nesta matéria é o dr. António Vitorino. O facto de ter elogiado o nosso plano, de certa forma, cauciona algumas das medidas que tomámos. É muito positivo contar com uma personalidade como o dr. António Vitorino no Conselho Nacional para as Migrações. Temos a certeza de que a independência que tem em relação a este fenómeno permite-nos também ter uma política migratória que vai contar com o trabalho de um Conselho Nacional para as Migrações isento, com capacidade de trabalho e com personalidades que vão ainda dar mais àquilo que possa ser a nossa política migratória no futuro.
Como é que antecipa a manifestação anti-imigração que está a ser promovida pelo Chega? E a proposta de referendo?
Sou um democrata e as manifestações fazem parte da democracia. As organizações políticas têm os instrumentos que entendem para fazer valer os seus pontos de vista. Encaramos qualquer manifestação com a serenidade que temos de encarar. Sendo certo que, como já disse, entendo que polarizar questões estruturantes e questões fraturantes, como é o tema das migrações, não aproveita muito a toda a comunidade. Devemos ter serenidade, ponderação, pragmatismo e capacidade de resolver problemas com a observância total pela legislação portuguesa. Porque aquilo que este Governo quer é imigração regulada que possa ajudar Portugal a ser um país com mais crescimento económico, com mais oportunidades para todos, uma integração plena daqueles que para cá vêm, mas sempre, sempre imigração regulada.
Só para terminarmos, deve ter tido conhecimento de que houve uma situação de violência grave, com esfaqueamento, de dois imigrantes no Porto. A Polícia Judiciária anunciou que deteve esse suspeito. Acha que isto é um escalar anti-imigração?
Não entendo que seja um escalar. São situações lamentáveis, envolvendo cidadãos nacionais ou não. Acho pouco cauteloso colocar a questão imediatamente neste antagonismo de imigrantes, porque a serenidade de abordar esse tipo de problemas é que pode fazer com que nós possamos ter uma sociedade mais segura, mais regulada e com respeito entre todos os que habitam o território nacional.