Kamala Harris ou Donald Trump? O programa de quem ganhar a corrida à Casa Branca definirá os interesses dos EUA e terá impacto geopolítico. Mas não só: como irá o país gerir a dívida para pagar a agenda do 48.º presidente dos EUA? A questão ficou fora do debate eleitoral, mas é de extrema importância dada a forma como os interesses norte-americanos influenciam a economia global. O DN questionou economistas sobre o tema..“Tudo vai depender da capacidade que cada um tiver de implementar o seu programa económico”, afirma Susana Peralta, professora associada na Nova SBE. A especialista em Economia Política refere que as estimativas “mais razoáveis” apontam para um aumento da dívida dos EUA entre 2026 e 2035 na ordem dos quatro biliões de dólares se for Harris a presidente, ou em cerca de 7,75 biliões se Trump regressar à Casa Branca. “Biliões à portuguesa [milhões de milhões], com 12 zeros”, vinca..Esta evolução significaria que a dívida valerá 133% do produto interno bruto (PIB) dos EUA, no caso de Harris, ou 142% do PIB no caso de Trump, em 2035. No final de junho, a dívida pública federal dos EUA ascendia a 122,3% do PIB..Em ambos os cenários a ordem de grandeza dá que pensar, mesmo para os mercados financeiros internacionais, onde a próxima administração terá de captar fundos para concretizar o programa que leva a votos no dia 5..Gonçalo Pina, professor de Economia Internacional na ESCP Business School, não vê na dívida “um problema”, a não ser pela vertente política, uma vez que é o Congresso dos EUA a definir o teto da dívida. “[Para já] continua a existir um apetite considerável por dívida pública americana”, assevera. Mas admite, todavia, que a questão da dívida se torne um problema “se os EUA destruírem condições que permitem a facilidade de financiamento nos mercados globais”..“Se Trump [for presidente e] acabar com a independência do banco central ou prejudicar a capacidade dos mercados financeiros americanos servirem o mercado global, isso poderá reduzir a confiança no dólar e criar problemas de financiamento nos EUA”, argumenta..Mercados com perceção de que Trump vencerá.É no cenário da incerteza que o tema da dívida se torna central - e ganha relevo por ter ficado de fora do debate eleitoral -, uma vez que não é claro que quem vença as eleições de dia 5 tenha o apoio maioritário no Capitólio, onde reside o poder legislativo do Congresso que abre caminho (ou não) à agenda do presidente..Qual é a perceção dos mercados financeiros? Segundo Filipe Garcia, presidente da IMF - Informação de Mercados Financeiros, observou-se “alguma redução da exposição ao risco”, nos últimos dias, o que “é normal”, antes de um ato eleitoral norte-americano. .Até aqui, as bolsas nos EUA estavam com “uma performance muito melhor do que as europeias”, devido “à perceção de que a economia europeia está pior - o que é verdade - e que Trump irá vencer”. “E isso tem-se notado bastante nos mercados emergentes - a China não tem subido e, por exemplo, a moeda do México tem desvalorizado”, diz..No mercado da dívida, sobem as taxas de juro de longo prazo do dólar, “com a perceção de que o ambiente será mais inflacionista daqui para a frente e que também quem ganhar vai continuar uma política de gastos públicos elevados por parte do governo dos EUA, com mais dívida. “E há alguns receios de que a dívida possa ser difícil de gerir”, acrescenta, comentando que “se Trump ganhar não vai ajudar às perspetivas de crescimento europeu e causará até uma pressão em baixa na inflação na Europa, e também nas taxas de juros”..Kamala vs. Donald.O que distingue Harris de Trump, do ponto de vista económico? A resposta é “complexa”, segundo Gonçalo Pina. “Os dois querem aumentar o nível de dívida pública”, anota, mas haverá diferenças. Se Harris for eleita, “será uma continuação da Administração Biden, talvez com um foco mais forte em questões internas”. “Com Trump, na melhor das hipóteses, será um isolamento gradual da economia americana.”.Filipe Grilo, professor de Economia da Porto Business School (PBS), nota que Trump defende “uma redução da taxa do imposto sobre os lucros - o equivalente ao IRC em Portugal - de 21% para 15%” e propõe “incentivos ao investimento”, mas o foco passa pelo comércio internacional, com “um aumento significativo das tarifas comerciais, particularmente sobre importações da China, elevando-as para 60%”. Para a Europa, já admitiu uma subida para 30%, refira-se..As tarifas são uma questão de protecionismo. “No entanto, esta medida, embora eficaz para captar apoio eleitoral, tem poucas probabilidades de ser aprovada no Congresso americano”. E é um tema que aproxima Harris de Trump. “As tarifas [sobre as importações] foram implementadas pela Administração Trump e não foram eliminadas pela Administração Biden [da qual Harris é vice-presidente]. É verdade que Harris não está a propor tarifas novas e Trump está, mas isso não reflete nenhuma tendência geral sobre visões sobre a economia, até porque ouvindo o que diz Trump, fica claro que ele não sabe como funciona uma tarifa aduaneira”, explica Gonçalo Pina..Susana Peralta defende que Harris e o seu programa, tal como o de Biden em 2021, “também é protecionista”. A questão é que “Trump junta uma agenda protecionista a uma agenda, obviamente, perversa”, empolada por um “caráter errático” e um estilo “confrontacional”. A economista considera que hoje “ninguém é totalmente free trade”, mas que a postura do candidato republicano pode “levar a que indústrias inteiras deixem de exportar para os EUA”, com impactos diretos para a Europa, com “consequências enormes no mercado interno e travando as exportações dos restantes mercados em relação aos EUA”. “Até alguns republicanos moderados poderão opor-se a uma política tão agressiva”, lembra Filipe Grilo..Do lado de Harris, o foco, refere o professor da PBS, passa por “alimentar o consumo interno, aliviando a carga fiscal das famílias mais pobres”, incluindo “um aumento das deduções no imposto sobre o rendimento pessoal - o equivalente ao IRS português - para famílias com filhos e a expansão do programa de crédito fiscal, beneficiando mais trabalhadores pobres, permitindo-lhes pagar menos impostos e, em casos extremos, receber subsídio”..Peralta refere, ainda, que nem Harris, nem Trump “defendem uma política de braços abertos à imigração”, mas de formas diferentes. Um tema com impacto na economia, pois “as pessoas também são um fator de produção” e uma alteração radical “poderá desequilibrar bastante os países dadores de imigrantes para os EUA, sobretudo na zona das Américas e do Pacífico”.