São 50 anos de vida na cozinha. O que ainda o motiva para todos os dias vestir a jaleca e vir comandar a sua brigada no restaurante Eleven? Esta é a minha casa, estou onde gosto, no meu restaurante, na minha cidade, no meu país. E fico feliz ao conseguir fazer as outras pessoas felizes aqui. Estimula-me trabalhar todos os dias e tentar fazer coisas novas. E com esta vista fantástica no topo do Parque Eduardo VII, com esta luz...isto é um privilégio. Penso e sonho em português, a minha vida é aqui. Que balanço faz da sua carreira? Parece que foi ontem, mas já são muitos anos. Não mudava nada... talvez devesse ter ido um par de anos para Inglaterra para aprender a falar melhor inglês. Quando começou era tudo muito diferente na cozinha. No tempo em que comecei a aprender os cozinheiros não eram nada. Mas nos últimos anos alcançámos um certo status e hoje muitos de nós somos vistos como estrelas, como artistas. E por isso mesmo, não adivinhando o que se iria passar no futuro, o que o fez escolher esse rumo? Foi influência da família ou gosto pessoal? A minha família tem culpa [risos]. Os meus pais trabalhavam de segunda a sexta-feira e passávamos a semana a almoçar em restaurantes. Aos fins de semana, como vivíamos perto da fronteira, o meu pai levava-nos a restaurantes em França. Por outro lado, só quando fui para um colégio interno me tornei bom aluno, mesmo assim decidi ir para a cozinha. Fui trabalhar para um hotel a 600 quilómetros de minha casa e lá aprendi as as coisas simples. Depois de ter o meu certificado de cozinheiro fui para Berlim onde comecei a aprendizagem mais a sério. Por lá conheci um suíço que me convenceu a ir trabalhar para o seu país. E fiquei na Suíça cerca de 18 anos, com algumas temporadas noutros países. Um dia um amigo convidou-me para fazer uma semana gastronómica em Valência. E fui. O único acordo que tínhamos era ser pago sobre os pratos que vendíamos. E digo-lhe, nunca trabalhei tanto e fiz tanto dinheiro em tão pouco tempo. No último dia, um domingo, fomos jantar ao restaurante duas estrelas Michelin O Girassol, em Moreira, e apaixonei-me pelo lugar. Consegui comprá-lo em 1988.. Foi aí que descobriu a cozinha mediterrânica, aquilo a que chama "cozinha de sol"? Quando estava na Suíça fiz dois estágios em França com o chef Roger Vergé (1930-2015) no seu restaurante Moulin de Mougins, na Côte d"Azur, e aí descobri o tomate, o azeite, os legumes, as alcachofras. Foi aí que começou tudo. Depois em Espanha com os produtos de lá, o sol, o mar, com o salmonete de Moreira, que trouxe para o novo menu que vamos ter aqui no Eleven e que celebra o meu percurso. E depois surge Lisboa na sua vida... Sim, na altura era responsável dos restaurantes do grupo Relais & Chateaux em Espanha, e comecei a fazer consultoria na Quinta das Lágrimas, em Coimbra, em 1999. Foi uma altura muito boa, nunca esqueci as estadas em Coimbra e quando me levavam a comer leitão. Aliás, o leitão também está no menu dos 50 anos. Por volta de 2000 o José Miguel Júdice começou a falar comigo de abrir um restaurante em Lisboa. Depois quando o seu filho, o Miguel Júdice, regressou dos EUA, começámos à procura de locais. Havia muito pouca coisa, o Vítor Sobral, o Aimé Barroyer no Pestana Palace, e pouco mais. Claro, existiam lugares como o Gambrinus, onde sempre se comeu muito bem. Mas queríamos fazer algo diferente. Abrimos em novembro de 2004 e passados uns meses conseguimos a estrela Michelin. No ano seguinte vendi O Girassol em Valência e vim para Lisboa. Aqui no Eleven perdeu a estrela Michelin durante dois anos. Foi um dos piores momentos da carreira? Existiram alguns momentos maus. No meu primeiro dia de trabalho fizeram-me pelar um caixote inteiro de cebolas, chorei muito e estive mesmo para deixar a profissão, mas graças a Deus não o fiz. Outro momento marcante foi em 2000 quando tinha duas estrelas Michelin em Espanha, e retiraram-me uma das estrelas. Mas depois disseram-me que tinha existido um erro e recuperei-a passados poucos meses. E depois aqui no Eleven quando perdemos a estrela e demorámos dois anos a recuperá-la. E a covid foi um desses períodos? A covid apanhou-nos a todos de surpresa. Estávamos tão, tão bem antes da pandemia. Tivemos de reagir e fazer coisas para que o nome do Eleven não fosse esquecido. Começámos com o delivery, montado ao nosso estilo e depois em maio do ano passado começámos a fazer piqueniques aqui nos jardins à volta do restaurante e correu muito bem. Depois fechámos novamente mas continuámos com o delivery, criámos um chá da tarde no inverno. Reinventámo-nos. E agora, como estão? Agora com a reabertura trabalhamos muito bem ao almoço e os jantares estão melhor, mas mais ao fim de semana porque nos falta os turistas. Tenho a certeza de que, quando for possível, os restaurantes vão voltar a encher, as pessoas estão loucas para voltar. Assistiu à recente evolução da cozinha portuguesa. A pergunta de sempre: o que lhe falta para ser uma cozinha mais reconhecida no mundo? Quando cheguei aqui não havia nada. Nem programas de televisão nem jornalismo gastronómico como existe agora. Portugal tem feito um grande trabalho, cada vez existem melhores chefs jovens. Mas há um problema: nós, os portugueses, não sabemos vender-nos tão bem como os outros. É a nossa falha. Não cozinhamos nem melhor nem pior do que os outros E agora, o que quer fazer depois de 50 anos de carreira?
São 50 anos de vida na cozinha. O que ainda o motiva para todos os dias vestir a jaleca e vir comandar a sua brigada no restaurante Eleven? Esta é a minha casa, estou onde gosto, no meu restaurante, na minha cidade, no meu país. E fico feliz ao conseguir fazer as outras pessoas felizes aqui. Estimula-me trabalhar todos os dias e tentar fazer coisas novas. E com esta vista fantástica no topo do Parque Eduardo VII, com esta luz...isto é um privilégio. Penso e sonho em português, a minha vida é aqui. Que balanço faz da sua carreira? Parece que foi ontem, mas já são muitos anos. Não mudava nada... talvez devesse ter ido um par de anos para Inglaterra para aprender a falar melhor inglês. Quando começou era tudo muito diferente na cozinha. No tempo em que comecei a aprender os cozinheiros não eram nada. Mas nos últimos anos alcançámos um certo status e hoje muitos de nós somos vistos como estrelas, como artistas. E por isso mesmo, não adivinhando o que se iria passar no futuro, o que o fez escolher esse rumo? Foi influência da família ou gosto pessoal? A minha família tem culpa [risos]. Os meus pais trabalhavam de segunda a sexta-feira e passávamos a semana a almoçar em restaurantes. Aos fins de semana, como vivíamos perto da fronteira, o meu pai levava-nos a restaurantes em França. Por outro lado, só quando fui para um colégio interno me tornei bom aluno, mesmo assim decidi ir para a cozinha. Fui trabalhar para um hotel a 600 quilómetros de minha casa e lá aprendi as as coisas simples. Depois de ter o meu certificado de cozinheiro fui para Berlim onde comecei a aprendizagem mais a sério. Por lá conheci um suíço que me convenceu a ir trabalhar para o seu país. E fiquei na Suíça cerca de 18 anos, com algumas temporadas noutros países. Um dia um amigo convidou-me para fazer uma semana gastronómica em Valência. E fui. O único acordo que tínhamos era ser pago sobre os pratos que vendíamos. E digo-lhe, nunca trabalhei tanto e fiz tanto dinheiro em tão pouco tempo. No último dia, um domingo, fomos jantar ao restaurante duas estrelas Michelin O Girassol, em Moreira, e apaixonei-me pelo lugar. Consegui comprá-lo em 1988.. Foi aí que descobriu a cozinha mediterrânica, aquilo a que chama "cozinha de sol"? Quando estava na Suíça fiz dois estágios em França com o chef Roger Vergé (1930-2015) no seu restaurante Moulin de Mougins, na Côte d"Azur, e aí descobri o tomate, o azeite, os legumes, as alcachofras. Foi aí que começou tudo. Depois em Espanha com os produtos de lá, o sol, o mar, com o salmonete de Moreira, que trouxe para o novo menu que vamos ter aqui no Eleven e que celebra o meu percurso. E depois surge Lisboa na sua vida... Sim, na altura era responsável dos restaurantes do grupo Relais & Chateaux em Espanha, e comecei a fazer consultoria na Quinta das Lágrimas, em Coimbra, em 1999. Foi uma altura muito boa, nunca esqueci as estadas em Coimbra e quando me levavam a comer leitão. Aliás, o leitão também está no menu dos 50 anos. Por volta de 2000 o José Miguel Júdice começou a falar comigo de abrir um restaurante em Lisboa. Depois quando o seu filho, o Miguel Júdice, regressou dos EUA, começámos à procura de locais. Havia muito pouca coisa, o Vítor Sobral, o Aimé Barroyer no Pestana Palace, e pouco mais. Claro, existiam lugares como o Gambrinus, onde sempre se comeu muito bem. Mas queríamos fazer algo diferente. Abrimos em novembro de 2004 e passados uns meses conseguimos a estrela Michelin. No ano seguinte vendi O Girassol em Valência e vim para Lisboa. Aqui no Eleven perdeu a estrela Michelin durante dois anos. Foi um dos piores momentos da carreira? Existiram alguns momentos maus. No meu primeiro dia de trabalho fizeram-me pelar um caixote inteiro de cebolas, chorei muito e estive mesmo para deixar a profissão, mas graças a Deus não o fiz. Outro momento marcante foi em 2000 quando tinha duas estrelas Michelin em Espanha, e retiraram-me uma das estrelas. Mas depois disseram-me que tinha existido um erro e recuperei-a passados poucos meses. E depois aqui no Eleven quando perdemos a estrela e demorámos dois anos a recuperá-la. E a covid foi um desses períodos? A covid apanhou-nos a todos de surpresa. Estávamos tão, tão bem antes da pandemia. Tivemos de reagir e fazer coisas para que o nome do Eleven não fosse esquecido. Começámos com o delivery, montado ao nosso estilo e depois em maio do ano passado começámos a fazer piqueniques aqui nos jardins à volta do restaurante e correu muito bem. Depois fechámos novamente mas continuámos com o delivery, criámos um chá da tarde no inverno. Reinventámo-nos. E agora, como estão? Agora com a reabertura trabalhamos muito bem ao almoço e os jantares estão melhor, mas mais ao fim de semana porque nos falta os turistas. Tenho a certeza de que, quando for possível, os restaurantes vão voltar a encher, as pessoas estão loucas para voltar. Assistiu à recente evolução da cozinha portuguesa. A pergunta de sempre: o que lhe falta para ser uma cozinha mais reconhecida no mundo? Quando cheguei aqui não havia nada. Nem programas de televisão nem jornalismo gastronómico como existe agora. Portugal tem feito um grande trabalho, cada vez existem melhores chefs jovens. Mas há um problema: nós, os portugueses, não sabemos vender-nos tão bem como os outros. É a nossa falha. Não cozinhamos nem melhor nem pior do que os outros E agora, o que quer fazer depois de 50 anos de carreira?