Elevação cultural de Lisboa tem cada vez mais mão estrangeira

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"É um ano mau para a arte”, suspira Ai Weiwei depois de inspecionar a sua última exposição em Lisboa, Paradigm, na Galeria São Roque em São Bento, que exibe porcelanas poderosas e uma espetacular composição de frutas e vegetais de cerâmica inspirados por um colorido mercado turco.

Surpreendentemente, a composição parece um eco de Bordalo Pinheiro, embora a peça tenha até um nome turco, Pazar, que significa mercado.
Ai Weiwei refere-se às guerras em curso no mundo e às intermináveis disputas políticas que não permitem que as pessoas se concentrem na beleza, mas a realidade de Lisboa rejeita o diagnóstico pessimista do mundo.

Nesta semana veremos duas inaugurações ousadas nesta cidade, a Arco na Cordoaria e Lisbon by Design em vários locais e também, explodindo por toda a cidade, mostras individuais de grandes artistas como Cabrita Reis no Palácio da Mitra.

Há uma razão principal para isto: os estrangeiros. Estes são os fãs obstinados de Portugal que injetaram um elixir da juventude nas veias esclerosadas da cidade, e as comunidades estão a tomar conta disso.
Mais de 20% da população de Lisboa, que é estrangeira, contribui para devolver o brilho à imagem de “cidade global” lançada no século XV e que deu a volta ao mundo.

Ai Weiwei, que vive parte do tempo numa quinta no Alentejo, obrigou os visitantes a confrontar a realidade com o seu Rapture na Cordoaria em 2021, utilizando materiais locais como cortiça, azulejos, tecidos e pedras da região. A sua obra teve a curadoria de Marcelo Dantas, produtor multimédia brasileiro e criador de museus ao redor do mundo.

O que está a acontecer em Lisboa está relacionado com o título da Bienal de Veneza deste ano. Parece que a cultura e a língua portuguesas estão a assumir uma dimensão global adicional na atual Bienal de Veneza, que dá a temperatura da arte em todo o mundo. Intitulada Stranieri Ovunque-Foreigners Everywhere (Estrangeiros em Todos os Lugares), tem a curadoria do também brasileiro Adriano Pedrosa, que trouxe 330 artistas de 90 países para a cidade dos canais.

Ai Weiwei, um dos artistas mais transformadores e versáteis do nosso tempo, está simultaneamente em Veneza com outra exposição: Neither Nor. Nesta mostra ele utiliza a mesma técnica assombrosa de tijolos Lego da atual exposição de Lisboa Paradigm, juntamente com obras históricas de porcelana, madeira, bambu e mármore. Ou seja, é Veneza em Lisboa.

‘’Para ter uma ideia do amanhã observe os artistas hoje’’, diz o ditado.

Embora a mesa redonda com frutas e vegetais coloridos tenha sido criada antes de Ai WeiWei se mudar para Montemor-o-Novo, todos os visitantes exclamaram que era uma reminiscência de Bordalo Pinheiro. Ai Weiwei diz que nunca tinha esbarrado no trabalho de Bordalo Pinheiro antes de se mudar para Portugal. Ele ainda se maravilha com a coincidência. Um acaso!

Agora começou a colecionar algumas peças de Bordalo Pinheiro e a prepará-las para serem colocadas ao lado dos seus jarrões Ming chineses em futuras instalações.

Ai Weiwei reemergiu da sua vida no campo para a abertura da exposição, lamentando que as raposas comessem as galinhas da sua quinta, que ele descreve como a sua casa principal.

A mistura de ‘’fusão estrangeira’’ e “pegada’’ é o que impulsiona o panorama artístico lisboeta, explica o fundador da Galeria de São Roque, Mário Roque.

A Arco, um evento anual espanhol de craveira mundial, decidiu replicar o acontecimento aqui pelo sétimo ano com 84 galerias de 15 países na Cordoaria. Adaptou o seu carácter distintivo de vanguarda e arte de nicho para o longo edifício.

Entretanto, a Lisbon Design Week monopoliza mais de 75 localizações urbanas em cinco dias em torno de uma infinidade de bairros lisboetas. Mais uma vez o fundador é estrangeiro, Michele Fajtmann, belga que viveu em Bruxelas, Nova Iorque, Varsóvia, Londres e agora residente em Lisboa. Os criadores e as lojas parecem uma torre de Babel incluindo alguns arquitectos de fama mundial e artesãos de Portugal.

Em novembro, a Lisbon Art Weekend, fundada pelos residentes turco e francês da cidade, Merve Pakyurek e Marc Kean Paker, florescerá pela capital pela sexta vez.

Naturalmente, Portugal deu muitos arquitetos e artistas talentosos ao cenário artístico internacional e enriqueceu-o.

Esta corrente sanguínea renovada servirá de vacinação positiva com a entrada de alguns estrangeiros que culpamos de danificarem a beleza da magia de Lisboa.

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