Médicos não detetaram indícios de abuso sexual

Na análise à queixa de Sónia Lima, PSP e APAV consideraram a denúncia de violência doméstica um caso de "risco elevado"
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Sónia levou as filhas ao hospital Amadora-Sintra antes de apresentar queixa contra o ex-companheiro por abuso sexual das meninas. Os médicos não detetaram indícios de abusos e, perante a insistência da mãe nos factos, aconselharam-na a dirigir-se às autoridades. Já a acusação de violência doméstica que apresentou foi considerada pela PSP e pela Associação de Apoio à Vítima (APAV) de "risco elevado". Foi proposto o afastamento do alegado agressor e a teleassistência para apoio às vítimas.

Sónia Lima foi ontem ouvida no tribunal de Cascais, tendo ficado em prisão preventiva na ala psiquiátrica do hospital-prisão de Caxias. É suspeita de dois crimes de homicídio - de Viviane, de 19 meses e cujo corpo foi retirado da água na praia de Giribita (Caxias) na noite de segunda-feira, e de Samira, de 4 anos, que ainda não foi encontrada. Revela um estado de depressão e esteve internada em psiquiatria no Hospital de Santa Maria desde segunda-feira até ser detida ontem pela Polícia Judiciária.

O corpo da bebé já foi autopsiado e ainda não tinha sido reclamado à hora de fecho desta edição. A PJ já terá recebido os resultados e, segundo o DN soube, é pouco provável que a menina estivesse morta antes de entrar no mar.

O pai das crianças, Nélson Ramos, divulgou um comunicado negando as acusações da ex-companheira. "Nego todas as barbaridades que estão sendo veiculados em alguma da comunicação social relativas à minha pessoa." E acusa: "Pedi auxílio às instituições APAV, CPCJ e Tribunal de Família e Menores, que não quiseram ouvir-me, pessoalmente ou através dos meus advogados, nem me procuraram." Argumenta que, desde a separação, procurou ser "um pai presente e que nada faltasse às minhas filhas".

Queixa depois da separação

O casal vivia em união de facto em Rio Mouro e Sónia Lima terá posto o ex-companheiro fora de casa no início de novembro. É por essa altura que se dirige à APAV, em Lisboa, apresentando queixa por violência doméstica e relatando os alegados abusos sexuais.

"Fez-se o primeiro atendimento, onde é fornecida informação sobre os meios de proteção às vítimas e feita uma avaliação da situação para se fazer um diagnóstico e perceber o grau de risco", explicou ao DN Daniel Cotrim, assessor da direção da APAV. Concluíram que o "risco era elevado", indicaram-lhe onde se dirigir e, por ser uma situação considerada grave, propuseram-lhe a teleassistência. Trata-se de um mecanismo de apoio, a que vulgarmente se chama "botão de pânico", que as vítimas de violência doméstica usam quando estão em perigo e/ou precisam de falar com um psicólogo. A equipa mantém um contacto diário com as pessoas. Fonte do Ministério Público (MP) disse ao DN que estava a ser elaborado "um plano de segurança", mas o sistema ainda não fora aplicado.

A APAV teve mais três contactos, por telefone, com Sónia, mas esta desistiu do acompanhamento. "O sistema não está preparado para se proteger da própria vítima", sublinha Daniel Cotrim, que defende a existência de psiquiatras nas equipas de apoio.

No dia 20 de novembro, a mulher dirigiu-se ao hospital Amadora-Sintra com as acusações de abusos sexuais por parte do pai. Referia que este beijava a filha mais velha, Samira, de 4 anos, "de forma estranha". Os médicos não encontraram indícios de abuso sexual, apurou o DN. Perante a insistência da mãe, aconselharam-na a apresentar o caso ao MP, que intervém nos casos de violência sexual. E Sónia apresentou queixa no Espaço Júlia. Trata-se de um equipamento criado em Lisboa o ano passado, junto ao Hospital dos Capuchos e próximo da APAV. Visa dar uma resposta integrada para os casos de violência doméstica e inclui elementos da PSP e técnicos de ação social. Alegadamente, as acusações referem-se a agosto do ano passado, mês em que se separaram.

"É feita uma avaliação de risco para despistar se a vítima apresenta um risco de perigo baixo, médio ou elevado. Neste caso, foi considerado elevado", apurou o DN junto de fonte policial. Nélson Ramos já foi ouvido pela PSP sobre as acusações de violência doméstica.

É na sequência daquelas acusações que a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens da Amadora toma conhecimento desta família e, como não tem competências para os casos de abuso sexual, o caso transita para o MP, explicou ao DN Joana Fonseca, presidente da comissão. Passa a ser a PJ a investigar a consistência das denúncias. Já a situação de violência doméstica continuou na PSP.

Como o casal morava em Rio de Mouro, o processo passou para a área de Sintra, para onde foi notificada para prestar declarações no dia seguinte. Falou e indicou testemunhas. Sete dias depois, uma agente da PSP fez uma segunda avaliação da situação, confirmando o risco elevado que corria a mulher e as crianças. Perceberam que tinha o apoio da família - morou inicialmente com os pais em Carenque, agora Mina, e mais recentemente com a madrinha, em Castanheira do Ribatejo - e que tinham de tomar medidas em relação ao alegado agressor. "A proposta da PSP foi no sentido de se considerar a medida de afastamento e o uso da teleassistência."

As queixas na PSP deram lugar a dois processos, informou o MP. O primeiro, a que foi junta uma comunicação do hospital Amadora--Sintra, instaurado pelo Departamento de Investigação e Ação Criminal de Lisboa Oeste (secção de Sintra) e que está a ser investigado pela PJ. E a abertura do processo judicial de promoção e de proteção a favor das duas crianças, requerido a 2 de dezembro, na secção de Família e Menores da Amadora.

O advogado de Nélson Ramos diz que este só sabia do processo no Tribunal de Menores e por ter contactado a CPCJ. Recebeu o relatório da Segurança Social na segunda-feira, o mesmo dia em que as crianças foram levadas pela mãe para o mar. Critica o facto de não ter sido ouvido, apesar de ter informado da nova morada. Com Carlos Ferro

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