Veterinários municipais alertam para falta de independência ao serem pagos pelas autarquias

No âmbito da descentralização, os veterinários municipais podem passar a receber o ordenado por inteiro das câmaras municipais. O Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural garante estar salvaguardada a independência dos profissionais e a segurança alimentar.
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Os veterinários municipais não estão satisfeitos com a entrada em vigor do decreto-lei 20/2019, que transfere para as câmaras municipais as competências nos domínios da proteção e saúde animal e da segurança dos alimentos. Como passam a ser funcionários das autarquias, os municípios pagam-lhes integralmente o ordenado (uma despesa que era suportada em 40% pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária), o que, no entender destes profissionais, lhes retira a independência.

De acordo com a nova legislação, "os médicos veterinários municipais dependem, funcional, hierárquica e disciplinarmente, do presidente da câmara municipal ou do vereador, dirigente ou trabalhador com competências delegadas".

Uma alteração que não agrada à Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios (ANVETEM). "Imagine o que é um veterinário que é inspetor sanitário a ficar dependente do presidente do câmara ou de um funcionário municipal que, no limite, até pode ser o encarregado do matadouro [municipal]. A independência de atuação desaparece. Mesmo assim, já sentimos pressões todos os dias. Imagine o que vai acontecer quando deixarmos de depender da DGAV", critica Ricardo Lobo, membro da direção da ANVETEM.

Segundo o decreto-lei, no âmbito da transferência de competências de forma gradual até 2021, altura em que se tornam efetivas, os municípios que não pretendam assumir as competências em 2019 devem comunicar à Direção-Geral das Autarquias Locais. Ou seja, não é obrigatório que o façam já, mas, dentro de dois anos, todos os veterinários passam para a alçada das câmaras.

"Em termos práticos, isto gera ameaças à sanidade animal e à segurança alimentar", alerta Ricardo Lobo. Segundo o médico veterinário, o novo diploma transfere para as autarquias uma série de controlos oficiais "ligados à segurança alimentar e à proteção animal, que, à luz da regulamentação europeia, devem estar na alçada da autoridade competente do estado, que é a DGAV". No entender do representante, "isso vai levar a problemas graves relativamente ao comércio de produtos de origem animal e alimentar na Europa, porque coloca em causa a uniformidade de procedimentos de controlo".

Ordem critica diploma

Quando foi questionada para emitir um parecer sobre o diploma, a Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) manifestou-se contra, uma posição que reforçou quando foi ouvida na Assembleia da República. "Não nos parece razoável que a sanidade animal e a inspeção alimentar fiquem nas mãos nas autarquias. Houve um grande esforço de controlo centralizado na DGAV, e não me parece que as funções devam ser atribuídas às câmaras municipais, que poderão ou não aceitá-las. Isto faz com que a situação possa ser ainda mais problemática", diz ao DN Jorge Cid, bastonário da OMV.

Com a passagem de uma autoridade competente para 308 (o número de municípios do país), o bastonário diz que surgirão vários conceitos e posições diferentes. "Não há unanimidade num assunto de grande importância que é a sanidade animal e a segurança alimentar", critica, destacando que cerca de 90% das indústrias alimentares vão ficar sob a alçada das câmaras municipais. Na opinião de Jorge Cid, o novo diploma pode fazer com que seja difícil para o veterinário "executar de maneira completamente livre e autónoma a sua função".

Contactado pelo DN, o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural garante que "está salvaguardada a independência dos médicos veterinários e está assegurada a segurança alimentar". De acordo com o gabinete do ministro Luís Capoulas Santos, a DGAV "será a entidade que determinará as orientações técnicas nesta matéria, que terão de ser respeitadas pelos municípios, e que fará a supervisão da atividade dos mesmos". Além disso, prossegue, "toda a atividade dos Médicos Veterinários Municipais passará a ser registada numa plataforma nacional gerida pela DGAV, que terá acesso a toda a informação".

Se houver incumprimentos, os poderes de Autoridade Veterinária local serão retirados aos agentes do município, que serão responsabilizados "por qualquer ato violador das normas de segurança alimentar ou higiene pública veterinária". Por fim, o ministério lembra que "o exercício da atividade dos médicos veterinários está regulada por lei e não pode ser determinada em função de qualquer decisão local que a viole".

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