A eterna luta entre Lisboa e Porto podia dar sinais de acalmia, numa altura em que a capital portuguesa está cada vez mais cheia – nem o caos constante no aeroporto parece afastar os viajantes – e em que as alterações climáticas até já dão ao Porto alguns dias de sol. Brincadeiras à parte, facto é que o Porto tem-se revelado cada vez mais atrativo para investidores, cadeias hoteleiras e, acima de tudo, para quem procura melhor serviço a preços que ainda não são os mesmos que em outras capitais europeias. Ou seja, quem privilegia a relação entre qualidade e preço.Desde março deste ano que o grupo Torel Boutiques, por exemplo, assumiu a gestão do agora Torel Saboaria, um hotel que nasceu nas instalações da antiga fábrica da Saboaria do Bolhão, na rua do Bonjardim – onde, poucos números mais acima, se instalou há poucos anos, também, o Village By BOA, mesmo em frente ao cinquentenário restaurante O Antunes.Numa rua onde ainda se cruzam locais e turistas, a dois passos do Bolhão e da Trindade, o passeio vale ainda para encontrar mercearias tradicionais e charcutarias com queijos vindos de todo o país.E, curiosamente, os dois recentes projetos hoteleiros que nascem no Bonjardim, têm outra coisa em comum para além da localização: ambos decidiram fazer da receção um espaço onde os hóspedes podem comprar marcas sobretudo nacionais, ao invés de optarem pela clássica bancada de check-in. .No Village by BOA encontra uma mercearia, que pode ser usada também pelos transeuntes, e que tem desde vinhos naturais até uma seleção de massas italianas – o projeto disponibiliza apartamentos onde as pessoas podem cozinhar, e têm acesso a ginásio e espaços exteriores comuns – e no Saboaria o destaque vai, como não podia deixar de ser, para sabonetes. Para já, são as linhas clássicas da Claus Porto, mas está em marcha um projeto para personalizar aromas para cada um dos 28 quartos e suítes deste hotel de cinco estrelas que conta ainda com um pequeno SPA e uma piscina num páteo que passa totalmente despercebido a quem passa pela rua principal.E aqui, o que vale são os pormenores: as paredes originais da fábrica que convivem com as novas que tiveram de ser construídas; o SPA que nasceu no antigo armazém de óleos aromáticos e as paredes que, pelas mãos do gabinete NANO Design ganharam a textura que lembra roupa acabada de lavar, com as suas rugas ainda ao vento.Com portas abertas ao exterior encontramos também o Luffa, o restaurante do Saboaria que, tal como uma esponja de banho (daquelas que podem ser desconfortáveis, porque mais ásperas do que as menos tradicionais), nos limpa o palato quando descobrimos a cozinha simples mas saborosa de João Ribeiro. Se no seu espaço Goela, na Boavista, João Ribeiro vai-se divertindo à medida do que os dias e as estações lhe trazem, de um modo mais informal e experimental, no Luffa tem-se dedicado a apresentar um menu que aconchega sem deixar de ter a contemporaneidade e a leveza que hoje os consumidores pedem. “Mas quem manda aqui é a Francisca [Passos]”, garante o cozinheiro ao Dário de Notícias, de olhos postos no chão e antes de admitir que “eu realmente não gosto muito de falar. Mas vou tentar”. É de forma simples e descomplicada que João explica porque é que gosta de usar os sabores portugueses e porque tem deixado a cozinha na mão de Francisca, assumindo a posição de “sub-chef. Eu aqui sou mesmo sub-chef dela. Em termos técnicos, a Francisca é incrível. Eu aprendi sozinho, e acho que sou bom, mas ela é mesmo espetacular”, diz. Assinam ambos, ainda assim, a cozinha divertida e bem confecionada que assinam no Luffa, e onde juntam as experiências que tiveram no Wander ou Casa Fofó, no caso de Francisca, que passou sete anos em Londres; e também no MUU Steakhouse e no Terminal 4550, no caso de João. E para que não duvide do que lhe escrevo, sugiro que passe no Luffa um dia destes e prove, pelo menos, os rissóis de camarão que João criou. São praticamente inesquecíveis, tal como a granola que caseira que nos apresentou ao pequeno-almoço do dia seguinte..O mesmo adjetivo podemos usar para falar dos croquetes de carne que ainda é possível comer na Cervejaria Brasão, um marco tradicional do Porto que, apesar da proximidade com os Aliados, não tem cedido à pressão estrangeira para alterar a qualidade dos pratos – ou dos preços – e onde ainda é possível almoçar com qualidade e sem começarmos imediatamente a fazer contas ao resto da viagem.É, aliás, neste cruzamento entre espaços mais tradicionais e mais contemporâneos que o Porto guarda grande parte do seu encanto. Uns não engolem os outros, e se num dia jantamos num bom japonês, tranquilo e meio escondido dos olhos dos menos atentos, no outro podemos estar num clássico da cidade, com as francesinhas a serem a grande estrela do menu.No meio, espaços como o restaurante Mito – que, para qualquer falha na conceção da comida, compensa com um serviço irrepreensivel – chamam-nos ainda a atenção o cuidado com que muitos destes lugares dão às suas garrafeiras, num feliz equilíbio entre referências mais ou menos conhecidas, ainda que com tendência crescente para os vinhos naturais, e entre produção nacional e estrangeira. Mas com valores de carta muito mais sensatos do que aquilo que muitos restaurantes da capital praticam atualmente.Para uma alfacinha, é claro que ir ao Porto é sempre motivo de regojizo – afinal, só o facto de nos tratarem por menina não importa que idade tenhamos, apazigua qualquer espírito – mas a verdade é que das últimas vezes que visitei a cidade, espantei-me com a qualidade de um serviço que já não se encontra em muitos lugares do país. E se é certo que a região também sofre com falta de mão-de-obra, a verdade é que o facto não parece fazer descer os níveis de exigência.No Village by BOA, por exemplo, a equipa é pequena mas super disponível, e liderada por Mickael Passos, que garante que a exclusividade e a atenção estão presentes em cada passo da estada. “Estamos, cada vez mais, a integrar ferramentas tecnológicas que permitam que a equipa esteja focada no que realmente importa, que são os hóspedes. Por isso é que o check in pode ser feito digitalmente e com antecipação, e o mesmo com o check out. São coisas que libertam tempo para nos dedicarmos a tornar a experiência de quem nos visita, melhor”. E se a média de alojamento no Porto é de duas noites, o Village by BOA tem garantido uma média de três noites e há mesmo hóspedes que já ficaram por várias semanas nos apartamentos totalmente equipados – até com uma máquina de fazer pipocas! - que têm à disposição. .“Temos, sobretudo, hóspedes norte-americanos e japoneses, mas continuamos a crescer em todos os mercados”, salienta Mickael, enquanto nos guia numa visita pelo antigo bairro, agora transformado em apartamentos para quem deseja visitar a cidade. “Só vivia aqui uma família na altura em que o grupo BOA adquiriu o terreno e as casas - que estavam mesmo em muito maus estado -, mas recebemos muitas vezes visitas de pessoas que querem vir mostrar aos amigos ou à família onde cresceram. E temos todo o gosto em confirmar nas plantas em que casa viveram, e em propocionar essa experiência”, explica o diretor do espaço. Aqui, cada apartamento era uma antiga casa habitada por famílias do Porto, e foram aproveitadas na medida do possível para o atual projeto. Mas, garante, “queremos continuar a fazer parte da cidade e portanto todos estão convidados a vir conhecer o espaço”.Mickael, com ocupação praticamente lotada em grande parte do ano, lamenta apenas que o município do Porto não seja mais dinâmico, para levar até à cidade eventos que possam combater a sazonalidade e atrair mais pessoas para a visitar a região.E se no Village by BOA a clientela é praticamente toda estrangeira, o mesmo não acontece no Saboaria, onde muitos portugueses se cruzam não apenas nos corredores, mas também no restaurante – o Village ainda não tem um espaço de restauração, uma falta que deverá ficar suprida ainda no final deste mês, através de uma concessão que estava praticamente fechada quando o DN falou com Mickael Passos.Com uma equipa muito jovem e multicultural, o Saboaria chama a atenção também pela qualidade do serviço e pela delicadeza de uma equipa de front desk onde a idade média deverá rondar os 30 anos. Ainda precisa de resolver algumas questões como o ruído que as janelas dos quartos virados para a rua principal não consegue isolar convenientemente, mas está no bom caminho para se afirmar como um hotel de cidade onde dá vontade de ficar, seja qual for o motivo da viagem.Com o verão já a afirmar-se na temperatura exterior, e com a chuva a dar algumas tréguas – pelo menos durante umas horas – o Porto ergue-se na sua beleza histórica como um marco daquilo que não deveríamos deixar cair em Portugal: a autenticidade de uma cidade e de uma gente que sente muito orgulho por toda a História que carrega em si. E é por isso que, estando a comer um bife no clássico Cafeína ou a mergulhar nuns filetes de polvo no [também não tão novo] DeCastro, em Gaia, conseguimos sentir as letras de Rui Veloso a ecoar no espaço enquanto o olhar se perde na ponte D. Luis I: E esse teu ar grave e sério /Num rosto de cantaria /Que nos oculta o mistério /Dessa luz bela e sombria.
A eterna luta entre Lisboa e Porto podia dar sinais de acalmia, numa altura em que a capital portuguesa está cada vez mais cheia – nem o caos constante no aeroporto parece afastar os viajantes – e em que as alterações climáticas até já dão ao Porto alguns dias de sol. Brincadeiras à parte, facto é que o Porto tem-se revelado cada vez mais atrativo para investidores, cadeias hoteleiras e, acima de tudo, para quem procura melhor serviço a preços que ainda não são os mesmos que em outras capitais europeias. Ou seja, quem privilegia a relação entre qualidade e preço.Desde março deste ano que o grupo Torel Boutiques, por exemplo, assumiu a gestão do agora Torel Saboaria, um hotel que nasceu nas instalações da antiga fábrica da Saboaria do Bolhão, na rua do Bonjardim – onde, poucos números mais acima, se instalou há poucos anos, também, o Village By BOA, mesmo em frente ao cinquentenário restaurante O Antunes.Numa rua onde ainda se cruzam locais e turistas, a dois passos do Bolhão e da Trindade, o passeio vale ainda para encontrar mercearias tradicionais e charcutarias com queijos vindos de todo o país.E, curiosamente, os dois recentes projetos hoteleiros que nascem no Bonjardim, têm outra coisa em comum para além da localização: ambos decidiram fazer da receção um espaço onde os hóspedes podem comprar marcas sobretudo nacionais, ao invés de optarem pela clássica bancada de check-in. .No Village by BOA encontra uma mercearia, que pode ser usada também pelos transeuntes, e que tem desde vinhos naturais até uma seleção de massas italianas – o projeto disponibiliza apartamentos onde as pessoas podem cozinhar, e têm acesso a ginásio e espaços exteriores comuns – e no Saboaria o destaque vai, como não podia deixar de ser, para sabonetes. Para já, são as linhas clássicas da Claus Porto, mas está em marcha um projeto para personalizar aromas para cada um dos 28 quartos e suítes deste hotel de cinco estrelas que conta ainda com um pequeno SPA e uma piscina num páteo que passa totalmente despercebido a quem passa pela rua principal.E aqui, o que vale são os pormenores: as paredes originais da fábrica que convivem com as novas que tiveram de ser construídas; o SPA que nasceu no antigo armazém de óleos aromáticos e as paredes que, pelas mãos do gabinete NANO Design ganharam a textura que lembra roupa acabada de lavar, com as suas rugas ainda ao vento.Com portas abertas ao exterior encontramos também o Luffa, o restaurante do Saboaria que, tal como uma esponja de banho (daquelas que podem ser desconfortáveis, porque mais ásperas do que as menos tradicionais), nos limpa o palato quando descobrimos a cozinha simples mas saborosa de João Ribeiro. Se no seu espaço Goela, na Boavista, João Ribeiro vai-se divertindo à medida do que os dias e as estações lhe trazem, de um modo mais informal e experimental, no Luffa tem-se dedicado a apresentar um menu que aconchega sem deixar de ter a contemporaneidade e a leveza que hoje os consumidores pedem. “Mas quem manda aqui é a Francisca [Passos]”, garante o cozinheiro ao Dário de Notícias, de olhos postos no chão e antes de admitir que “eu realmente não gosto muito de falar. Mas vou tentar”. É de forma simples e descomplicada que João explica porque é que gosta de usar os sabores portugueses e porque tem deixado a cozinha na mão de Francisca, assumindo a posição de “sub-chef. Eu aqui sou mesmo sub-chef dela. Em termos técnicos, a Francisca é incrível. Eu aprendi sozinho, e acho que sou bom, mas ela é mesmo espetacular”, diz. Assinam ambos, ainda assim, a cozinha divertida e bem confecionada que assinam no Luffa, e onde juntam as experiências que tiveram no Wander ou Casa Fofó, no caso de Francisca, que passou sete anos em Londres; e também no MUU Steakhouse e no Terminal 4550, no caso de João. E para que não duvide do que lhe escrevo, sugiro que passe no Luffa um dia destes e prove, pelo menos, os rissóis de camarão que João criou. São praticamente inesquecíveis, tal como a granola que caseira que nos apresentou ao pequeno-almoço do dia seguinte..O mesmo adjetivo podemos usar para falar dos croquetes de carne que ainda é possível comer na Cervejaria Brasão, um marco tradicional do Porto que, apesar da proximidade com os Aliados, não tem cedido à pressão estrangeira para alterar a qualidade dos pratos – ou dos preços – e onde ainda é possível almoçar com qualidade e sem começarmos imediatamente a fazer contas ao resto da viagem.É, aliás, neste cruzamento entre espaços mais tradicionais e mais contemporâneos que o Porto guarda grande parte do seu encanto. Uns não engolem os outros, e se num dia jantamos num bom japonês, tranquilo e meio escondido dos olhos dos menos atentos, no outro podemos estar num clássico da cidade, com as francesinhas a serem a grande estrela do menu.No meio, espaços como o restaurante Mito – que, para qualquer falha na conceção da comida, compensa com um serviço irrepreensivel – chamam-nos ainda a atenção o cuidado com que muitos destes lugares dão às suas garrafeiras, num feliz equilíbio entre referências mais ou menos conhecidas, ainda que com tendência crescente para os vinhos naturais, e entre produção nacional e estrangeira. Mas com valores de carta muito mais sensatos do que aquilo que muitos restaurantes da capital praticam atualmente.Para uma alfacinha, é claro que ir ao Porto é sempre motivo de regojizo – afinal, só o facto de nos tratarem por menina não importa que idade tenhamos, apazigua qualquer espírito – mas a verdade é que das últimas vezes que visitei a cidade, espantei-me com a qualidade de um serviço que já não se encontra em muitos lugares do país. E se é certo que a região também sofre com falta de mão-de-obra, a verdade é que o facto não parece fazer descer os níveis de exigência.No Village by BOA, por exemplo, a equipa é pequena mas super disponível, e liderada por Mickael Passos, que garante que a exclusividade e a atenção estão presentes em cada passo da estada. “Estamos, cada vez mais, a integrar ferramentas tecnológicas que permitam que a equipa esteja focada no que realmente importa, que são os hóspedes. Por isso é que o check in pode ser feito digitalmente e com antecipação, e o mesmo com o check out. São coisas que libertam tempo para nos dedicarmos a tornar a experiência de quem nos visita, melhor”. E se a média de alojamento no Porto é de duas noites, o Village by BOA tem garantido uma média de três noites e há mesmo hóspedes que já ficaram por várias semanas nos apartamentos totalmente equipados – até com uma máquina de fazer pipocas! - que têm à disposição. .“Temos, sobretudo, hóspedes norte-americanos e japoneses, mas continuamos a crescer em todos os mercados”, salienta Mickael, enquanto nos guia numa visita pelo antigo bairro, agora transformado em apartamentos para quem deseja visitar a cidade. “Só vivia aqui uma família na altura em que o grupo BOA adquiriu o terreno e as casas - que estavam mesmo em muito maus estado -, mas recebemos muitas vezes visitas de pessoas que querem vir mostrar aos amigos ou à família onde cresceram. E temos todo o gosto em confirmar nas plantas em que casa viveram, e em propocionar essa experiência”, explica o diretor do espaço. Aqui, cada apartamento era uma antiga casa habitada por famílias do Porto, e foram aproveitadas na medida do possível para o atual projeto. Mas, garante, “queremos continuar a fazer parte da cidade e portanto todos estão convidados a vir conhecer o espaço”.Mickael, com ocupação praticamente lotada em grande parte do ano, lamenta apenas que o município do Porto não seja mais dinâmico, para levar até à cidade eventos que possam combater a sazonalidade e atrair mais pessoas para a visitar a região.E se no Village by BOA a clientela é praticamente toda estrangeira, o mesmo não acontece no Saboaria, onde muitos portugueses se cruzam não apenas nos corredores, mas também no restaurante – o Village ainda não tem um espaço de restauração, uma falta que deverá ficar suprida ainda no final deste mês, através de uma concessão que estava praticamente fechada quando o DN falou com Mickael Passos.Com uma equipa muito jovem e multicultural, o Saboaria chama a atenção também pela qualidade do serviço e pela delicadeza de uma equipa de front desk onde a idade média deverá rondar os 30 anos. Ainda precisa de resolver algumas questões como o ruído que as janelas dos quartos virados para a rua principal não consegue isolar convenientemente, mas está no bom caminho para se afirmar como um hotel de cidade onde dá vontade de ficar, seja qual for o motivo da viagem.Com o verão já a afirmar-se na temperatura exterior, e com a chuva a dar algumas tréguas – pelo menos durante umas horas – o Porto ergue-se na sua beleza histórica como um marco daquilo que não deveríamos deixar cair em Portugal: a autenticidade de uma cidade e de uma gente que sente muito orgulho por toda a História que carrega em si. E é por isso que, estando a comer um bife no clássico Cafeína ou a mergulhar nuns filetes de polvo no [também não tão novo] DeCastro, em Gaia, conseguimos sentir as letras de Rui Veloso a ecoar no espaço enquanto o olhar se perde na ponte D. Luis I: E esse teu ar grave e sério /Num rosto de cantaria /Que nos oculta o mistério /Dessa luz bela e sombria.