A sessão especial da Assembleia Geral da ONU sobre a droga, que decorreu na semana passada, correspondeu ao que esperava? O que se pretendia era, desde logo, aprovar o documento final que foi preparado em Viena durante mais de um ano. O tempo necessário até se chegar a consensos difíceis de obter e que ficaram aquém do que se esperaria. O que faltou então na declaração final? Não foi possível incluir a expressão redução de danos [uma visão mais de saúde pública do que de penalização da posse e consumo] que tem forte oposição de países que a associam à descriminalização. Em contrapartida colocou-se a política de troca de seringas. Mas não foi só esse assunto a não estar escrito no documento... Também a referência à pena de morte não passou. É complicado o consenso entre 190 e tal países. Queria-se a condenação clara da pena de morte para casos relacionados com a toxicodependência mas também não se conseguiu. Também não houve abertura para se alterar as convenções da Nações Unidas que consagram o caráter proibicionista desses documentos. Pessoalmente, gostaria que tivesse existido uma abordagem mais clara à questão da pena de morte. Os eventos paralelos deram indicações diferentes sobre o pensamento dos países em relação ao documento aprovado? Depois de no primeiro dia se ter aprovado o documento que tinha sido negociado em Viena seguiram-se declarações em vários eventos paralelos e aí o tom foi claramente mais progressista com discursos no sentido da abordagem mais humanista da questão. Considerando assim que a toxicodependência é uma questão mais de saúde que de delito criminal. E é assim que o modelo português seguido desde 2001 surge? Esteve sempre muito presente. A nossa abordagem ao tema inspirou muitas das declarações mais progressistas efetuadas. Uma grande evolução... No início [a partir de 2001 quando foi aprovada a lei de descriminalização das drogas] a política portuguesa era condenada. Agora é apresentada como um exemplo de boas práticas. Isso é uma evolução positiva. O próprio presidente do órgão internacional contra nos estupefacientes, Werner Sipp, já veio dizer que considera a política portuguesa um exemplo de boas práticas. Também os responsáveis da United Nations Office for Drugs e Crime já elogiaram os resultados. A experiência nacional tem vindo a ser explicada a outros países? Sim, no global a nossa participação foi positiva e abre perspetivas de ajuda a países que têm políticas mais retrógradas a fazer um caminho para políticas mais humanistas. Há conversas ou intervenções junto de, por exemplo, Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa? Tivemos alguns encontros/conversas informais com representantes de países dos PALOP (Angola, Moçambique) e o Brasil também. Já promovemos também reuniões em Lisboa com representantes de todos os países da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), para criar bases para uma colaboração mais efetiva. E já existe trabalho mais específico com algum desses países? Com Cabo Verde. Já se registaram deslocação de profissionais do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (Sicad) a ações de formação com as autoridades locais. Estamos a tentar colaborar a partir do terreno. É uma das nossas prioridades, o estreitar de relações. A colaboração entre as autoridades policiais dos dois países até está mais avançada que a questão da saúde pública. Por isso a prioridade é avançar por aí. Esse prestígio conseguido nesta área pode ser capitalizado a fazer da candidatura de António Guterres a secretário-geral das Nações Unidas? Tentámos capitalizar esse prestígio sim. Fizemos um lobby discreto. Fomos sempre dizendo que a estratégia nacional que agora goza de tantos elogios foi aprovada por um Governo em que o primeiro-ministro era o engenheiro Guterres. E neste momento isso é importante.