"O CDS está em crise porque lhe faltam bandeiras que o liguem às pessoas"
Isto podia ter sido um drunch com (é mesmo assim, com "d"). Não fosse o coronavírus ter trocado as voltas ao mundo inteiro e nestas linhas podia estar a ler sobre as maravilhas do The Wearhouse, hotel junto ao aeroporto do Dubai onde se servem faustosos brunches acompanhados de bebidas (inclusive alcoólicas) ilimitadas e às 16.00 abre a pista para dançar até cair e estar de volta a casa a tempo de deitar os miúdos. É uma tradição às sextas-feiras entre os portugueses que se fixaram naquele emirado árabe e seria poiso certo de Carlos Guimarães Pinto, não fosse a pandemia ter primeiro adiado e depois inviabilizado o seu regresso ao país onde viveu até 2015, para onde se mudou acabado de sair da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e trabalhou como consultor do mercado financeiro para empresas em mais de 20 países.
"Estava de malas feitas para seguir para Madrid, Londres e depois Dubai", conta o ex-presidente da Iniciativa Liberal e que nesta semana lançou o +Liberdade, instituto sem fins lucrativos para promover "a democracia, a economia de mercado e a liberdade individual" - onde conta também com nomes como o empresário Carlos Moreira da Silva, presidente do Conselho de Curadores, e Adolfo Mesquita Nunes, antigo secretário de Estado do Turismo, como presidente da mesa da assembleia geral.
À semelhança do que faz todos os anos há uma década, Carlos passou um mês a dar aulas no Vietname e de caminho foi visitar os amigos ao Dubai e convidado pela empresa que o contratara em 2006 a voltar aos quadros. Começaria em maio. "Queria antes acabar o doutoramento e isso acabou por se prolongar até setembro por causa da pandemia", conta o economista, explicando que, já de contrato assinado, acabou por ter de encontrar uma solução que servisse todos: ficar em Gaia, manter a consultoria para o Dubai à distância e em part time. E despediu-se das aulas no Vietname e no IEP da Católica em Lisboa, assumindo agora uma cadeira na sua casa de formação. O que lhe garantiu espaço para um outro projeto que vinha ganhando força na sua cabeça, este movimento de literacia com base nos princípios liberais.
"Se não fosse agora, não avançava e era uma coisa que queria mesmo fazer - e implicava ter um papel executivo." Nem mesmo Carlos Guimarães Pinto, porém, imaginava quanto de si teria de dar ou sequer que o +Liberdade se espalharia tão rapidamente como fogo em erva seca. "Foi avassalador. O objetivo que tínhamos traçado até ao verão cumprimos em duas horas: inscreveram-se 300 pessoas. Em quatro ou cinco dias já estamos com duas mil, e quase 700 jovens (que não pagam quotas), o que acaba por trazer um peso brutal sobre uma estrutura muito pequena que somos e nos deixa pouco tempo para produzir os conteúdos de literacia que já queríamos estar a fazer em quantidade." Há sobretudo muitas pessoas a perguntar como podem ajudar, a querer envolver-se no projeto, levar a literacia às escolas. Porque muitos reconhecem que há essa carência no sistema e quão importante é ter estas bases no dia-a-dia mas também para garantir padrões de exigência.
"A falta de literacia económica em Portugal é um problema e que tem reflexo grande na vida das pessoas, nos seus pequenos negócios, mas também na forma como escrutinamos os poderes públicos. Demasiadas pessoas arruinaram as suas vidas por más decisões financeiras, faliram as suas pequenas empresas porque não têm noção de conceitos como amortização ou poupança", explica. E dá um exemplo claro: "se perguntássemos aos portugueses se eram a favor de um aumento salarial de 20% na função pública e de um corte de impostos a metade em simultâneo, quase todos responderiam que sim, porque não veem a impossibilidade de fazer isso. Mas há muito mais exemplos, como a forma como se valoriza investir 4 mil milhões na TAP - o que significa não os aplicar noutras áreas."
É para construir entendimento e literacia a este nível que surge o +Liberdade, com um plano de ação traçado que passa por dar acesso à sociedade civil a livros online gratuitos, organizar debates, levar a educação económica às escolas, trazer alternativas. Incluindo sobre a revolução ambiental, tema que consideram prioritário. O objetivo não é evangelizar, mas antes conseguir que as pessoas comecem a seguir os seus próprios ideais e princípios mas com noção de como as coisas funcionam, do que cada escolha implica, de forma que passem a tomar decisões informadamente.
O desafio é enorme e o ex-líder da Iniciativa Liberal assume que "corresponder às expectativas é o mais aterrador" - como o foi o momento em que se apercebeu que o seu partido até tinha hipóteses de eleger um deputado. São momentos de grande ansiedade com os quais aprendeu a lidar com o próprio Dalai Lama.
Curiosamente, o caminho que o levou a um curso de uma semana que o líder espiritual do Tibete é o mesmo que o sentou na liderança do IL. "É um conjunto de acasos", reconhece quando arranca nesta viagem em que partiu de Gaia, recém-formado, para um estágio na Índia, em 2004. "Tinham imensos projetos em português e imenso trabalho com uma comunidade de estrangeiros alargada e deram-me uma série de projetos, mas por essa altura saiu nos jornais britânicos uma série de notícia dando conta de que os dados de empresas indianas não eram confiáveis e os contratos cessaram; eu não tinha que fazer e comecei a ler blogs." Tornou-se então assíduo leitor dos Gato Fedorento e fã de Ricardo Araújo Pereira e quando o blog deste entrou em conflito com o da Atlântico despertou nele a vontade de criar o seu próprio espaço de partilha das coisas que ia lendo. Daí a começar ele próprio a escrever foi só um passo. E então sentiu necessidade de ler mais, de ler coisas novas, diferentes. "Como tinha tempo, fui para os Himalaias e consegui aproveitar a oportunidade daquela semana em que abrem aulas com o Dalai Lama. Queria ter essa experiência de o conhecer e perceber aquele contexto, como assistir à missa, e aprendi métodos interessantes de gestão de expectativas, além da experiência única que é estar naquele sítio, interagir com os refugiados tibetanos, ter à disposição uma imensa biblioteca de livros estrangeiros - li imenso de autores liberais."
O liberalismo foi crescendo nele. Só não esperava tornar-se líder do partido que defendia as suas ideias em tão pouco tempo. "A certa altura, nos primeiros meses, a IL teve uma crise interna e falaram comigo para saber se estaria disponível - eu nem membro era e apesar de ser liberal achava que não tinha o perfil certo, não conhecia ninguém, era gago..." Tivera aulas para ultrapassar essa dificuldade de expressão mas no regresso do Dubai, por exemplo, quando voltou a falar português no dia a dia depois de tanto tempo fora, a gaguez voltou também. Mas sobretudo não era um político. Pelo que, assumida a liderança, a perspetiva de apenas dois anos depois de nascer o partido estar à beira de eleger o fez procurar quem pudesse poupar esse lugar na Assembleia da República - representado por João Cotrim de Figueiredo. "Os perfis são distintos e o meu não é aquele, gosto de me expressar, de passar as minhas ideias mas em artigos escritos, eventualmente em vídeos mas gravados." O que não o livrou de ter de participar ainda num debate televisivo: "Disseram-me que ou ia eu, que era o líder, ou a cadeira ficava vazia." Era demasiado importante para ficar de fora.
Agora afastado da atividade partidária, não deixou o partido e viu com agrado a participação do candidato Tiago Mayan Gonçalves nas Presidenciais. "Ele era um desconhecido e sobretudo nos debates esteve muito bem, soube passar as ideias com clareza."
No movimento que agora abraça, diz que não faz falta qualquer componente política. É assumidamente de cidadania. "Somos todos defensores das ideias liberais e das liberdades individuais em todos os seus quadrantes - essa é a única componente política. Não quero que tenha mais peso do que esse, porque este tipo de movimentos serve para criar padrões de exigência na sociedade, gerar ideais de economia de mercado em todos os objetivos dos diferentes partidos, de um lado ao outro do espetro."
Sobre os novos partidos que fragmentaram a representação política em Portugal só tem bem a dizer. Essa diferença permite aproximar a política das pessoas, porque são as suas causas e a sua maneira de pensar que passam a estar ali representadas, defende. Concordemos ou não com elas, é um retrato da sociedade e obriga os partidos mais antigos a sair das suas próprias esferas, do umbiguismo e das preocupações internas para olhar para aqueles que devem representar. "É sempre bom ter mais pontos de vista, mais ideias - e grande parte do sistema europeu é assim. Isso dá palco a forças como a extrema-direita, sim, mas a alternativa são movimento como o que vimos nos Estados Unidos, onde Trump tomou conta de uma faixa que defendia determinados interesses e de repente estava no poder. É importante ouvir todas as visões e não se ganhava nada em termos de pluralismo, ter apenas PS e PSD, cada vez mais afastados do que as pessoas pensam e querem. O CDS é hoje o exemplo máximo disso: está com os problemas que está porque não se identifica com nenhum grupo, faltam-lhe bandeiras que o liguem às pessoas."
Casado com uma húngara investigadora na Universidade de Aveiro e começando sempre o dia com uma hora a nadar, será questão de tempo - e de voltarmos a circular livremente - até que Carlos Guimarães Pinto volte ao Dubai. "Adorei viver lá e tenho bons amigos que visito todos os anos. Sempre gostei muito de viajar, de conhecer culturas diferentes" e também por isso, sendo dos melhores alunos de Economia do Porto, escolheu ir para a Turquia e depois fazer estágio na Índia, sobre qualquer outro destino. Para a filha, de 4 anos - que faz questão de levar e buscar ao infantário e com quem passa diariamente uma hora no parque, não é a ele que cabe estabelecer objetivos. Fá-lo para o país: "Gostava que Portugal fosse suficientemente atrativo para ela querer aqui viver e ter aqui oportunidades. Aos 23 anos, o meu primeiro salário em Portugal era equivalente à soma dos do meu pai (empregado de escritório) e da minha mãe (funcionária de uma escola). No Dubai ganhava o triplo, líquido. Se a Laura emigrar, que seja porque quer fazê-lo, não porque não tem aqui as oportunidades que deseja."