Paris2024 também é o triunfo da emigração portuguesa
Patrick Branco Ruivo, Diretor da Torre Eiffel
“Nunca estou em paz com a Torre Eiffel: é sete dias por sete dias e 24 horas sobre 24 horas”
A Torre Eifffel, em Paris, o monumento mais visitado do mundo, ganhou por estes dias os anéis olímpicos, colocados entre o 1.º e o 2.º andar, e esperam-se ainda mais visitantes com o início dos Jogos (de 26 de julho a 11 de agosto). Será mais uma responsabilidade para Patrick Branco Ruivo, o lusodescendente com raízes do Alentejo que é diretor-geral da Dama de Ferro desde 2018.
O pai emigrou legalmente no início dos Anos 50. Tinha trocado as Minas de São Domingos pelo Metro de Lisboa, mas como sabia trabalhar a pedra foi chamado para colocar as peças de mármore nas casas de banho do Hotel Ritz. E foi aí que um colega lhe disse que o pai trabalhava em França e lhes arranjava “os papéis para irem”. E foi.
“Quando chegou teve um início de tuberculose e foi um ano para o sanatório onde escreveu uma carta à minha futura mãe, a ver se ela se queria casar com ele. Não se viam há sete anos, mas ela disse ‘Sm’ e casaram à distância. Ele assinou uma procuração aqui no Consulado e ela em Mértola. Só depois obteve os papéis para sair do país e o visto. Chegou em 1962 e eu já nasci em Meaux em 1971, na Região da Ilha de França, conhecida pelo fabrico do queijo Brie de Meaux”, contou ao DN Patrick, hoje com 53 anos.
Quando tinha 12 anos disse aos pais que queria ser embaixador e rumou a Paris para ingressar na Escola Normal Superior. Em 400 candidatos, entravam 14 e ele foi o 13.º. Formou-se em Economia e Direito. Cumpriu o Serviço Militar como qualquer francês, mas ao nível civil no Liceu Francês, em Atenas. Depois deu aulas numa faculdade durante cinco anos, mas entrou na prestigiada Escola Nacional da Administração, que forma 100 funcionários públicos de excelência para cargos estratégicos por ano. Patrick foi um deles, assim como o atual presidente Macron, um ano antes. Foi logo colocado no Hotel de Ville (Câmara de Paris). Ficou responsável pelos assuntos jurídicos públicos, antes de ir para o Bangladesh, como número dois da Embaixada de França. Voltou ao fim de três anos para integrar o gabinete da Direção dos Recursos Humanos da Câmara de Paris.
A política nunca o seduziu, mas quando foi convidado para ser conselheiro para os Assuntos Internos, com a pasta da reforma da Administração Pública aceitou e até gostou. Por isso, quando, em 2018, o convidaram para gerir a Société d’Exploitation de la Tour Eiffel sentiu o quão alto tinha subido: “Era essencial ser bem reconhecido pelos sindicatos e eu era.”
E foi assim que, em novembro de 2018, um lusodescendente com raízes no Alentejo chegou a diretor do monumento mais visitado do mundo. “O início foi terrível. O turismo ainda não tinha recuperado dos atentados de 2015 e enfrentámos logo uma revolta dos coletes amarelos [movimento sindical radical e espontâneo nascido em outubro de 2018] e o afastamento dos turistas. Depois fechámos um ano devido à covid-19 e aproveitámos para avançar com as obras de restauro, mas deparámo-nos com um problema de chumbo na estrutura e andámos às voltas com os arquitetos responsáveis pelos monumentos históricos para escolher a nova cor da estrutura... Passou, mas não foi fácil”, confessou ao DN, revelando ainda que 20,5% dos funcionários do monumento estão ligados a Portugal.
6,3 milhões de visitantes por ano
A Torre Eiffel muda de cor a cada sete anos. Inicialmente era vermelha, depois cor de laranja e castanha. Esta é a 20.º mudança: voltou ao castanho-amarelo que Gustavo Eiffel escolheu em 1907 para integrar a torre na cidade. Foram precisas 60 toneladas de tinta e ainda falta pintar o interior da estrutura.
Quando o céu está azul dá um efeito dourado à torre e fica com um aspeto mais jovem e um ar mais elegante, segundo o diretor, lembrando que até aos Anos 80 a Torre só teve quatro milhões de visitantes, porque as pessoas queriam subir ao topo e só dava para ir ao 1.º andar (57 metros).
“Hoje temos 6,3 milhões de visitantes por ano, média de 24 mil pessoas nos fins de semana”, conta. Mais anónimos do que famosos.
Durante a visita guiada que fez ao DN (honra idêntica à que Patrick deu a Jeff Bezos ou Celine Dion), desde as catacumbas onde estão os alicerces dos elevadores hidráulicos à zona mais alta e nobre, o diretor avistou fumo numa zona da cidade e alertou de imediato quem de direito. Essa também pode ser uma mais-valia da Torre Eiffel, que, segundo Patrick, era um triângulo sem graça idealizado pelo génio Gustavo Eiffel até o arquiteto Stephen Sauvestre lhe dar elegância. Hoje “é uma obra mutável, um puzzle incrível de 18 mil peças e que não se mexe (ou quase, mexe uns dois centímetros), tudo pensado sem computadores”.
Tinha 312 metros de altura e só devia ficar exposta 20 anos, mas foi salva pela guerra. Quando os vizinhos organizaram um movimento para a demolir, Eiffel foi ter com o ministro da Guerra e disse-lhe que a torre era do interesse da França e devia mantê-la como ponto estratégico devido às inovadoras transmissões sem fios, que, graças às antenas adicionadas, permitiam ouvir conversas de guerra e antecipar movimentos do adversários.
E assim a Dama de Ferro continuou a exibir a sua imponência. E agora sob gestão de um lusodescendente, que se emociona a ouvir histórias bonitas sobre ligações a Portugal e não resiste a um chocolatinho. Vem a Portugal “umas cinco vezes por ano”. Às vezes é só um fim de semana à sua casa em Fernão Ferro e, desde que dê para “tomar uma caipirinha na Praia do Meco”, está tudo bem, mesmo em alerta: “A Torre Eiffel é 99% de Paris e 1% da Área Metropolitana de Paris, mas tudo o que mexe com a torre é um assunto sensível. Nunca estou em paz com a Torre: é sete dias por sete dias e 24 horas sobre 24 horas.”
Patrick Branco Ruivo revitalizou o marketing à volta do monumento, que é visitado por 90 mil compatriotas por ano, fazendo acordos com empresas de topo e artistas que deram aos adereços alusivos à Torre Eiffel uma elegância e diversidade que antes não tinham. Hoje há uma sala de eventos, um restaurante com estrela Michelin, um terraço e zonas onde se pode apenas beber uma flute de champanhe e comer um macaron de assinatura exclusiva a mais de 250 metros de altura e com uma vista de perder o fôlego. Tanto que há sempre quem tente lá passar a noite. “Eles não sabem onde há câmaras e são apanhados, mas uns são mais astutos e posso dizer que alguns tiveram sucesso e podem dizer que passaram a noite na Torre Eiffel.”
Agora com Paris2024 a começar, quem conquistar uma Medalha Olímpica leva também um pedaço da Torre Eiffel. Cada uma é incrustada com um pedaço de ferro original da Dama de Ferro. O design é da conceituada joalharia LVMH Chaumet, que optou por incrustar o ferro original da Torre Eiffel em formato de hexágono - a forma geométrica do território francês - no núcleo da peça, seja de Ouro, Prata ou Bronze. “São pedaços metálicos removidos nas muitas restaurações e que estavam devidamente conservados num armazém. Peças genuínas da história parisiense que esperam encontrar novamente a glória graças a essa ideia genial de associar o monumento icónico de Paris e de França às conquistas olímpicas”, explicou Patrick Branco Ruivo.
Hermano Sanches Ruivo, vereador na Câmara de Paris
“Tudo está pensado para que Paris e França não façam má figura”
Foi o primeiro português eleito para a Câmara de Paris e é nessa condição que, 14 anos depois, Hermano Sanches Ruivo integra, por inerência, cerca de 20 outras instituições municipais ou metropolitanas parisienses, que lhe permitem “a honra” de estar diretamente ligado à logística dos Jogos Olímpicos na cidade que o acolheu no início da década de 70. Sem esconder que a cerimónia de abertura no Rio Sena, a 26 de julho, é a principal dor de cabeça, o luso-francês diz que há outras grandes interrogações, como a receção aos chefes de Estado ou as greves e manifestações dos coletes amarelos.
Quando, em maio, falou ao DN num café parisiense, os planos A, B e C da segurança de Paris2024 ainda não estavam fechados. No caso do desfile dos 94 barcos no Rio Sena, tudo depende do número de atletas que cada país quiser incorporar no desfile de 6 quilómetros. “O Plano A é o que queremos, é muito importante passar uma mensagem de segurança. Somos um país propenso a ataques, mas nesta altura a França pode dar essa garantia de segurança”, afiançou o vereador, mais preocupado com a contestação interna.
“Os coletes amarelos [movimento sindical radical e espontâneo nascido em outubro de 2018] e outros movimentos sindicais estão a aproveitar os Jogos Olímpicos para fazer exigências. Os funcionários da limpeza já conseguiram um aumento de 50 euros ao ameaçarem fazer greve à recolha dos lixos”, contou o vereador, que nasceu em Alcaíns (Castelo Branco) em 1966.
A logística da própria segurança “é ultrassecreta e ultracomplexa”, com zonas de controlo máximo, onde qualquer veículo motorizado é proibido e só quem tem o bilhete, trabalha ou habita nas zonas que acolhem eventos podem entrar. Os adeptos não-pagantes têm de se pré-inscrever dias antes da cerimónia de abertura para poderem ser escrutinados pelos Serviços Secretos e as ruas que ladeiam o Sena serão esvaziadas: “Estávamos a pensar em 600 mil, mas penso que vamos descer para os 300 mil adeptos por razões de segurança.”
A presença de 120 chefes de Estado - Marcelo Rebelo de Sousa mostrou intenção de estar presente - no Trocadéro, a céu aberto, vai aumentar a pressão sobre as autoridades francesas, que recorreram à Inteligência Artificial para saber de quantas janelas de apartamentos podem sair eventuais disparos de arma de longo alcance, para precaver tiroteios, e a sistemas avançados de controlo e interceção de drones, por exemplo. A polícia irá monitorizar as multidões através de centenas de câmaras. E apesar de garantirem que não farão uso de software de reconhecimento facial (proibido por lei), esperam que seja útil como scanner corporal.
“Tudo está pensado para que Paris e França não façam má figura” na primeira cerimónia de abertura pública em 128 anos de Jogos Olímpicos da Era Moderna. “É um desafio gigantesco, porque as manifestações são uma característica muito francesa. Em França primeiro manifesta-se e depois negoceia-se. Os polícias manifestaram-se no início do ano, os funcionários da limpeza em maio e há receio de novas ameaças de greve”, disse o vereador reeleito em 2020 para um terceiro mandato. É um dos 163 vereadores de Paris e um dos 43 executivos da equipa de Anne Hidalgo, com o pelouro dos Assuntos Europeus.
É nessa qualidade que Hermano olha para a herança de Paris2024, como o regresso de banhistas ao Sena... 50 anos e 1,4 mil milhões de euros depois. Qual pintura de Édouard Manet (1832-1885), no próximo ano o rio ficará acessível para banhos. “Já fizemos tudo o que era necessário, inaugurámos um centro gigante para acolher as águas de chuva, responsáveis por levar agentes poluidores para o Sena. Recolhe milhares de metros cúbicos e vai permitir a competição [triatlo e natação de águas abertas] e Macron mantém a ideia de mergulhar no Sena para o provar”, revelou, lembrando que Paris tem em média 111 dias de chuva por ano e uma tempestade de verão será um problema.
São esperados 12 milhões de pessoas entre 26 de julho a 11 de agosto (Jogos Olímpicos) e entre 28 de agosto a 8 de setembro (Jogos Paralímpicos). Muitos parisienses preparam-se para “fugir” aos JO, mas para Hermano, “a palavra fugir de Paris é um exagero”, pois todos os verões, os parisienses vão de férias no verão, assim como os emigrantes e ele próprio, há quase 50 anos.
Aprender português em França
Filho de Joaquim e Maria dos Anjos, chegou a França em 1971, altura em que a mãe se juntou ao pai, que tinha ideais de esquerda e decidiu emigrar com receio da PIDE . Hermano tinha 5 anos e cresceu com um pai trabalhar nos supermercados Carrefour e uma mãe operária numa fábrica de borrachas para vidros de automóveis. Nada que o tenha impedido de estudar e crescer com orgulho nas origens, ao ponto de ainda hoje ser um dos principais dinamizadores da cultura portuguesa. Recebeu inclusivamente a Comenda da Ordem de Mérito em 2011 por serviços prestados à comunidade e à língua de Camões, que considera “uma mais-valia e não um travão”, como muitos consideravam quando ele chegou a França.
Hoje dói-lhe a alma “ver que há 30 pessoas a aprender português em França e 250 mil a aprender francês em Portugal”. E, porque “não basta os pais falarem português com os filhos em casa”, diz que é “urgente olhar para os 2,5 milhões que escolhem o espanhol como segunda língua, muitos deles filhos de emigrantes portugueses”.
Essa é uma batalha pela qual vale a pena lutar: “Apelo a Luís Montenegro e a Marcelo Rebelo de Sousa, que retomem o diálogo com Emmanuel Macron para repor o ensino da língua portuguesa. Há uma proposta nesse sentido, mas é preciso pressão ao mais alto nível. O Governo não se pode marimbar, é um direito constitucional de todos os portugueses e nós somos portugueses.”
Hermano também esteve na origem da Santa Casa da Misericórdia de Paris, hoje liderada por Ilda Nunes, que chegou à capital francesa com 15 anos e se tornou a primeira mulher Provedora. E se Aristides de Sousa Mendes, Cônsul de Portugal em Bordéus durante a II Guerra Mundial, que salvou milhares de judeus da perseguição das forças Nazis com vistos portugueses, dá hoje nome a um dos passeios do Boulevard de Batignoles, muito se deve à incitava do albicastrense, que, apesar de benfiquista de alma e coração, durante a conversa com o DN não escondeu a alegria de ver um jovem com uma camisola do Sporting dias depois de os leões se sagrarem campeões.
Casado com “a Dina da Figueira da Foz” e pai de gémeos, um deles a estudar Ciência Política em Lisboa e outro Engenharia em Paris, formou-se em Relações Internacionais e foi um dos fundadores da Cap Magellan, a primeira associação de lusodescendentes na Europa. Hermano Sanches Ruivo é também presidente da associação Activa, grupo de amizade França-Portugal das Cidades e Coletividades Territoriais, que tanto organiza fóruns de cidadania, fiscalidade e emprego, como estabelece ligações comerciais e intercidades, porque “a dupla-cultura é importante e Portugal é solução”.
isaura.almeida@dn.pt