DCIAP investiga “obras inventadas” e “favorecimento dos grupos económicos”
As denúncias foram publicadas, no DN, a 17 de janeiro do ano passado. Quatro meses depois, e após uma Comissão de Inquérito no Parlamento madeirense, o PS entregou uma queixa no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Funchal. As “obras inventadas”, o “esbanjar de dinheiros” e o “poder” dos empresários que, a “dada altura, começaram a condicionar a governação”, reveladas por antigos governantes de Alberto João Jardim e de Miguel Albuquerque, estão “em investigação no Departamento Central Central de Investigação e Ação Penal”, em Lisboa. O PS, na documentação enviada ao MP, 72 páginas da denúncia e 8 documentos anexos, identificou 12 alvos.
Seis alvos por “abuso de poder” ou “crime de desobediência”: Miguel Albuquerque (presidente do Governo Regional da Madeira), Pedro Calado (presidente da Câmara do Funchal e ex-vice de Albuquerque), Jorge Carvalho (secretário Regional de Educação, Ciência e Tecnologia), Eduardo Jesus (secretário Regional de Turismo e Cultura), Susana Prada (secretária Regional de Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climáticas) e a própria Presidência do Governo Regional da Madeira; um por ter ocultado “interesses empresariais”: Adolfo Brazão (que foi presidente da Comissão de Inquérito às “obras inventadas”); três alvos por obtenção de “favorecimento”: Luís Miguel Sousa (Grupo Sousa), Avelino Farinha (Grupo AFA) e Dionísio Pestana (Grupo Pestana); um por “influência”: Jaime Ramos (antigo líder parlamentar e secretário-geral do PSD-Madeira); e depois uma denúncia contra “incertos”.
A PGR confirmou, ao DN, que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) está a investigar o caso, mas não esclarece se já “foram constituídos arguidos” na sequência da queixa entregue.
Para os socialistas, os “factos” apurados são “suscetíveis de configurar a prática de crimes da responsabilidade de titulares de cargos políticos, previstos na Lei n.º 34/87, de 16 de julho, ou cometidos no exercício de funções públicas, previstos no Código Penal, designadamente, crime de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 26.º” da mesma lei.
A investigação surge na sequência das declarações de antigos governantes de Alberto João jardim (João Cunha e Silva e Miguel Sousa) e de Miguel Albuquerque ( Sérgio Marques) ao DN.
Miguel Sousa, que esteve nos Governos de Alberto João Jardim de 1980 a 1992, evidenciou um “esbanjar de dinheiros” a partir de 2000, que “fizeram tudo o que era pensável e impensável, o necessário e o desnecessário, o que nunca vai ser preciso, o que nunca ficou pronto nem vai ficar (…). E pronto, a Madeira foi à bancarrota (…) eles [os do Governo de Jardim] pegam em 15 mil milhões de euros - 15 mil milhões de euros! -, e quase metade foi dívida, e gastam-no em 10 anos! Ninguém fazia contas, toda a gente autorizava tudo, ninguém se opunha a isso. (…) Qualquer pessoa conhecedora, atenta à vida da Madeira, percebe isso. A partir de 2000 foi assim.”
Como era antes? “A Madeira acaba o aeroporto, tem tudo feito: o que era preciso fazer. E não tinha dívida. Ora isto era o céu na terra. Melhor não era possível.”
Sérgio Marques, secretário regional entre 2015 e 2017, no primeiro Governo de Miguel Albuquerque, relatou que “começaram a inventar-se obras, quis-se continuar no mesmo esquema de Governo, a mesma linha. Obras sem necessidade, aquela lógica das sociedades de desenvolvimento, todo aquele investimento louco. (…) o vice do Jardim, o meu colega Cunha e Silva, acabou por fazer com que muitos vícios, muitas coisas menos boas, tivessem ocorrido. E depois a influência do Jaime Ramos [empresário e antigo secretário-geral do PSD-Madeira]... o crescimento dos grupos económicos”.
O problema, identificou, é que “esta governação social-democrata acabou por levar a que se afirmassem quatro ou cinco grupos económicos, que acabaram por acumular muito poder: Sousa, Avelino, Pestana, Trindade e Trindade/Blandy”.
E a consequência? “Quando houve a remodelação do Governo, quando eu deixo o Governo, houve ali muito dedo do Jardim. O Jardim jogou as suas peças e pôs o Avelino [Grupo AFA] e o Sousa [Grupo Sousa] em campo. O [Luís Miguel] Sousa consegue afastar o Eduardo Jesus, porque o Eduardo Jesus [ secretário regional] tinha uma agenda para reformular o porto. O Avelino [Farinha] não estava satisfeito com o meu desempenho nas obras públicas, porque eu é que era o secretário das Obras Públicas, e ele sempre se habituou a ter um secretário que o servisse. Comigo isso não acontecia (...), o Avelino depois consegue afastar-me das obras públicas. Ele não queria que eu saísse do Governo, ele queria era só afastar-me das obras públicas”, explicou.
Alvo das críticas de Miguel Sousa e de Sérgio Marques, João Cunha e Silva, vice de Jardim de 2000 a 2015 e que foi número dois de Albuquerque nas eleições de dia 26 de maio, responderia, ao DN, que “as inimizades estão mais dentro dos nossos próprios partidos do que nos adversários. (…) Não me arrependo nada do percurso que fiz. Pode ter havido um degrau ou outro em que eu talvez devesse ter saltado, mas isso são particularidades”.
“São acusações muito graves de alguém [referência a Sérgio Marques] que conhece o regime e o PSD-Madeira por dentro, que foi deputado regional, deputado na Assembleia da República, eurodeputado e governante. Foi precisamente enquanto secretário regional que considerou ter sido afastado por pressões de grupos económicos. Por outro lado, denunciou favorecimento a esses grupos económicos e toda uma série de obras desnecessárias que foram realizadas na Madeira e endividaram a Região e todos os madeirenses”, resumiu, a 18 de maio, o então líder do PS.
Sérgio Gonçalves esperava que fosse “aberto um processo de inquérito a todas estas matérias que visam, acima de tudo, o presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, e o Governo Regional da Madeira”.
Para além das questões relacionadas com os “favorecimentos” aos grupos Sousa, AFA, Pestana e Sociedades de Desenvolvimento, os socialistas elaboraram ainda, na queixa entregue no DIAP do Funchal e agora em investigação no DCIAP, em Lisboa, sobre “Os empecilhos burocráticos e práticos causados a outros empresários”, O estranho “desconhecimento” de Miguel Filipe Machado de Albuquerque e os acordos celebrados com a AFAVIAS” e sobre “A necessidade dos grandes grupos económicos controlarem os media” - o facto de os grupos Sousa e AFA “dominarem” os dois jornais da região.
Da análise à documentação entregue pelo PS há 1 ano e 17 dias, para além da configuração dos alegados crimes de “abuso de poder”, fontes judiciais contactadas pelo DN, na altura, concederam que ficaram implícitos, pelo descritivo, nomeadamente, os crimes de prevaricação [o titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de, por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de dois a oito anos]; os crimes de recusa de cooperação [o titular de cargo político que, tendo recebido requisição legal da autoridade competente para prestar cooperação, possível em razão do seu cargo, para a administração da justiça ou qualquer serviço público, se recusar a prestá-la, ou, sem motivo legítimo, a não prestar, será punido com prisão de três meses a um ano ou multa de 50 a 100 dias]; e até crimes de tráfico de influência [quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não-patrimonial, ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública, nacional ou estrangeira (...). Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer vantagem patrimonial ou não-patrimonial às pessoas referidas no número anterior].
Que obras inventadas? Quase 900 milhões. As contas dos partidos da oposição, em particular PS, IL e PCP, são simples de fazer: mais de 470 milhões em “obras inventadas” do passado [por serem desnecessárias], 150 milhões para o prolongamento do Molhe da Pontinha - que Pedro Calado, ex-autarca do Funchal e ex-vice presidente do Governo Regional, disse ser “importante” para proteger o Funchal de “tsunamis”, mas que o Estado não incluiu no PRR por não ser “importante” - 30 milhões para um teleférico em plena área protegida no Curral das Freiras e 240 milhões “injetados por Miguel Albuquerque nas falidas sociedades de desenvolvimento”.
E ainda está por esclarecer, garantiu o PS, na queixa agora sob investigação do DCIAP, se "o Presidente da Assembleia [José Manuel Rodrigues, do CDS] comunicou à Procuradoria-Geral da República o conteúdo da resolução ou do requerimento que determinou a realização da comissão de inquérito e se esta entidade informou a Assembleia se se encontra em curso algum processo criminal, com base nos mesmos factos, e em que fase, de modo que, em caso afirmativo, a Assembleia pudesse deliberar sobre a eventual suspensão do processo de inquérito parlamentar até ao trânsito em julgado da correspondente sentença judicial".
“Despesas inúteis, desperdícios sem qualquer justificação, obras sem qualquer utilidade”, afirmou José Manuel Rodrigues, atual líder do CDS, há 12 anos.