A tragédia das tabuletas de trânsito
É verdade: o mundo a arder e eu a escrever sobre sinais de trânsito. Ou, mais propriamente, sobre sinais de “indicação” - aqueles que, como informa o decreto regulamentar 22-A/98, que regula a sinalização do trânsito, se destinam a “dar indicações úteis aos utentes” (sendo os utentes quem, em veículo, animal ou a pé, se desloca nas vias públicas).
E porquê? Porque de cada vez que ando de automóvel por Portugal, em zonas que conheço assim-assim, menos bem ou nada, me coloco, exasperada, a mesma questão: quem raio tem a incumbência de sinalizar as informações/direções, e qual o critério com que o faz? O que explica por exemplo que na Estrada Nacional (EN) 125 um utente vindo de Tavira e procurando a direção de Lisboa via auto-estrada tenha, durante quilómetros, de andar desorientado, encontrando apenas a indicação de auto-estrada Faro/Espanha, até ao momento em que numa rotunda, e apenas depois de nela entrar, vislumbra uma tabuleta a indicar Lisboa/auto-estrada? Não seria, sei lá, óbvio evidenciar ao longo do percurso que aquela direção é também a da auto-estrada que leva à capital do país? O mesmo - mas ao contrário - para a Via do Infante: por duas vezes, em viagens noturnas e com dois condutores diferentes, perdi a saída para Lisboa e segui em frente, quase atravessando todo o Algarve, até achar que eram quilómetros a mais e descobrir numa bomba de gasolina que a saída ficara lá atrás. Comentário de quem me desenganou: “Está sempre a acontecer”.
E está sempre a acontecer porquê? Porque os sinais apenas dizem “Lisboa xxx quilómetros”, até que surge, quase em cima da saída correta, a tabuleta “Lisboa/Messines” com referência A2. Se não se souber que aquela saída existe, é facílimo ou mesmo virtualmente certo que não se dê por ela, seguindo a indicação “Lisboa” até perceber que se gastou, em estultícia, uma hora de caminho. Ou pode suceder outra coisa: pode-se realizar de repente que é aquela a saída certa e tentar apanhá-la.
Dou estes dois exemplos como podia dar milhentos - e porque sendo o Algarve um dos locais do país mais frequentados, e há várias décadas, por turistas, nacionais e estrangeiros, seria quiçá de esperar um pouco mais de sensibilidade para forasteiros. Mas nada - antes do advento do GPS, restava a fé na divindade, que como é sabido raramente funciona.
Quantos acidentes ocorrem em Portugal por causa de má sinalização nas estradas não creio que alguém tenha estimado, como não creio que por cá, como na Suécia, se tenha levado tão a sério a determinação de acabar com as fatalidades nas estradas que se investigue cada acidente mortal para perceber a causa - chegando-se à conclusão de que muitas das vítimas não eram bêbados ou condutores irresponsáveis, mas pessoas que cometeram pequenos erros num sistema sem margem para erro. Essa noção levou o governo sueco a determinar, num projeto de lei governamental de 1997, que os responsáveis pelo sistema têm de tomar todas as medidas necessárias para que haja menos ferimentos e mortes resultantes de acidentes rodoviários - o que, como traduz a BBC num artigo de maio último, se lê: “Quem desenha as estradas não pode pensá-las para condutores ideais que nunca se distraem ou excedem o limite de velocidade; tem de as fazer para pessoas reais, que cometem erros”.
É muito mais fácil cometer erros num sistema errado, pelo que ao fim de décadas de irritação resolvi tentar perceber que critérios existem, se alguns, para as sinalizações de estrada, quem os põe em prática e quem fiscaliza - se alguém. Encontrei o supramencionado regulamento, no qual procurei o título de responsabilidade: quem gere as malditas tabuletas? Para ficar na mesma: “A instalação de sinais de trânsito nas vias públicas só pode ser efetuada pelas entidades competentes para a sua sinalização ou mediante autorização destas entidades”. Liguei então para a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), da qual me explicaram que nas zonas não concessionadas são os municípios que colocam as tabuletas; nas auto-estradas, as concessionárias. “Os critérios às vezes são muito liberais”, admitiu a pessoa, muito simpática e prestável, que me atendeu, dando-me razão no que respeita a sinalização de rotundas e de saídas e à possibilidade de essas deficiências serem responsáveis por acidentes. E recomendou: “Quando as pessoas se dão conta desses casos devem comunicar-nos para irmos fiscalizar”.
Porque, como se lê no site da Autoridade na secção “Informação Técnica”, até há critérios. Por exemplo no que respeita a rotundas tem de existir (quem diria?) um “pré-aviso gráfico”, “colocado nas proximidades da rotunda, com indicação dos destinos e identificação das estradas que os servem”. Face ao observado preferia que este “nas proximidades” fosse mais claro, com número de metros, para não dar azo a invenções. E sobretudo preferia acreditar que a fiscalização da ANSR é eficaz e as suas indicações são acatadas. Porém no documento “pontos negros” (referindo-se a locais perigosos nos quais ocorreu sinistralidade grave) encontrei, relativo à EN125, várias anotações, designadamente, em relação a uma rotunda, “sinalização vertical de código de orientação em desconformidade com o Regulamento de Sinalização de Trânsito”. A data da observação é dezembro de 2023, lendo-se “não implementada”. No troço analisado, diz o relatório da fiscalização em causa, houve vários acidentes desde 2017, com um “custo socioeconómico” de mais de três milhões de euros.
Se calhar, digo eu, num país que com uma média anual de 60 mortes na estrada por milhão de habitantes ocupa o sexto lugar no top da UE, os "custos socioeconómicos" justificam