A localização é privilegiada: onde a terra acaba e o mar começa. As grandes janelas da sala principal do restaurante Fortaleza do Guincho fazem rivalizar a atenção dos comensais para onde se deve olhar: para a paisagem atlântica e o mar selvagem ou para aquilo que é servido à mesa. Gil Fernandes, chef do restaurante desde 2018, sabe tirar partido dessa “luta” e traz para a mesa os sabores daquilo que se avista. E é com esta promessa do mar no prato que se visita o Fortaleza - que tem uma estrela Michelin desde 2001. O ambiente do espaço é quase formal, a decoração, a qualidade dos têxteis nas mesas e dos copos, até mesmo os maneirismos e cortesias que parece estarem a perder-se no tempo, mesmo noutros restaurantes estrelados, e fazem deste restaurante um bastião de um certo classicismo resguardado, em contra-corrente com novas tendências e “modernices”. Contudo, o que chega nos pratos é pura inovação e coloca em alerta a maioria dos cincos sentidos humanos. . Foi numa noite de chuva e vento, a ganhar contornos de tempestade que o DN visitou o local. Recebidos pela simpática e eficiente equipa, sem os tais maneirismos da moda, apresentaram o que se seguiu: o menu Experiência (190 euros por pessoas) com paring de vinhos (ficando o preço a 295 euros por pessoa). Comecemos pelos vinhos. Nessa noite o sommelier de serviço, João Paulo Filipe, começou por servir um Alvarinho de Trás-os-Montes, Head Rock. Seguiram-se, por esta ordem a fazerem parelha com os pratos que a seguir desvendamos: Crasso superior, do Douro; Quinta do Ameal, vinho verde; e o tinto do Alentejo, Reynolds - com castas Alicante Bouchet, Syrah. A finalizar, a dita “cereja no topo do bolo” com um riesling Late Harvest da Quinta de Santa Ana, com nuances de sabor a remeter para o marmelo - e que no caso, “casou” com a sobremesa. Mas já lá iremos. A experiência de momentosOs pratos do menu Experiência são divididos em vários momentos. A começar, o “Foraging”, composto por lingueirão e erva de caril. De seguinda, o momento “Mar”, com um favo de areia com caldo do mar, fricassé de bivalves, mel e algas. Ainda dentro deste menu, o “Pescado Subvalorizado”, com buzinas e gengibre. De seguida a “Receita da Avó”, que se traduz em arroz de lapas com funcho do mar. “Agricultura” foi o momento que se seguiu, com uma trepadeira e o galinheiro da avó São - com a proteína de caça, topinambur e inola. E ainda o menu estava a meio. É extenso, longo, cerca de três horas à mesa, mas longe de ser cansativo. Consegue transmitir uma boa percepção do trabalho minucioso da equipa de Gil Fernandes e do preço da refeição - mais do que justo. Na segunda parte – na opinão de quem escreve este texto, porque o menu não tem intervalo – chega à mesa o indispensável carabineiro do Algarve e depois as proteínas no momento “Lobo em Pele de Cordeiro”, um peixe da lota, moreia e alho negro – ainda uma “pausa” com o momento "Remédio para a Digestão" e, a finalizar os pratos principais, um borrego Merino, cuscous transmontanos e cogumelos selvagens. E só depois chegaram as sobremesas: “Toca de Conhecimento”, com Achar de Pêra e Marmelo; e ainda Nabada de Semide, e a seguir mignardises, ou como quem traduz, doces delicadezas para acompanhar o café ou chá.. Em jeito de balanço, porque este texto não é uma crítica, há duas ideias que ficam no ar para quem tem a sorte de viver os momentos gastronómicos relatados nas linhas anteriores. A restauração clássica ainda tem lugar no mundo gastronómico que se deixa influenciar por tendências que logo (quase) todos tendem a seguir e, talvez mais importante, como é possível que o Fortaleza do Guincho ainda só tenha uma estrela Michelin. Aguarde-se pela próxima Gala Michelin (a realizar no Porto, no dia 24) para perceber se a “bíblia” da alta cozinha reconhece o trabalho que Gil Fernandes e a sua equipa (onde se inclui quem trabalha na sala) são, finalmente, reconhecidos com duas estrelas. E é mesmo por aí que começámos a nossa breve conversa com o chef. .“Sou filho de uma terra de pescadores, sou filho do mar, uso-o com admiração e respeito”Está a trabalhar para a segunda estrela Michelin? Sim. Trabalhamos para melhorar todos os dias. Portanto, passo a passo, cada ano a nossa proposta estará melhor. É necessário tempo, para que todos evoluamos. Michelin é uma empresa privada que toma as suas decisões de uma forma madura e muito ponderada, exigindo que demos o melhor de nós todos os dias. Acredito que com naturalidade, trabalho e tempo acontecerão coisas bonitas.Sentiu mudanças na organização da gala Michelin dedicada exclusivamente a Portugal? Creio que houve mais visibilidade para nós enquanto país, deixando de estar à sombra de Espanha. Para que nos valorizem pela nossa própria gastronomia e cultura. Com isso chegaremos a palcos que só com esta visibilidade podemos chegar, por consequência haverá mais interesse em financiamentos que nos ajudarão a evoluir. Há que continuar a investir pois há talento, produto, tradição e inovação suficientes para estarmos entre as potências gastronómicas mundiais. É certo que demorará muito tempo, mas é isso que acredito.Como avalia a evolução da sua cozinha desde que assumiu a liderança do restaurante da Fortaleza do Guincho? Desde o primeiro dia enquanto chef do Fortaleza que defini os valores gastronómicos pelos quais me rejo. Com o passar dos anos fomos polindo estes sabores tornando mais sólidos e equilibrados. Não mudamos um prato só pela pressão de o fazer, tomo decisões sempre muito pensadas para melhorar cada vez mais a experiência do cliente. Na prática evoluímos, pois temos pensado sempre no sabor em primeiro, na inovação da tradição, na consistência, no produto local, focamo-nos na qualidade (não na quantidade), fizemos obras, modernizando o espaço. A aposta continua a ser nos sabores do mar. Tem a ver com o seu gosto pessoal, ou faz parte do conceito do restaurante? A localização fala por si, a proximidade dá-nos uma conexão com o mar através de todos os sentidos. Temos vindo cada vez mais a trabalhar o local. Sou filho de uma terra de pescadores, sou filho do mar, uso-o com admiração e respeito.Quando muda a carta, quais as principais preocupações? Dar continuidade ou inovar? Alteramos pratos consoante as estações dos produtos, de uma forma muito regular. Estamos constantemente em mudança, mutação. Continuamos com alguns pratos que definem a nossa filosofia. Inovação e vanguarda estão sempre no nosso horizonte.Qual foi a melhor refeição que alguma vez teve? Há várias. No fine dining: Locavore, em Bali; Azurmendi, País Basco; Indian Accent, Nova Deli. Em Portugal, no Vila Joya e no Ocean. E em locais mais tradicionais, no Mugasa e na Tasca do Petrol.
A localização é privilegiada: onde a terra acaba e o mar começa. As grandes janelas da sala principal do restaurante Fortaleza do Guincho fazem rivalizar a atenção dos comensais para onde se deve olhar: para a paisagem atlântica e o mar selvagem ou para aquilo que é servido à mesa. Gil Fernandes, chef do restaurante desde 2018, sabe tirar partido dessa “luta” e traz para a mesa os sabores daquilo que se avista. E é com esta promessa do mar no prato que se visita o Fortaleza - que tem uma estrela Michelin desde 2001. O ambiente do espaço é quase formal, a decoração, a qualidade dos têxteis nas mesas e dos copos, até mesmo os maneirismos e cortesias que parece estarem a perder-se no tempo, mesmo noutros restaurantes estrelados, e fazem deste restaurante um bastião de um certo classicismo resguardado, em contra-corrente com novas tendências e “modernices”. Contudo, o que chega nos pratos é pura inovação e coloca em alerta a maioria dos cincos sentidos humanos. . Foi numa noite de chuva e vento, a ganhar contornos de tempestade que o DN visitou o local. Recebidos pela simpática e eficiente equipa, sem os tais maneirismos da moda, apresentaram o que se seguiu: o menu Experiência (190 euros por pessoas) com paring de vinhos (ficando o preço a 295 euros por pessoa). Comecemos pelos vinhos. Nessa noite o sommelier de serviço, João Paulo Filipe, começou por servir um Alvarinho de Trás-os-Montes, Head Rock. Seguiram-se, por esta ordem a fazerem parelha com os pratos que a seguir desvendamos: Crasso superior, do Douro; Quinta do Ameal, vinho verde; e o tinto do Alentejo, Reynolds - com castas Alicante Bouchet, Syrah. A finalizar, a dita “cereja no topo do bolo” com um riesling Late Harvest da Quinta de Santa Ana, com nuances de sabor a remeter para o marmelo - e que no caso, “casou” com a sobremesa. Mas já lá iremos. A experiência de momentosOs pratos do menu Experiência são divididos em vários momentos. A começar, o “Foraging”, composto por lingueirão e erva de caril. De seguinda, o momento “Mar”, com um favo de areia com caldo do mar, fricassé de bivalves, mel e algas. Ainda dentro deste menu, o “Pescado Subvalorizado”, com buzinas e gengibre. De seguida a “Receita da Avó”, que se traduz em arroz de lapas com funcho do mar. “Agricultura” foi o momento que se seguiu, com uma trepadeira e o galinheiro da avó São - com a proteína de caça, topinambur e inola. E ainda o menu estava a meio. É extenso, longo, cerca de três horas à mesa, mas longe de ser cansativo. Consegue transmitir uma boa percepção do trabalho minucioso da equipa de Gil Fernandes e do preço da refeição - mais do que justo. Na segunda parte – na opinão de quem escreve este texto, porque o menu não tem intervalo – chega à mesa o indispensável carabineiro do Algarve e depois as proteínas no momento “Lobo em Pele de Cordeiro”, um peixe da lota, moreia e alho negro – ainda uma “pausa” com o momento "Remédio para a Digestão" e, a finalizar os pratos principais, um borrego Merino, cuscous transmontanos e cogumelos selvagens. E só depois chegaram as sobremesas: “Toca de Conhecimento”, com Achar de Pêra e Marmelo; e ainda Nabada de Semide, e a seguir mignardises, ou como quem traduz, doces delicadezas para acompanhar o café ou chá.. Em jeito de balanço, porque este texto não é uma crítica, há duas ideias que ficam no ar para quem tem a sorte de viver os momentos gastronómicos relatados nas linhas anteriores. A restauração clássica ainda tem lugar no mundo gastronómico que se deixa influenciar por tendências que logo (quase) todos tendem a seguir e, talvez mais importante, como é possível que o Fortaleza do Guincho ainda só tenha uma estrela Michelin. Aguarde-se pela próxima Gala Michelin (a realizar no Porto, no dia 24) para perceber se a “bíblia” da alta cozinha reconhece o trabalho que Gil Fernandes e a sua equipa (onde se inclui quem trabalha na sala) são, finalmente, reconhecidos com duas estrelas. E é mesmo por aí que começámos a nossa breve conversa com o chef. .“Sou filho de uma terra de pescadores, sou filho do mar, uso-o com admiração e respeito”Está a trabalhar para a segunda estrela Michelin? Sim. Trabalhamos para melhorar todos os dias. Portanto, passo a passo, cada ano a nossa proposta estará melhor. É necessário tempo, para que todos evoluamos. Michelin é uma empresa privada que toma as suas decisões de uma forma madura e muito ponderada, exigindo que demos o melhor de nós todos os dias. Acredito que com naturalidade, trabalho e tempo acontecerão coisas bonitas.Sentiu mudanças na organização da gala Michelin dedicada exclusivamente a Portugal? Creio que houve mais visibilidade para nós enquanto país, deixando de estar à sombra de Espanha. Para que nos valorizem pela nossa própria gastronomia e cultura. Com isso chegaremos a palcos que só com esta visibilidade podemos chegar, por consequência haverá mais interesse em financiamentos que nos ajudarão a evoluir. Há que continuar a investir pois há talento, produto, tradição e inovação suficientes para estarmos entre as potências gastronómicas mundiais. É certo que demorará muito tempo, mas é isso que acredito.Como avalia a evolução da sua cozinha desde que assumiu a liderança do restaurante da Fortaleza do Guincho? Desde o primeiro dia enquanto chef do Fortaleza que defini os valores gastronómicos pelos quais me rejo. Com o passar dos anos fomos polindo estes sabores tornando mais sólidos e equilibrados. Não mudamos um prato só pela pressão de o fazer, tomo decisões sempre muito pensadas para melhorar cada vez mais a experiência do cliente. Na prática evoluímos, pois temos pensado sempre no sabor em primeiro, na inovação da tradição, na consistência, no produto local, focamo-nos na qualidade (não na quantidade), fizemos obras, modernizando o espaço. A aposta continua a ser nos sabores do mar. Tem a ver com o seu gosto pessoal, ou faz parte do conceito do restaurante? A localização fala por si, a proximidade dá-nos uma conexão com o mar através de todos os sentidos. Temos vindo cada vez mais a trabalhar o local. Sou filho de uma terra de pescadores, sou filho do mar, uso-o com admiração e respeito.Quando muda a carta, quais as principais preocupações? Dar continuidade ou inovar? Alteramos pratos consoante as estações dos produtos, de uma forma muito regular. Estamos constantemente em mudança, mutação. Continuamos com alguns pratos que definem a nossa filosofia. Inovação e vanguarda estão sempre no nosso horizonte.Qual foi a melhor refeição que alguma vez teve? Há várias. No fine dining: Locavore, em Bali; Azurmendi, País Basco; Indian Accent, Nova Deli. Em Portugal, no Vila Joya e no Ocean. E em locais mais tradicionais, no Mugasa e na Tasca do Petrol.