José Manuel Constantino
José Manuel ConstantinoPaulo Alexandrino / Global Imagens

Da ética ao aumento de apoios e praticantes. Legado de Constantino vai além das medalhas

Presidente do Comité Olímpico de Portugal morreu no último dia dos Jogos Olímpicos Paris2024. Tinha 74 anos.
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A morte de José Manuel Constantino, horas antes da cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos Paris2024, é quase poética, tendo em conta que ele fez coincidir o sonho de uma vida com os melhores anos do olimpismo português, com a conquista de nove medalhas desde o Rio2016, primeiro de três Jogos na presidência (ver fotografias). Nascido em Santarém em 21 de maio de 1950, o pensador do desporto que inspirou gerações de atletas, liderava o Comité Olímpico de Portugal (COP) desde 2013.

Apesar de debilitado ainda foi a Paris cumprir o dever da Missão. Esteve na Aldeia Olímpica com a comitiva e conseguiu ver a primeira das quatro medalhas portugueses (o bronze da judoca Patrícia Sampaio) nos melhores Jogos de sempre para as cores nacionais. 

O respeito pelo atletas é, aliás, um exemplo do enorme legado que deixa e que é destacado por muitos deles, incluindo Telma Monteiro e Fernando Pimenta. “Lembro todas as vezes que me ligou a dar os parabéns, a perguntar como eu estava e me sentia, as vezes que nos visitou em estágios, as vezes que esteve ao nosso lado em conquistas importantes”, contou o canoísta, lamentando não lhe ter dado nova medalha Paris, depois do bronze em Tóquio2020 e da prata em Londres2012 (esta em dupla com Emanuel Silva e ainda antes do gestão de Constantino à frente do COP).

Pimenta promete por isso tentar ir a Los Angeles2028: “Não vou desistir, como você nos mostrou mesmo em momentos mais difíceis da sua saúde.”

“O presidente”, como lhe chamavam os atletas com reverência e simpatia, teria gostado de ver os portugueses aplaudir os medalhados de ouro Rui Oliveira e Iúri Leitão no regresso a Portugal. “Foi uma tristeza grande para todos nós. Uma pessoa que ajudou a conquistar tudo o que temos hoje. Espero que esteja feliz pela nossa conquista. Ainda conseguiu ver a nossa corrida e espero que esteja orgulhoso. Fizemos tudo o que esteve ao nosso alcance para homenageá-lo”, disse hoje, após uma receção apoteótica, Rui Oliveira, um dos dois últimos campeões olímpicos da era Constantino. 

Prestígio e dinheiro para o COP

“Cidadão inquieto e desassossegado”, como o definiu o amigo e professor catedrático Jorge Olímpio Bento, governou os destinos da entidade máxima do desporto português com a “ética”, que “ impregnava também a sua atitude e comportamento e o seu pensamento”. 

Considerado um dos grandes pensadores sobre o fenómeno do Desporto em Portugal, sendo mesmo reconhecido com os títulos Honoris Causa pelas Universidades do Porto (2016) e de Lisboa (2023), fazia muitas vezes alertas sobre a literacia motora e desportiva (ou a falta dela). Afinal foi o único licenciado em Educação Física (1975) a liderar o Comité Olímpico e insistia que o aumento do número de praticantes “é um assunto de elevado grau de complexidade”, marcado por desafios como a demografia e “o défice de dados, informação e investigação atualizada”.

Travou essa luta até ao fim, segundo o líder da Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP), Manuel de Brito: “Se não há uma subida do número de atletas é impossível ter mais resultados de bom nível. Por outro lado, não se pode só olhar para a prática desportiva usando o conceito vago de atividade física. O José Manuel Constantino falava muito disso. O desporto é uma atividade concreta, estruturada e de um enorme valor social.”

Já o antecessor no cargo, Vicente Moura, reconheceu-lhe “o excelente trabalho” e o “contributo” para o prestígio do Comité, mas fundamentalmente para o desporto português. Segundo Vicente Moura, “é uma ironia” do destino que ele tenha partido num dia em que o país deveria estar satisfeitos por, pela primeira vez em 26 presenças (desde Estocolmo1912), celebrar uma medalha de ouro, duas de prata e uma de bronze: “ José Manuel Constantino foi um dos responsáveis por esse êxito.”

E se Portugal teve o maior apoio de verbas de sempre para preparar Paris2024, muito o deve a ele: “Conseguiu a credibilidade necessária para obter da parte dos Governos um maior apoio financeiro. Depois, apurou bastante bem os projetos olímpicos que se iniciaram no meu tempo, passando a ser geridos com maior rigor e competência por parte das federações, dos treinadores e do COP. Além disso, deixou uma imagem de prestígio, pois era intelectualmente bastante avançado em termos desportivos e não só.”

Usar de diplomacia não era sinónimo de ser inativo e muitas vezes criticou o Estado por não ter uma política cultural desportiva. Mérito também reconhecido pelo presidente da Assembleia da República. “Durante o seu mandato, o desporto beneficiou de avanços significativos e a sua morte representa uma enorme perda para o desporto em Portugal”, destacou José Pedro Aguiar-Branco, lembrando que a sua liderança e paixão “deixam uma marca indelével no panorama desportivo em Portugal”.

Elevação intelectual

Com passagens pela Federação Portuguesa de Halterofilismo e pelo Algés e Dafundo, fez o caminho até ao topo de forma sustentada. Além de ter presidido ao Comité Olímpico de Portugal durante 11 anos, liderou antes a Confederação do Desporto de Portugal e o Instituto do Desporto de Portugal (antecedor do Instituto Português do Desporto e Juventude).

A administração pública e a esfera autárquica também marcaram o seu percurso. Foi “pioneiro” na introdução do desporto nas autarquias, a começar pela de Oeiras. Isso não foi esquecido por Filipe Santana Dias, presidente da Câmara de Rio Maior, que tem um Centro de Alto Rendimento: “Grande homem do desporto nacional conquistou tudo o que havia para conquistar, deixando um legado de excelência em todos os cargos que desempenhou com brio, elevação e seriedade. Foi um grande amigo do concelho de Rio Maior.”

A “elevação intelectual” destacada por muitos deve ser considerada uma forma de legado para quem vier a seguir. Eleito como sucessor de Vicente Moura em março de 2013, estava a finalizar o terceiro e último mandato no COP (irá a votos antes do Natal). Quem vier a seguir terá o caminho facilitado, mas uma obra difícil de igualar.

O velório é terça-feira, entre as 10.30 e as 23.00, na sede do COP, em Lisboa, na Travessa da Memória. Quarta-feira terá lugar um serviço religioso às 10.15 e às 11.00 sairá o cortejo fúnebre em direção a Gondomar, onde será sepultado.

Com Lusa

isaura almeida@dn.pt

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