“Socorro! Ajudar sempre, nunca ajudar a morrer!”, lê-se num cartaz numa manifestação em Bordéus contra o suicídio assistido, em dezembro. Christophe ARCHAMBAULT / AFP
“Socorro! Ajudar sempre, nunca ajudar a morrer!”, lê-se num cartaz numa manifestação em Bordéus contra o suicídio assistido, em dezembro. Christophe ARCHAMBAULT / AFP

Depois do aborto, fim de vida é o novo cavalo de batalha de Macron

Presidente francês avança com temas controversos numa altura em que recupera alguma popularidade. Sondagens das eleições europeias, contudo, não são risonhas.
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Depois de o direito da interrupção voluntária da gravidez ter sido inscrito na Constituição francesa, iniciativa apoiada por dois terços dos franceses, o governo prepara nova legislação sobre outro tema bioético, o fim de vida, tendo o presidente Emmanuel Macron escolhido ser o próprio a apresentar o tema a discussão. Não faltaram reações acaloradas, da esquerda à direita. 

Em entrevista conjunta ao católico La Croix e ao esquerdista Libération, o chefe de Estado francês apresentou um projeto de lei que prevê para certos doentes terminais, “em condições estritas”, a possibilidade de administrar uma substância letal ou que recorram a um familiar ou a um profissional de saúde se forem incapazes. “Uma lei de fraternidade, uma lei que concilia a autonomia do indivíduo e a solidariedade da nação”, classificou, tendo recusado os termos consagrados sobre o tema (eutanásia e suicídio assistido), preferindo remeter a descrição da ação para quem vai redigir o projeto de lei. 

Segundo explicou, o projeto de lei será enviado nos próximos dias ao Conselho de Estado - o órgão que serve de consultor jurídico do governo e das duas câmaras -, devendo chegar a conselho de ministros em abril e à Assembleia Nacional em maio, para primeira leitura.

Em França, o fim de vida assistido está limitado ao previsto na lei Claeys-Léonetti, em vigor desde 2016, segundo a qual os doentes em fase terminal podem beneficiar de “sedação profunda e contínua até à morte”. 

Sem surpresa, a Igreja Católica mostrou-se contra: “Uma lei como esta, seja qual for o seu objetivo, vai inclinar todo o nosso sistema de saúde para a morte como solução”, disse o presidente da Conferência Episcopal, Eric de Moulins-Beaufort, ao La Croix.

“O poder de compra, a segurança e a imigração são as preocupações dos franceses”, respondeu por sua vez Laurent Jacobelli, porta-voz da União Nacional, o partido de extrema-direita agora chefiado por Jordan Bardella e que lidera as sondagens. “O que Emmanuel Macron está a propor é, de facto, uma lei da eutanásia”, comentou o líder dos senadores de Os Republicanos, Bruno Retailleau. Em plano oposto, a França Insubmissa, o partido de esquerda de Jean-Luc Mélenchon, elogiou a iniciativa.

“Em rigor, [a lei] não cria nem um novo direito, nem uma nova liberdade, mas abre um caminho que não existia antes, abrindo a possibilidade de pedir assistência na morte sob certas condições estritas”, afirmou Macron na entrevista. Gonzalo Fuentes / POOL / AFP)

No segundo mandato, Macron continua com a popularidade em níveis baixos, mas a recuperar: segundo o barómetro YouGov Le Huffpost, 27% dos eleitores tem opinião positiva do presidente, três pontos acima em relação ao mês anterior e já longe dos 19% de maio do ano passado. A troca de primeiro-ministro, de Élisabeth Borne para Gabriel Attal foi uma injeção de popularidade para o governo e para o partido de Macron, Renascimento.

Com as eleições europeias a aproximarem-se a passos largos, e na qual o Renascimento se apresentará aos eleitores em coligação com a UDI, de centro-direita, sob o nome Besoin d’Europe, as perspetivas não são as melhores. Para já, a mais recente sondagem Ipsos para o Le Monde  coloca a coligação quatro pontos abaixo do obtido em 2019, com 18%, e com a União Nacional a reunir 31% das intenções de voto, mais oito pontos do que nas últimas europeias. 

Os outros países

Países Baixos pioneiros
Em abril de 2002, os Países Baixos tornaram-se o primeiro país do mundo a legalizar a eutanásia ativa, através da qual os médicos administram doses letais de medicamentos a doentes incuráveis. O país legalizou também o suicídio assistido, em que os doentes podem receber ajuda para se suicidarem. Segundo a lei, o doente deve padecer de um “sofrimento insuportável sem perspetivas de melhoria” e deve ter pedido para morrer de uma forma “voluntária, ponderada e com plena convicção”. A lei foi mexida em três ocasiões, alargando a eutanásia a doentes com demência grave, se o doente tiver solicitado o procedimento quando ainda era mentalmente competente, e a menores (2012 e 2023).

Benelux e Península Ibérica
A Bélgica foi o segundo país a adotar a eutanásia e o suicídio assistido, em maio de 2002, e com ressalvas semelhantes às dos Países Baixos. Em 2014, foi mais longe que o vizinho ao permitir que crianças em estado terminal de todas as idades também possam solicitar o procedimento, com o consentimento dos pais. O Luxemburgo despenalizou a eutanásia e a morte assistida em 2009, seguindo-se a Espanha em junho de 2021, que legalizou ambas as práticas. Portugal adotou, em maio de 2023, um projeto de lei que despenaliza a eutanásia, apesar da forte oposição do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. A lei legalizou a eutanásia para pessoas em grande sofrimento e com doenças incuráveis.

Suíça, destino final
A Suíça, que proíbe a eutanásia, permite há décadas o suicídio assistido, o que a torna o destino de eleição para doentes de toda a Europa. O chamado “turismo suicida” provocou um debate, mas as autoridades decidiram em 2011 não restringir a prática. A vizinha Áustria também legalizou o suicídio assistido em 2022, depois de o Tribunal Constitucional ter decidido que o país estava a violar os direitos fundamentais dos cidadãos. Já em Itália, o Tribunal Constitucional rejeitou, em fevereiro de 2022, uma proposta de realização de um referendo sobre a morte assistida. A questão é também objeto de um interesse público renovado no Reino Unido. Em 2015, os deputados votaram contra a autorização da morte assistida, mas mais de 150 mil pessoas assinaram uma petição a apelar para novo debate.  DN/AFP

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