A História contra a Demagogia

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Há uns dias li que a minha antiga colega Maria Inácia Rezola, na sua qualidade de sucessora de Pedro Adão e Silva como Comissária Executiva da Estrutura de Missão para as Comemorações do quinquagésimo aniversário da Revolução do 25 de Abril de 1974, declarara algo como “A história da revolução só tem sentido se percebermos o seu significado nos dias de hoje”, numa notícia (Expresso online, 7 de Fevereiro de 2024) que tinha em título que “Pedagogia, pedagogia é a (nova) palavra de ordem dos 50 anos do 25 de Abril e o Chat GPT vai participar”.

Vamos retirar o Chat GPT da coisa, por respeito à inteligência humana natural e por oposição ao deslumbramento patego com as coisas digitais. Fiquemo-nos pela questão da “Pedagogia” e pela necessidade de explicar o sentido do 25 de Abril nos dias de hoje, em especial aos jovens. Questão e necessidade que deveriam ser do domínio, embora não exclusivo, da Educação e de um currículo escolar adequado a tais questões e necessidades. Um currículo escolar que não tivesse vindo, nas últimas duas décadas, a amputar e esvaziar de forma progressiva e insistente a disciplina de História, seja no tempo que lhe ainda é deixado, seja no que é considerado “essencial” que os alunos aprendam. Porque é considerada uma espécie de saber “anacrónico”, como se não fosse nele, como na Filosofia, que radicasse o “essencial” do que nos fez como Humanidade consciente da importância do que hoje chamamos “Democracia”. Por muito que esteja sob ataque e por muitas versões que nos queiram fornecer sobre o que ela significa e como funciona.

Vamos lá entender-nos: as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, na maioria das escolas, estão a ser feitas a partir de dentro e mesmo algumas iniciativas como a #NãoPodias que pretende “criar e lançar nas redes sociais conteúdos para os mais novos” com a ideia de “mostrar as liberdades e conquistas que a queda da ditadura proporcionou ao país”, são altamente estimáveis, mesmo se apenas arranham a superfície do que é o trabalho quotidiano dos alunos sobre estes temas. Estas comemorações são, desde o início, um projecto que tem muito pouco interesse nos jovens e muito mais utilidade para nichos académicos que delas se servem (como as comemorações da República) para se consolidarem e financiarem.

Estou a ser redutor e injusto?
Talvez… mas já chegamos à parte da Demagogia, que só ganha com uma História reduzida a um esqueleto no ensino não-superior e instrumentalizada ao nível da investigação por grupos mais preocupados na sua agenda ideológica do que na História em si, por muito que ela nunca consiga ser neutra no seu processo de construção de Conhecimento.

A verdade é que a História foi triturada, em especial no Ensino Básico, como se ensinar regras de condução ou umas balelas sobre empreendedorismo, na criação brilhante que é a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, fosse equivalente a explicar aos jovens como se desenvolveram os princípios intelectuais, as práticas (e os obstáculos) do regime democrático que ainda temos. Ou que “Demagogia” é uma palavra com origem há mais de 2500 anos.

Sim, a mui estimável Missão para as Comemorações do 50.º da Revolução de Abril com Maiúscula pode argumentar que nada tem a ver com a definição do currículo do Ensino Básico ou dos conteúdos programáticos de História, mas talvez pudesse ter um bocadinho de pro-actividade, mesmo se muita gente é de uma casta diversa dos que lamentam que o ensino da democracia ateniense seja previsto em modo ultra-rápido, sem espaço para o contraponto espartano, ou que a República Romana tenha sido apagada, em favor de um mergulho directo no Império.

Ou que se tenham eclipsado quaisquer referências ao parlamentarismo inglês, que em muito precede a Revolução Francesa. Ou…

A História pode nem sempre se repetir, não é necessariamente uma lição determinista, mas a sua eliminação ou amputação nunca pode ser uma boa ideia. A menos que a Demagogia seja para praticar, enquanto se critica, apostando na ignorância do muito exaltado “povo”.

Professor do Ensino Básico. 
O autor escreve sem recurso ao AO90

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