Bactéria Helicobacter Pylori estará presente em 65 a 80% da população portuguesa
Bactéria Helicobacter Pylori estará presente em 65 a 80% da população portuguesaArquivo

Projeto pioneiro de rastreio de bactéria associada ao cancro do estômago arranca nos Açores

Programa vai detetar a presença da bactéria helicobacter pylori com objetivo de eliminar um dos fatores de risco mais associados ao cancro gástrico, um dos mais letais em Portugal.
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Portugal é um dos países com maior incidência de casos de cancro no estômago na União Europeia, encontrando apenas comparação nos países de Leste saídos da antiga URSS (Letónia, Estónia e Lituânia). O tipo de alimentação, como o consumo frequente de enchidos e o excesso de sal, o tabagismo e o álcool, contempla alguns dos fatores de risco que ajudam a explicar o mau desempenho nacional neste tipo de cancro - o terceiro que mais mata no nosso país, só atrás dos do pulmão e colorretal.

Mas entre as principais causas conhecidas está também uma bactéria, a helicobacter pylori, comprovadamente associada a este tipo de tumor e a qual se estima que esteja presente em 65 a 80% da população portuguesa. É precisamente para tentar eliminar este fator de risco que arranca esta segunda-feira nos Açores um programa-piloto para o rastreio dessa bactéria junto da população da Ilha Terceira, onde a incidência do cancro de estômago é superior à média nacional. Se os resultados forem positivos, o rastreio poderá ser alargado a outras regiões.

“Num país onde o cancro gástrico é dos mais frequentes e mais mortais, a prevenção assume um papel determinante”, explica ao DN João Macedo, presidente do Centro de Oncologia dos Açores Prof. Doutor José Conde, que coordena o programa no terreno. Não se tratando de um “rastreio direto do cancro do estômago”, esclarece João Macedo, este programa insere-se na área da prevenção e permite “diagnosticar e eliminar uma infeção específica que pode determinar o desenvolvimento de cancro do estômago, como está já evidenciado”. É, por isso, “um projeto alinhado com a nova política europeia nesta área, que recomenda aos Estados que procedam ao alargamento dos rastreios oncológicos a outros três tipos de cancro além dos já existentes, e entre eles está o do estômago”. 

A importância do diagnóstico desta bactéria é suportada não só pelo facto “de se estimar que haja uma grande incidência da helicobacter pylori na população portuguesa” - entre 65 a 80% dos portugueses conviverão com ela -, como por esta estar “associada a 80% dos cancros gástricos e a mais de 40% das patologias nesta área”, refere o presidente do Centro de Oncologia dos Açores. Além do mais, sublinha, “é uma bactéria muitas vezes silenciosa, com a qual as pessoas convivem sem saberem sequer que a têm, na maioria dos casos”. “Podem tê-la muito tempo e não ter consequências, mas também pode ser esse o fator que vai levar ao desenvolvimento de um cancro do estômago”, reforça sobre a importância deste programa-piloto.

O projeto arranca na Ilha Terceira, onde o cancro gástrico tem uma incidência superior à média nacional, refere João Macedo, e, além disso, tem a vantagem de permitir testar uma abordagem de proximidade - “é uma ilha, a população é limitada e conseguimos controlar melhor a gestão do programa e o acompanhamento dos utentes”. Para essa estratégia de proximidade serão fundamentais as farmácias, outro parceiro do projeto, onde estão representadas pela Associação Nacional das Farmácias e pela Associação de Farmácias de Portugal. “São elas o ponta de lança do programa”, assegura João Macedo, realçando a relação privilegiada de confiança que têm com os utentes como um fator chave para sensibilizar a população a participar neste rastreio.

Esse é, portanto, um dos objetivos do programa: “medir se uma abordagem de maior proximidade, como a que esperamos conseguir nas farmácias, é mais eficaz do que a dos rastreios existentes”. O objetivo principal, reforça, é terapêutico e pode ter um impacto direto na redução dos índices de cancro gástrico, ao “conseguir atuar sobre um fator comprovado de risco oncológico, a helicobacter pylori, e eliminá-lo de forma definitiva e num curto espaço de tempo”. 

São elegíveis para o rastreio pessoas saudáveis, com mais de 18 anos, e que estejam inscritas nos centros de saúde da região. O rastreio consiste numa recolha de fezes, através de um kit disponibilizado nas farmácias, para deteção da bactéria. Caso o resultado seja positivo, o utente é chamado para iniciar um programa terapêutico que consiste na toma de um antibiótico que elimina a bactéria.

O Programa de Rastreio Oportunista de Helicobacter pylori (POHp) - que resulta do trabalho desenvolvido pelo Grupo de Trabalho de Prevenção do National Cancer HUB, criado pela Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica (AICIB) e pela Direção-Geral da Saúde (DGS), em linha com o Plano Nacional de Luta contra o Cancro 2021-2030 - tem uma duração prevista de seis meses, mas pode vir a ser alargado, caso a adesão da população o justifique, diz João Macedo. “Os resultados serão relevantes para avaliar o impacto potencial na prevenção do cancro do estômago e eventualmente replicar este programa de rastreio noutras zonas do país com elevada incidência deste tipo de cancro.”

rui.frias@dn.pt

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