Dizem que não se deve voltar aos locais onde já fomos felizes. O que nos chega à mesa do restaurante do Bairro Alto Hotel (BAHR) contradiz essa ideia. Contudo, a mudança recente na liderança da cozinha elevou a curiosidade. A brigada do restaurante está agora aos comandos do chef Bruno Rocha que já era o braço direito do anterior chef, Nuno Mendes - que voltou a concentrar-se nos seus projetos em Londres..No dia em que visitamos o BAHR também na sala pouco ou nada tinha mudado. Com exceção da mesa onde estavam sentados os jornalistas, em volta não se ouvia português, a confirmação de que o mundo está a voltar a descobrir a gastronomia portuguesa depois do fim da pandemia, ou que a diminuição do poder de compra dos portugueses está a afastá-los destes locais....Também na cozinha - separada da sala pelo icónico balcão de mármore - continua uma espécie de "bailado" silencioso e imaculado de chefs, sous chefs e demais membros..Há, contudo, uma diferença - a nova direção de Bruno Rocha (ver caixa) faz questão em sublinhar -, com uma nova filosofia agora publicamente assumida: o reaproveitamento dos alimentos. O chef explica o esforço em não desaproveitar nada do que sobra entre os vários locais do hotel: da pastelaria ao rooftop, do restaurante ao cocktail bar 18:68. "Não são somente as aparas e sobras que vão para a confeção de molhos, é mais do que isso, antes de deitar algo para o lixo fazemos o exercício de como o produto ainda pode evoluir"..Aliás, o almoço nesse dia começou com um cocktail com "desperdício zero". A bebida com base em cereja, faz parte da nova carta do cocktail bar 18:68 e pode ser bebida nos vários espaços do hotel: ao balcão, na esplanada com vista para o Tejo ou no restaurante..Durante o encontro com a imprensa foram servidos vários pratos, todos com a filosofia de reaproveitamento, de tomates a presa de porco. Mas para marcar o momento, o chef Bruno Rocha, não só serviu Imperador, no prato de peixe, como trouxe para a mesa a cabeça do peixe, curada com sal e ligeiramente braseada que gentilmente esquartejou e dividiu pelos convidados, simples e eficaz..O resto da carta é a tal combinação que o chef faz questão de sublinhar: receituário luso com técnica japonesa, do qual se pode destacar o ceviche de robalo, agrião e nectarina nas entradas e o nife tomate-de-verão ou a massada de tamboril. Nas sobremesas, da responsabilidade da chef pasteleira Maria Ramos, o destaque vai para os morangos com sorbet de tomate, gelado de iogurte com polén de funcho - algo que, provavelmente já deverá ter saído de carta para dar lugar a sabores de outono..Nos vinhos, a escolha dos dois sommeliers da casa, David Rosa e Vasilii Grebencea, dá preferência para vinhos com pouca intervenção, portanto biológicos, sem deixar de lado uma oferta mais clássica. Não só portugueses como estrangeiros, como o vinho da Geórgia que foi servido. Em suma, o restaurante do Bairro Alto Hotel continua igual, apesar das diferenças. Mas sempre boémio, como gostam de sublinhar..Como foi a transição do chef Nuno Mendes para si, o que mudou na cozinha?.Não existiu transição. Continuamos fiéis a um projeto e a uma forma de estar nesta indústria que foi motivo de reflexão e discussão, desde 2108..Insisto: nesta "nova era" em que está efetivamente à frente do BAHR (e do resto do hotel que se serve da cozinha) que pratos aconselha?.São todos "nossos filhos" e todos refletem a nossa forma de estar e de cozinhar. Optaria antes por destacar pratos, em concordância com os diferentes momentos do dia: um pastel de nata na Pastelaria; um rissol de camarão no Rooftop; uma tarte de leitão à bairrada no Cocktail Bar 18.68; um arroz de carabineiros no BAHR ou uma sericaia no Terraço..Esta ideia de reaproveitamento é bem aceite pelos vossos clientes, que vão a um local de luxo e são informados da "economia circular" interna dos alimentos?.Sentimos que é um caminho e, como tal, faz-se caminhando. Estamos muito focados em mostrar essa direção e percebemos que uma grande franja dos turistas está sensibilizada para estas preocupações. Com a comunidade local existe trabalho a fazer, mas estamos consistentes e confiantes..Esse novo ciclo de vida de algumas das sobras dos alimentos é algo que a alta cozinha está a conseguir - e a querer - usar no seu dia-a-dia?.Nunca nos considerámos um restaurante, dito fine dinning. Sempre tivemos uma postura livre, focada em produtos, receituário luso e técnica japonesa. Olhámos sempre para uma cozinha "pobre do Alentejo" para o total aproveitamento que a cozinha japonesa preconiza, para uma cozinha austera dos nossos antepassados e tentámos elevar essa memória. Aproveitar, com base em respeito por quem o produz, pelo planeta e pela criatividade, parece-nos um ótimo caminho..A consistência é um dos fatores mais importantes na alta cozinha, contudo, como gostava que fosse o caminho do BAHR a partir de agora, há mudanças a fazer?.O sucesso de um negócio é amplamente marcado pela sua consistência. Isso dita o perdurar da sua história, estilo, viabilidade e felicidade de quem o faz. Sabemos o caminho que gostaríamos de percorrer, com os nossos clientes e acreditamos que, em conjunto podemos fazer a diferença. O BAHR não será diferente dos restantes e vai moldar-se sempre que se justifique, sem perder os valores e identidade que o caracteriza..A estrela Michelin está no horizonte?.Se cair do céu não a vamos rejeitar! Como sempre dizemos aqui entre paredes, seria desta forma que gostaríamos que tal acontecesse: livre, despretensiosa, boémia e informal.