Quando os empresários digitais se tornam governantes do mundo

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A dinâmica entre tecnologia, democracia e governança global tornou-se progressivamente mais complexa, pois à medida que a tecnologia continua a evoluir, está a tornar-se cada vez mais difícil encontrar formas de preservar a integridade das democracias, proteger os direitos dos cidadãos e regular o poder das pessoas que comandam estas plataformas que transcendem largamente as fronteiras nacionais.

Vejamos, a Índia, que, como país mais populoso do mundo, tem atualmente 1441 milhões de habitantes, enquanto o Facebook tem 3065 milhões de utilizadores, o TikTok tem 1582 milhões, ao mesmo tempo que a União Europeia tem 450 milhões de habitantes, perante o Telegram que tem 900 milhões ou o X/Twitter que tem 611 milhões de utilizadores em todo o mundo.

As tecnologias digitais revolucionaram não só a forma como comunicamos, trabalhamos e nos relacionamos, mas também a economia e a geopolítica global, ao gerar grandes riquezas concentradas em muito poucas mãos e ao influenciar o curso dos países e da história.

Pessoas como Elon Musk da Tesla, Jeff Bezos da Amazon e Mark Zuckerberg do Facebook, eram apenas líderes de grandes empresas, que de repente se tornaram também figuras de destaque nas discussões sobre políticas públicas, sustentabilidade, Inteligência Artificial e até exploração espacial.

Elon Musk é um exemplo paradigmático desta transformação de um empresário em político à escala global, pois através da Tesla, impulsiona a transição para energias renováveis e a automação, com a Starlink domina o acesso às telecomunicações, com a SpaceX redefine o papel da Humanidade no cosmos e com a Neuralink explora as fronteiras da interface cérebro-computador, o que levanta questões éticas e existenciais ainda mal avaliadas.

Com a aquisição do Twitter (atual X), Elon Musk ampliou a sua influência nos meios de comunicação social, como arma política para capturar dados privados e moldar a opinião pública, tornando-se um exemplo de como um empresário pode enfrentar e influenciar a política global sem ocupar um cargo formal de governação, como tem acontecido recentemente nos casos do confronto das decisões do poder judiciário no Reino Unido e no Brasil.

Mark Zuckerberg, fundador do Facebook (atual Meta), também tem estado no centro de várias controvérsias políticas, ao ter sido acusado de escândalos como no caso da Cambridge Analytica ou na disseminação de desinformação, para manipulação eleitoral e polarização política, pois no centro desses negócios está sempre a exploração dos nossos dados privados, que fornecemos gratuitamente todos os dias a estas plataformas.

A concentração de poder nas mãos de poucos indivíduos, que controlam, tanto os meios de comunicação como as infraestruturas digitais, pode minar os princípios democráticos, ao permitir que decisões cruciais sejam tomadas por uma elite não-eleita, não apenas disseminando notícias falsas, mas também ao selecionar notícias verdadeiras, embora suficientemente personalizadas para gerar o medo, amplificar convicções e moldar comportamentos.

Os empresários da tecnologia não são eleitos e por isso não estão sujeitos ao mesmo nível de escrutínio e prestação de contas como os políticos tradicionais. A complexidade técnica das suas empresas e produtos, ao utilizar Inteligência Artificial e big data em larga escala, dificulta o escrutínio e a compreensão plena dos impactos das suas decisões, por parte do público, dos reguladores e dos poderes judiciários.

Os Governos e as organizações internacionais têm obrigação de intervir urgentemente em práticas empresariais abusivas, como mensagens ocultas em publicidade ou em “notícias”, em que são utilizados algoritmos que personalizam conteúdos de forma a maximizar decisões inconscientes (dark patterns), não apenas no consumo de determinados produtos, mas também na manipulação de decisões e comportamentos políticos, a que Yuval Harari chama hackeamento das mentes.

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