Concursos públicos desertos colocam em risco execução das 26 mil casas do PRR
As 26 mil casas ao abrigo do 1.º Direito, programa criado para dar resposta às famílias que vivem em situação de grave carência habitacional, correm o risco de não estarem concluídas até 30 de junho de 2026 e, por isso, perderem o financiamento a 100% do Plano de Recuperação e Resiliência. “Mantêm-se as dificuldades ao nível dos concursos públicos, muitos ficam desertos, pelo que é preciso que existam empresas para construir as casas”, diz ao DN Luísa Salgueiro, presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). Mas a falta de resposta das construtoras está longe de ser o único problema.
Segundo a autarca, o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), “que tem um papel fundamental no acompanhamento dos processos e na intervenção nas candidaturas, tem uma estrutura sem capacidade de resposta à demanda de intervenções, o que muito tem prejudicado a celeridade destes procedimentos”. Também “têm existido muitos constrangimentos na fase de elaboração e aprovação de projetos, de visto do Tribunal de Contas, entre outros”, adianta ainda. Com este quadro, há milhares de famílias que podem ver adiada uma resposta atempada à precariedade da sua situação habitacional. “Os riscos existem”, admite Luísa Salgueiro.
Para contornar a falta de capacidade do IHRU em agilizar os processos, o Governo propôs termos de responsabilidade e aceitação pelos municípios, medida para permitir às câmaras avançarem na construção ou reabilitação das casas destinadas às famílias mais vulneráveis. Apesar de alguma controvérsia, a ANMP acabou por aceitar a proposta do Executivo da AD. Como afirma Luísa Salgueiro, a ANMP considerou o Termo de Responsabilidade e Aceitação “aceitável, pois o que está em causa é o cumprimento das metas do PRR”. No entanto, diz, a associação de municípios lamenta que o IHRU não tenha tido capacidade para resolver esta matéria e sublinha “que compete a cada um dos autarcas analisar se está em condições de garantir que a sua candidatura cumpre as condições estabelecidas no referido termo”.
Luísa Salgueiro frisa que esta aceitação “é mais um contributo que os autarcas estão a dar para ultrapassar os constrangimentos numa área fundamental para as populações como é a habitação”.
Segundo o último relatório de monitorização semanal do PRR (de dia 20 deste mês), a dotação de 3229 milhões de euros da Componente 2 - Habitação está totalmente aprovada, mas ainda só foram pagos 684 milhões de euros. A ANMP desconhece qual o número de casas construídas ou reabilitadas ao abrigo deste programa. Recorde-se que as candidaturas a financiamento abriram no final de 2021. Luísa Salgueiro, também presidente da Câmara de Matosinhos, diz que a ANMP “não tem elementos, nem competência para fazer esse ponto da situação”.
A plataforma O Contador, focada na habitação, dá nota de uma verba contratualizada até ao momento de 1614 milhões de euros, para um total de 19 444 fogos. De acordo com a mesma fonte, Lisboa é o concelho que lidera a contratualização de financiamento, com 213,5 milhões para 1722 habitações, segue-se Oeiras (149,6 milhões, para 2010 fogos), Setúbal (132,2 milhões, 1511 unidades), Matosinhos (89,5 milhões, 1065 casas) e a fechar a lista dos cinco municípios com maior verba contratualizada está a Maia (63 milhões, para 472 habitações).
O levantamento das autarquias ao número de famílias a viver em condições pouco dignas em Portugal detetou uma realidade que ultrapassa, em muito, as 26 mil casas previstas no programa. Em setembro, o Governo anunciou que pretende mais do que duplicar a oferta pública de habitação prevista no PRR e estipulou a meta de construir mais 33 mil casas até 2030. Para isso, avançou com um reforço de 2011 milhões, para um investimento de 2800 milhões, a financiar pelo Orçamento do Estado. Na ocasião, o Executivo revelou que só foram entregues 1600 casas do âmbito do 1.º Direito e garantiu que 16 mil habitações estarão concluídas até ao verão de 2026.