Universitários marcham contra “preços absurdos” da habitação
“Acho que é bastante importante lutar pelos direitos dos estudantes, sobretudo com a crise habitacional, que impossibilita muita gente de continuar cá [em Lisboa] a estudar”. Quem o diz é Diana Vasconcelos, 21 anos, estudante de Gestão. Com parcos recursos financeiros – a mãe é cuidadora de crianças institucionalizadas e o pai trabalha numa empresa de eletricidade –, a jovem acumula os estudos com o trabalho, o que lhe permite continuar no Ensino Superior. Mas as notas ressentem-se, bem como a sua saúde física e mental.
“É muito difícil. Basicamente, o meu pai encarrega-se da renda; a minha mãe da comida. Eu encarrego-me do resto, como as propinas e os meus gastos. Tenho dois trabalhos: faço ações de promoção, como hospedeira, em eventos, e também trabalho na faculdade, num projeto de acolhimento, onde nos pagam a quatro euros à hora”, refere a estudante. “Ando a fazer exames médicos e está a concluir-se que estou com um esgotamento, apesar de ainda ter de ir a um psicólogo”, descreve. “Ainda na semana passada fui trabalhar para receber o dinheiro que me vai permitir pagar as propinas”.
Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Mora perto da faculdade onde estuda Gestão, num apartamento de grandes dimensões, onde os quartos são arrendados. Paga 395 euros mensais. “Se calhar, mantemo-nos em condições que não são confortáveis com medo de depois não conseguirmos arranjar um local com um preço que possamos pagar”, lamenta a jovem, que refere alguma falta de higiene, sobretudo nas únicas duas casas de banho, para nove inquilinos.
Diogo Simões tem 18 anos e acaba de chegar a Lisboa vindo de Coimbra. Está no primeiro ano de Direito da Universidade Nova e teve “sorte”. “Foi um processo muito difícil porque, quando comecei a ver quartos, os preços eram exorbitantes. Entretanto, através de um amigo, consegui arranjar este quarto: pago 400 euros”.
Filho de uma enfermeira e de um professor, Diogo não tem de trabalhar. Ainda assim, manifesta preocupações. “Vou manifestar-me sobretudo pelo preço das casas em Lisboa. Mas também podemos falar de outros problemas, como as propinas dos mestrados que são muito altas. Ou dos problemas que certos estudantes, como os de Arquitetura ou Medicina Dentária, enfrentam, porque só em materiais e equipamentos, para a licenciatura, têm gastos muito avultados”, avança o estudante. “Juntar a isso um quarto em Lisboa, cuja média de preço anda nos 450 euros, não é fácil”.
De uma pequena aldeia perto de Condeixa, distrito de Coimbra, chegou Beatriz Diogo, que está no segundo ano de Direito, também na Universidade Nova. “Quando cheguei foi assustador. Começámos a ver quartos e os preços eram absurdos, na ordem dos 600 ou 700 euros”, avança. “Através de uma amiga da minha mãe consegui instalar-me num quarto, com casa de banho própria, no Saldanha, por 550 euros”.
Beatriz Diogo, natural de Coimbra e estudante de Direito na Universidade Nova. A estudante posa perto de sua casa com uma palavra de ordem que gostaria de ver na manifestação de estudantes do ensino superior.
Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
O preço era alto e “as regras absurdas, nem os meus pais podiam lá dormir, quando vinham a Lisboa”. Foi também um golpe de sorte que a salvou de um alojamento em más condições. Com o tempo fez amigos na faculdade e hoje arrenda, com dois colegas, uma casa na Lapa. “Cada um de nós paga 430 euros e as despesas, o que ronda os 500 euros por mês. O maior problema é que estamos numa zona onde há poucos transportes e demoramos cerca de 40 minutos a chegar à faculdade”.
De resto, tudo parece perfeito. “É a nossa casa. Somos nós que cuidamos dela e, como somos todos amigos, o ambiente é muito descontraído”. Porém, também Beatriz vai marchar devido aos altos preços da habitação, em Lisboa, que tanto afeta os estudantes deslocados. “Os preços das casas e dos quartos são caríssimos e as residências universitárias públicas são uma oferta quase inexistente. Aliás, eu nem sequer tive opção de ir para uma residência, porque não me encaixo nos parâmetros para poder aceder a isso, ou a uma bolsa, apesar de a minha família não ser de altos rendimentos. O meus pais são professores”, realça.
Ao mesmo tempo, Beatriz dá conta de que as condições não são as melhores nas residências públicas. “Há pouca higiene e houve uma altura, na residência pública que fica perto do nosso campus, em que nem sequer havia água quente e era inverno. Foi terrível!”.
Entre Beatriz e Diana há, ainda, outra coincidência. Ambas querem emigrar quando terminarem os estudos. “Gosto do que se ganha lá fora. Portugal só é opção quando já tiver algum dinheiro, senão aqui não consigo ter casa ou carro”. Beatriz acrescenta: “Quero trabalhar fora de Portugal, há mais oportunidades do que aqui”.
Os últimos dados do ministério da Ciência e Ensino Superior dão conta de que existem cerca de 120 mil estudantes universitários deslocados e apenas 20 mil camas em residências universitárias públicas. Estes estudantes são empurrados para o mercado imobiliário privado. Por isso, descontentes com os preços que pagam e com as condições em que alguns estão, não arredam pé e hoje participam da marcha “Teto, Habitação e Direito à Educação”, pelas 14.30, entre o Rossio e São Bento.
Associações académicas juntas nas reivindicações
A iniciativa partiu da Associação Académica de Coimbra e logo o movimento se estendeu a todo o país. Os estudantes universitários estão unidos nas reivindicações que os levam a manifestar-se hoje, em Lisboa.
O primeiro mote foi o da habitação, sob o lema: “Teto, Habitação e Direito à Educação”. Dias depois, a Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (AEFCSH) juntou novo tema para esta manifestação: “Queremos mais Abril Aqui”. E, aos problemas habitacionais, junta outros assuntos que preocupam a academia.
“Esta manifestação confluiu dois motes. A Académica de Coimbra lançou o apelo por causa da habitação e nós lançámos o ‘Queremos mais Abril Aqui’, algo mais vocacionado para as questões do próprio Ensino Superior”, explica Guilherme Vaz, vice-presidente da AEFCSH.
“Além da questão do alojamento, temos mais ideias para levar a esta manifestação como a gratuitidade do Ensino Superior. Neste aspeto, estamos muito longe da gratuitidade, com vários entraves económicos à sua frequência, como taxas de inscrição, emolumentos e a barreira principal, que é a propina. Sabemos de muitos estudantes que acabam por abandonar os estudos por não terem dinheiro”, avança este líder estudantil. “Ao mesmo tempo temos a questão da representação estudantil nos órgãos de gestão do Ensino Superior: há uma insuficiência e somos contra isso”.
Mariana Barbosa, vice-presidente da Federação Académica de Lisboa (FAL), acredita que hoje estarão nas ruas, a partir das 14.30, “mais de mil estudantes, de todo o país, dado que também vêm muitos autocarros de outras cidades”. E acrescenta: “A habitação é, no nosso entender, a maior barreira de acesso ao ensino superior. Mas há outras dificuldades no Ensino Superior, a nível pedagógico e da propina”, acrescenta a vice-presidente da FAL. “Escrevemos um caderno reivindicativo que temos estado a apresentar aos vários partidos, onde a habitação é uma das questões fundamentais, para a qual apresentamos soluções”, conclui.