300 anos da Quinta da Alorna: Da Índia ao Tejo e deste para o mundo
Depois de longa e trabalhosa carreira militar e pública, que o levou ao Brasil e à Índia ao serviço da Coroa, D. Pedro de Almeida Portugal, conde de Assumar, conquistou a praça indiana de Alorna em 1746. Grato pela façanha, que punha em segurança os navios carregados de tesouros da carreira da Índia, o rei D. João V distinguiu o triunfante vice-rei com um novo marquesado. Assim surgiu a histórica Casa de Alorna, que nos séculos seguintes muitos frutos daria na História de Portugal: da poesia à vinha, sem esquecer as vanguardistas preocupações pedagógicas da neta deste herói de guerra, Leonor de Almeida Portugal, quarta marquesa de Alorna, também conhecida entre os literatos da sua época por Alcipe.
Para honrar o brilho de tal genealogia e a sua associação à vinha, a Quinta da Alorna assinala o tricentenário da aquisição da propriedade por Pedro de Almeida Portugal com o lançamento de um vinho justamente designado 1723. Trata-se de uma edição limitada de 712 garrafas de Quinta da Alorna 1723 Grande Reserva Tinto, que será comercializado em conjunto com o livro Da Índia ao Tejo, do Tejo para o Mundo: 300 Anos da Quinta da Alorna, da autoria de Maria João Almeida, com prefácio de António Barreto.
Como nos conta Pedro Lufinha, diretor-geral da Quinta da Alorna, "este é um vinho que tratámos com um carinho muito grande. Há muitos anos que o estávamos a pensar: pensávamos que características queríamos que tivesse, que quantidades, quantas barricas. Mas em 2019 decidimos avançar, porque foi um ano de vinho muito bom". Este 1723 surge da vinha do planalto onde as castas Tinta Miúda, Castelão e Alicante Bouschet exibem a sua essência. Vindimado manualmente em caixas de 18 kg em 2019, cada cacho foi cuidadosamente manuseado até ao período de estágio. As três castas estagiaram separadamente, em barricas de carvalho francês, durante 10 meses, que foi o tempo necessário para integrar e envolver a fruta, tendo sido engarrafado em novembro de 2020.
No vinho destacam-se as notas balsâmicas, bosque e pinhão, que dão lugar rapidamente a outra ordem de aromas, como cereja, amora e violeta. Martta Reis Simões, enóloga da Quinta da Alorna, define-o como "um vinho elegante e sumptuoso, que transcende e desafia os dogmas da enologia e se distingue pela elegância dos sabores".
Pedro Lufinha assume que este é, de algum modo, um vinho que contraria os dogmas da enologia: "Tem pouca madeira, mas muita fruta e uma acidez relativamente elevada, mas muito delicada na boca." Este momento da celebração não corresponde, no entanto, a um sentimento de nostalgia. A Quinta da Alorna, afirma aquele seu responsável, tem os olhos postos no futuro: "Estamos a reforçar a nossa equipa, incluindo o departamento comercial, tanto dentro como fora de Portugal. Neste momento estamos a crescer 34% na marca Quinta da Alorna, e por isso estamos a plantar ainda mais vinha para alimentar tal crescimento." Situada na região de Almeirim, a propriedade ocupa 2800 hectares, parte dos quais dedicados à vinha. Hoje, a produção média anual é da ordem dos 2,2 milhões de garrafas, 46% destinadas à exportação, com Brasil, Polónia, Reino Unido, China, Rússia e Estados Unidos entre os principais mercados.
Por ocasião do lançamento desta edição especial, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, saudou não apenas os 300 anos da empresa, como destacou "o esforço visível desta em aliar a inovação à preocupação com a sustentabilidade, patente no respeito pelos solos e próprio rio Tejo". Isto num setor que, sublinhou, "tem um papel determinante na nossa economia, já que representa mil milhões de euros de exportações nacionais".
E porque o vinho também é celebração, Pedro Lufinha não esconde o orgulho na história desta casa fundada por Pedro de Almeida Portugal, cujo filho casou com uma Távora, desencadeando, sem o poder antecipar, a desgraça da família, quando o marquês de Pombal acusou os membros desta linhagem da mais alta aristocracia portuguesa de estarem na origem de uma suposta tentativa de regicídio na pessoa de D. José I. A desgraça ou, por ínvios caminhos, uma fortuna maior, já que desse casamento nasceria a figura ímpar da marquesa de Alorna, que, "para além de ter sido uma figura literária de grande importância", sublinha ainda Lufinha, "foi uma inovadora social, já que aqui em Almeirim pagava a uma tutora para instruir as meninas da região, com a autorização da rainha Dona Maria I. "Mais tarde, as filhas da intrépida marquesa venderiam a propriedade ao conde da Junqueira. A família Lopo de Carvalho, hoje proprietária, chegaria em 1918, estando atualmente na direção da Quinta da Alorna os membros da quinta geração.
"Da Índia ao Tejo e do Tejo para o mundo", o lema da comemoração deste tricentenário, faz jus à ideia de que o vinho também é cultura e património. Além da figura do fundador, o primeiro Alorna, sublinha-se o legado de Leonor de Almeida Portugal, uma das poucas mulheres portuguesas referidas pelos historiadores da literatura no período anterior a 1900.
Na cartas enviadas ao pai a partir do Convento de Chelas, onde passou a infância e juventude devido ao processo contra a sua família, D. Leonor contava como participava nos outeiros poéticos ali organizados em dias de festividades religiosas e por ocasião das eleições das preladas. Estes relatos demonstram que foi durante esses anos que se tornou exímia na técnica do improviso poético e da glosa a partir de motes sugeridos por terceiros. Já adulta, ocupou um lugar central na vida intelectual dos vários pontos onde viveu, em Portugal e no estrangeiro (de Londres a Viena de Áustria). Como neste mesmo palácio de Almeirim, sede da Quinta da Alorna, onde, através da vinha, também se comemora o seu legado.