"Mãos no Fogo", um filme para dividir opiniões...
"Mãos no Fogo", um filme para dividir opiniões...

“É importante para a Margarida Gil voltar a entrar num grande festival”

Alexandre Oliveira, produtor de Mãos no Fogo, lança a única longa-metragem portuguesa na seleção oficial de Berlim, da secção Encontros. O regresso à ribalta de Margarida Gil com um filme assanhadamente polarizador.
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Passa hoje a única longa-metragem de ficção portuguesa, Mãos no Fogo, de Margarida Gil, em competição no Encontros, a secção destinada a novas linguagens e olhares do cinema moderno. Uma seleção que surpreendeu muitos, supostamente porque se acreditava que se privilegiavam cineastas emergentes. A “emergente” de 73 anos faz um filme com um arrojo visual que o comité de seleção achou novo. E, de facto, Mãos no Fogo, é tudo menos o bafio que era o anterior Mar. Cinema dentro do cinema numa história de uma estudante de cinema que vai filmar a sua tese de cinema do real para uma casa senhorial histórica do Minho. Uma casa que esconde segredos, segredos esses que podem ser servidos em Super 8 e com as taras mais perversas. Fala-se em Agustina e Oliveira, joga-se com a memória de um certo cinema português. Arqueologia cinéfila? Pode ser um dos caminhos mas outro deles é um amor pela película, pela luz. Nesse aspeto, haverá quem gritará que o filme é também do diretor de fotografia, neste caso o ilustre mestre Acácio de Almeida.

Quando se pensavam que seriam outros filmes novos portugueses, é Mãos no Fogo o único a conseguir esta visibilidade. Feito também de um produtor que tem construído um caminho, Alexandre Oliveira, da Ar de Filmes, a produtora que nos últimos anos tomou conta do revitalizante percurso de João Botelho. “isto de estarmos em Berlim é muito bom para a Margarida Gil, atesta a capacidade de se reinventar. Trata-se de um prémio para a sua rebeldia intelectual! Sobretudo por estar nesta secção, o Encontros. É um filme extremamente jovem”, conta-nos o produtor com sorriso alargado. Uma conquista também da sua produtora.

“Este é um filme contra a corrente, não é para deixar as pessoas cómodas. Quando não se está pacificado o cinema dá-nos coisas diferentes.  A mim agrada-me particularmente...”, continua o homem que também dirige o Teatro do Bairro, em Lisboa, concordando que este é também um filme que convoca um ato de resistência de um certo cinema: “sim, de um certo cinema europeu onde a posição da câmara tinha a ver com ética, com filosofia e luz. Era essa a ideia de cinema que tinha quando saí da Escola de Cinema, depois tudo se transformou. Veio o real... Mas o filme da Margarida passa muito por essa cerimónia do filmar. Uma memória que agora se perdeu um pouco com o vídeo... Acho mesmo muito bonita essa ideia do meta filme sobre um cinema que de certa maneira se perdeu. Para mim, enquanto produtor é sempre um prazer pegar num guião como este, um guião que parte de uma grande novela do Henry James, A Volta no Parafuso. Foi um processo muito engraçado também quando fomos contactar a Cinemateca para arranjar os equipamentos e a câmara para a cineasta a partir do ANIM, etc. Houve um historicismo que foi muito interessante!”.

Ainda em relação à seleção de Berlim, Alexandre Oliveira não tem dúvidas: “foi muito importante esta presença em Berlim! Isto é mesmo uma conquista na medida em que não tivemos que coproduzir com nenhum outro país, caso contrário iríamos estar uns três ou quatro anos à espera. Tenho feito cada vez menos coproduções porque tenho cineastas com uma certa idade e o tempo de espera para eles não é algo evidente. Um filme sem outros produtores internacionais torna-se mais difícil de poder entrar num grande festival. Mãos no Fogo conseguiu entrar pelo seu mérito próprio. E é muito importante para a Margarida voltar a entrar num grande festival, mesmo pensando que tenha um histórico muito bonito em festivais. Volto a dizer, este é um filme muito exuberante e é muito difícil alguém se reinventar assim!! ”.

Alexandre Oliveira, enfim num grande festival.

Diálogo com a arquitectura

"Architecton" - um passe para uma experiência de sentir o mundo pela arquitetura.

Na competição há um filme que desafia convenções mesmo quando não vai pelo radicalismo que chega a sugerir. Chama-se Architecton e é a nova extravagância de Victor Kossokovsky, cineasta de Aquarela: A Força da Natureza, um documentarista russo que fala das matérias do mundo. Depois da água, dedica-se ao elemento mais consumido pelo homem, o cimento e pede ao arquiteto italiano Michele De Lucchi para nos fazer uma visita guiada por locais onde a arquitectura antiga pode ter um peso de ensinamento histórico, das ruínas de Baalbek, no Líbano às cidades destruídas da Turquia pelo terramoto. Um libelo contra o flagelo da má arquitectura numa experiência visual que tenta dar uma complexidade física à paisagem e à força natural das pedras. Tem também como prioridade mostrar o lugar da arte da arquitectura no comportamento humano no futuro, ou seja, a máxima ampliada de que somos aquilo que nos envolve. 
Trata-se de um filme muito prostrado num mundo próprio, repleto de filmagens em drone e de uma escala imperial. São imagens do sagrado, algures próximas de um estado de deslumbramento mas também presas a uma certa limitação esquemática. Na América terá uma campanha de respeito pela A24. Não deixa de ser um objeto para encher o olho....

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