Crescimento das marcas ‘brancas’ retirou dois mil milhões às de fabricante
As vendas de bens de grande consumo estão a crescer 4,8%, atingindo um valor acumulado de 11,2 mil milhões de euros nos primeiros nove meses do ano. Destes, 45,7% são artigos de marca própria da distribuição, as vulgarmente designadas por marcas ‘brancas’. E embora as marcas de fabricante comecem a dar sinais de alguma recuperação, em cinco anos, diz a Centromarca, perderam 13 pontos percentuais para as marcas da distribuição, correspondentes a dois mil milhões de euros.
A conta é simples de fazer. Há cinco anos, as chamadas marcas ‘brancas’ pesavam 32% do mercado, correspondentes a cerca de 5,6 mil milhões de euros, hoje estão acima dos 45%, ou seja, mais de 7,8 mil milhões.
Um crescimento muito impulsionado pelos efeitos da pandemia e da recente crise inflacionista - com menos rendimentos, o consumidor procura opções mais económicas -, mas não só. A Mercadona, uma das cadeias que praticamente só vende marca própria, tal como o Lidl e o Aldi, chegou ao mercado nacional em 2019. E hoje já tem 57 supermercados em funcionamento em todo o país.
”Há cinco anos que, todos os meses, as marcas de distribuidor cresciam mais rápido do que as marcas de fabricante. E finalmente agora surgem os primeiros sinais de inversão”, diz Pedro Pimentel, diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Produtos de Marca. No acumulado do ano, o mercado cresce 4,8%, com as marcas de distribuidor a registarem um acréscimo de 6,1% e as de fabricante de 3,7%. Há um ano, o mercado crescia 13,3%, com as marcas de fabricante a registarem uma subida de 5,4% e as marcas ‘brancas’ a dispararem 24,7%.
Em setembro, mostram os dados da NielsenIQ, o mercado cresceu 5%, as marcas de distribuidor 5,9% e as de fabricante 4,2%. “Mais do que o recuperar de um ou 2%, é o fim de um ciclo que se adivinha”, acredita Pedro Pimentel. Mas também reconhece que os dois mil milhões de euros de vendas perdidos não serão integralmente recuperados.
“Há cinco anos, a parcela de cadeias de supermercados em que 80% do seu sortido é marca própria era de 13% do mercado, hoje já vale quase 25% e com tendência para crescer, à medida que a Mercadona vai expandindo a sua presença pelo país. É virtualmente impossível recuperar este dinheiro todo”, assume. A expectativa é que possa haver uma recuperação parcial.
“Temos a expectativa, sim, que algumas cadeias de retalho comecem a entender que, para serem uma alternativa viável às cadeias de hard discount têm que ter um sortido variado de produtos, que não apenas de marca própria, permitindo, assim, às marcas de fabricante recuperarem espaço nas prateleiras e nos folhetos de promoção”, defende Pedro Pimentel, que argumenta: “O consumidor hoje precisa de um bocadinho mais de escolha, não quer chegar a um supermercado e só a marca ‘branca’ à venda”.
E qual o efeito desta perda de valor para as empresas? “Claro que teve um impacto grande, sobretudo nas marcas de segunda e terceira linha. Claro que houve um efeito de emagrecimento de estruturas, mas também tem efeito em termos de investimento, físico e publicitário. Não tenho números para dizer quanto é que foi esse emagrecimento, mas que teve consequências, teve”, frisa a Centromarca.
Já a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição recusa esta leitura dos números. “Parece-me enganador e até pernicioso fazer uma análise de que as marcas de distribuição retiraram às marcas de fabricantes qualquer coisa como 2 mil milhões de euros, pois não existe uma transferência direta do montante gasto pelas famílias em marcas de fabricants, em marcas próprias. Isto é, o facto de as famílias terem gasto xis mil milhões de euros em marcas próprias, não quer dizer que fossem gastar esse valor em marcas de fabricante”, defende o diretor-geral da associação.
Para Gonçalo Lobo Xavier, o crescimento do chamado hard discount é uma tendência que impulsionou as marcas próprias, e que resulta da “liberdade de escolha” do consumidor. “Essa liberdade é positiva e abre opções ao consumidor que opta pela que mais lhe convém em determinado momento. E revela menos fidelidade a uma retalhista”, acrescenta.
Quanto ao facto de, no ano passado, as marcas de distribuição crescerem ao dobro do ritmo do mercado e estarem atualmente quase iguais, refere apenas que isso evidencia que “as marcas próprias, em contexto de inflação mais elevada, foram a escolha dos consumidores portugueses para fazer face ao forte aumento de preços provocado pela conjuntura económica internacional”, e lembra que, em setembro de 2023, a variação homóloga da inflação dos produtos alimentares foi de 6,4% e, neste mês de setembro, foi de 2,6%.
Globalmente, considera, “estamos a assistir a um comportamento, no mínimo, cauteloso por parte do consumidor e parece-nos que essa será a tendência”.