Andamos com a família Google nas mãos
O telefone. Hardware de topo aliado a serviços de IA únicos num smartphone fazem do aparelho da Google o mais excitante do momento.
Há vantagens em chegar atrasado a um evento - fashionably late, como dizem os americanos. Com a festa em curso, os convivas já quebraram o "gelo", resolvidas que estão as hesitações e os pequenos embaraços iniciais. Visto por esta perspetiva, foi positivo para nós, portugueses, o facto de a Google ter estado sete anos sem trazer os seus telefones para o nosso mercado. É que, à 8.ª geração, a linha Pixel de smartphones chega com uma maturidade de performance e inclui serviços que colocam estes aparelhos quase numa classe à parte.
O que chegou ontem às prateleiras das lojas Worten e Vodafone - os parceiros exclusivos para Portugal - são produtos cuja qualidade se sente no momento em que se lhes pega - o exterior em vidro suave ao toque é particularmente agradável e temos pena que acabe por ser sempre coberto por uma capa protetora! A banda que contém as câmaras, um design único dos Pixel, é daquelas coisas que ou se ama ou se odeia, mas é certo que dão ao telefone um aspeto mais simétrico do que as soluções adotadas pela concorrência.
Já que falamos em câmaras... No Pixel 8 são duas: uma principal de 50 megapíxeis (MP) e uma ultragrande angular de 12 MP (com autofocus e Macro até três cm). Já o Pixel 8 Pro porta três câmaras: a principal é semelhante; a ultragrande angular é melhorada (a Macro foca até dois cm); e uma teleobjetiva de 48 MP com zoom ótico de 5x. Ambos os telefones são capazes de gravar vídeo a 4K, 24 frames por segundo.
Quanto ao processador, os Pixel são equipados com o novo Tensor G3, cujo desempenho (segundo o site especializado nanoreview.net) está um pouco abaixo do melhor que o mercado oferece no momento - o Qualcomm Snapdragon 8 Gen 2 -, foi especialmente concebido para correr algoritmos de Inteligência Artificial (IA). E é aqui que os Pixel se diferenciam da concorrência.
(Diga-se que, em utilização diária, o Tensor G3 foi perfeitamente rápido e capaz de correr tudo o que lhe pedimos sem qualquer atraso, incluindo jogos. É bem sabido que os benchmarkings não contam tudo.)
Estamos há cerca de uma semana a utilizar o Pixel 8 Pro, pelo que todas as observações que se seguem referem-se a este modelo.
Numa foto de grupo, é impressionante a facilidade com que, bastando apenas alguns toques no ecrã, se escolhem e trocam os melhores rostos de cada participante. A Google chama-lhe Best Take e o funcionamento é tão simples que (quase) chateia: tiram-se várias fotos do mesmo momento; o sistema reconhece sozinho que se trata da mesma coisa; ao escolher (em edição) a opção Best Take, o telefone mostra para cada rosto de cada pessoa as várias opções captadas. É só escolher a melhor (ou pior...) de cada uma - visualiza-se em tempo real - e finalizar. O telefone gera uma foto nova com os rostos escolhidos.
Nos vídeos, além de o sistema de compressão de imagem ter sido visivelmente melhorado - os filmes têm melhor qualidade quando comparados com a geração anterior (exemplos encontrados no YouTube) -, é no áudio associado que a "magia" da IA acontece. E, parafraseando o velho slogan da Apple, simplesmente funciona.
A Google chama-lhe Audio Magic Eraser. Na realidade trata-se da capacidade de o sistema automaticamente separar o áudio captado em, pelo menos, duas pistas diferentes - por exemplo, as vozes e o ruído de fundo - para o utilizador apagar (ou baixar, a seu gosto) aquele que não lhe interessa, gerando um clip novo com o som que lhe interessa. Isto em segundos e meia dúzia de cliques, tudo processado no próprio telefone.
Já conhecidas das gerações anteriores (noutros mercados) são ferramentas como o Magic Eraser (que permite apagar qualquer elemento de uma foto) ou o Photo Unblur (capaz de "desfocar", até certo ponto, uma imagem), mas nesta nova versão ambas estas ferramentas foram muito melhoradas. Em especial a primeira.
O maior problema ao apagar qualquer elemento de uma foto é a capacidade que o sistema tem em preencher o espaço deixado vazio. A Google incorporou no telefone um avançado algoritmo de IA de criação de imagens que, mesmo quando apagamos um elemento em primeiro plano -por exemplo, uma pessoa - e o fundo é complexo (contém vários elementos), extrapola o que lá falta de forma incrivelmente competente e acrescenta-o. Em menos de dois minutos gera quatro fotos diferentes, para que escolhamos, e se nenhuma for boa, existe a opção de pedir novo trabalho.
Por fim, a IA também é usada para "melhorar" a captação noturna, através das opções Night Sight e Astrophotography, temas a que voltaremos num follow-up a este artigo.
Além de funcionarem extraordinariamente bem, é a facilidade de utilização destas ferramentas que mais impressiona. Selecionar um indivíduo - ou um qualquer elemento ou animal - numa foto é tão fácil quanto um toque ou arrastar uma mancha. A qualidade final do "trabalho"é igual ao que resulta usando os serviços na nuvem.
Aliás, é isso mesmo que o Pixel 8 (não o Pro) faz em alguns casos - se necessário, envia os dados para serem processados, para os servidores da Google e descarrega-os depois. Naturalmente, isto tem custos de velocidade. Afinal, a diferença de preços - de 829€ do base para 1139€ do Pro - tem de estar em algum lado e não é só na referida câmara a mais.
A Google garante sete anos de atualizações, de segurança e sistema, o que é muito acima da média e, de certa forma, pode justificar o investimento. Os aparelhos vêm com Android 14 - "puro", claro, sem mexidas de terceiros.
Ao fim de uma semana de utilização quase exclusiva do Pixel 8 Pro, há muito pouco a não gostar neste aparelho. Aliás, até hoje, só uma coisa desiludiu e foi logo no primeiro dia: apesar de ser Dual SIM, apenas admite um cartão de operadora físico, o segundo terá de ser eSIM. O que, infelizmente, não dá muito jeito, mas mesmo nisso, quem na realidade anda atrasado são as telecoms porque, convenhamos... por que raio ainda usamos aqueles chips do séc. XX?
O relógio. A 2.ª geração do smartwatch do gigante de software revela-se um quase indispensável companheiro do seu telefone.
Até há dois dias, não era possível programar o Google Pixel Watch 2 para entrar em modo "noturno" ou "não incomodar" automaticamente. Até que uma atualização na app - mesmo a tempo para a disponibilização ao público do equipamento - fez com que o aparelho passasse automaticamente a refletir o estado do telefone. Se este está a bloquear chamadas e notificações, estas também já não chegam ao relógio. Custou, mas foi!
Um detalhe que reflete duas coisas definidoras deste aparelho: apesar de ser já um muito completo smartwatch, está ainda em processo assumido de evolução; é mais do que um stand-alone device, um companheiro do telefone, em especial do Pixel, da própria Google.
Não quer isto dizer que ele não trabalhe igualmente bem com outro aparelho Android. Mas há cerca de uma semana que o experimentámos com o Pixel 8 Pro e todos os comentários que se seguem são neste contexto.
No Watch 2, a Google (finalmente) fez uso total da compra, há dois anos, do gigante da monitorização de exercício e dados de saúde Fitbit e incorporou todo o hardware e know-how no aparelho. De tal forma que o smartwatch funciona, em parte, como um tracker da Fitbit, utilizando mesmo a nova app destes.
O relógio inclui os mais avançados sensores de monitorização de dados biométricos que a Fitbit possui - anunciados também na nova bracelete Charge 6 -, incluindo um sistema de medição de ritmo cardíaco que se anuncia o mais preciso de sempre, além de termómetro capaz de detetar microvariações da temperatura da pele, etc. Todos os parâmetros reunidos, é assim possível, por exemplo, medir o estado geral do corpo (Body Responseness), tendo também em conta o volume de exercício realizado, o estado de stress ao longo do dia, etc.
Além disso, ainda permite "fazer um eletrocardiograma" em 30 segundos, o que pelo menos serve para despistar uma condição grave.
Este tipo de visão holística da pessoa irá em breve, promete a Google, ser melhorada com recurso a IA, vindo a ser possível - para subscritores do Fitbit Premium - pedir relatórios personalizados sobre performance, gerados em tempo real em linguagem natural e acompanhados com gráficos, de forma a poder-se melhorar a sua prestação.
De resto, a nova app da Fitbit, com os dados captados pelo Watch, é uma excelente evolução da antiga, com todos os dados essenciais à mão, facilmente personalizável - podendo colocar-se com facilidade aquilo a que se dá prioridade em primeiro plano.
Enquanto smartphone propriamente dito, o Watch 2 é uma pequeno Android no pulso. Corre o Wear OS 4 e tem disponíveis muitas apps da PlayStore que correm diretamente no relógio. Entre elas, as básicas da própria Google, desde o Gmail ao Maps, passando pelo YouTube Music e a Wallet, para pagamentos sem cartão.
Mas há também o WhatsApp, e o Outlook (para quem quer uma coisa mais séria do que o Gmail para os seus emails), o Spotify ou o Deezer.
Uma vez que a Google apenas trouxe para Portugal a versão wi-fi, o relógio no exterior precisa de estar ligado ao telefone para ter internet (e atender chamadas). De qualquer forma, é definitivamente para funcionar neste modo que ele foi pensado - como companheiro do telefone, porque a integração entre os dois é praticamente perfeita.
Ao longo da semana em que os estivemos a usar diariamente, não houve uma notificação que se tivesse perdido (o que não acontece com relógios de outras marcas); estas trazem inclusivamente fotos - o que no caso do DN é bem bonito! Depois, o que fazemos num ecrã reflete-se de imediato no outro, incluindo responder a uma mensagem - sim, é possível, apesar do minúsculo teclado do relógio, o texto preditivo faz um trabalho razoável a adivinhar em que tecla se está a carregar; a função (desativada por defeito) de lançar os comandos de controlo da música no relógio automaticamente quando este começa a tocar é uma maravilha...
Por fim - e até ao artigo de follow-up que fica desde já prometido -, o Google Assistant no pulso é extraordinariamente prático. Desde o agendamento de compromissos até ao controlo de todas as luzes (e não só) de casa falando para o relógio, esta é sem dúvida uma mais-valia. Isto depois de passar a estranheza de falar para o pulso, estilo Dick Tracy ou Knight Rider...
Depois disso, atender chamadas da mesma forma já nem é tão mau. E o alta voz do relógio é excelente, de facto.
Pontos negativos? Um, sem dúvida: o facto de apenas existir um modelo com 41 mm de diâmetro. O que, para pulsos mais XL, pode parecer pequeno. Terá esta decisão a ver com a necessidade de não fazer um modelo com ecrã maior - este, sendo always-on, mantém uma autonomia de 24 horas e uma velocidade de carregamento inferior a meia hora (é pô-lo a carregar durante o duche, porque apesar destas coisas serem à prova de água, não convém que levem com os produtos de banho). Vale os 399 euros pedidos? Tecnologicamente, diríamos que sim. O gosto, esse, é seu.
Os fones. O "ecossistema" da Google fica completo com os auscultadores que também incluem Inteligência Artificial. E surpreendem.
Chegámos a uma fase da indústria em que, dentro dos relativos preços, a maioria dos fones sem fios in ear soam quase todos da mesma forma. Limitados pelo tamanho dos altifalantes que podem construir e pela qualidade do sinal que o aparelho vai receber via Bluetooth, os fabricantes acabam por tentar uma resposta o mais linear possível e depois deixar que os utilizadores usem os artifícios da equalização digital para "personalizar" o som. Surpreendentemente, não é bem o que os Google Pixel Buds Pro fazem.
Quem ouça os marketeers do gigante americano, claro que estes só destacam as magias digitais que estes aparelhos fazem, em especial com recurso a Inteligência Artificial. Já lá vamos. Mas o que é certo é que estes fones, após o firware atualizado (atenção a este detalhe!) com o sistema digital antirruído desligado e o equalizador em flat (ou seja, com o som mais "puro" possível) são dos melhores que já ouvimos não provenientes de uma fabricante de áudio perfeccionista. Na casa dos 250€ (estes custam 229), só o equivalente da Cambridge Audio se revela mais detalhado, mas estes, depois, não têm todas as outras funcionalidades.
E estas são muitas. O sistema digital de supressão de ruído externo é extremamente eficaz e nada intrusivo - ao contrário de vários modelos, incluindo da Sony - que experimentámos: não há aqui qualquer som parasita permanente, que se nota em silêncio.
Depois, há o sistema de Inteligência Artificial que deteta quando estamos a falar e pausa automaticamente a música, passando os fones para modo transparência. Isto não é novidade da Google - os mais recentes da Apple fazem o mesmo -, mas funciona bem (distingue em mais de 95% entre sermos nós a falar ou outro som qualquer alto, mesmo junto a nós).
Por fim, há a cada vez mais obrigatória inclusão da assistente digital que, claro, está limitada à Google, ou não fosse este um produto da marca. Esta é capaz inclusivamente de ler as mensagens de texto em português de Portugal - mesmo quando está configurada para falar em inglês. Muito esperta!
Para finalizar, nota para duas ferramentas incluídas nos telefones Pixel 8 quando se ligam os fones: Hearing wellness, que monitoriza o volume (em decibéis) com que se está a ouvir música e avisa quando se ultrapassa o limite considerado prejudicial à audição; e o Eartip seal check, um teste de alguns segundos em que os aparelhos verificam se estão bem colocados e/ou se as borrachinhas são as certas para os ouvidos do utilizador. Muito prático e recomendado.
O diretor de Vendas para a Europa, Médio Oriente e África da Google, na apresentação em Portugal dos dispositivos, fala ao DN sobre os Pixel e o papel da IA.
Por que demorou tanto tempo para trazer os Pixel para Portugal?
Este era o momento certo para dar vida a coisas como o Audio Magic Eraser, que nunca ninguém fez, e o Best Take, que também nunca foi feito, onde podemos escolher os rostos das pessoas [nas fotos de grupo] para fazê-las parecer no seu melhor, e incluir mesmo algumas das nossas ferramentas antigas, como a visão noturna e o Magic Eraser. Mas lembro-me de ter tido uma sensação incrivelmente estranha de orgulho, há talvez dois, três anos, ao caminhar por Londres e ao ver, de repente, a icónica barra da câmara do telefone nas mãos das pessoas em todo o lado. Mal posso esperar para voltar a Portugal e ver essa barra nas mãos das pessoas.
E como é que, por exemplo nas redes sociais, se pode identificar que uma imagem foi modificada pela IA no Best Take? Existe uma marca d"água?
Não. As fotos editadas com Best Take não incluirão metadados. O Best Take não gera nenhuma expressão facial. Usa um algoritmo de deteção de rosto no dispositivo para encontrar o rosto em seis fotos tiradas com segundos de diferença. Ele não pode extrair fotos mais antigas fora do período mencionado acima.
Mas, seja como for, é o fim da ideia do "Momento decisivo" de Henri Cartier-Bresson?
Costumávamos dizer algo parecido sobre as obras de arte, quando as pessoas pintavam e depois apareceu a fotografia. É apenas a evolução da realidade. Mas o que mais me orgulha de fazer parte deste projeto é saber o quanto é necessário para que todos se sintam vistos, todos se sintam ouvidos, todos se sintam acessíveis. Torna a vida das pessoas mais útil, torna as memórias das pessoas tão reais e memoráveis quanto o dia em que elas as tiveram.