Ter avós e primos com Alzheimer influencia risco de desenvolver a doença
Há um risco acrescido de desenvolver a doença de Alzheimer quando um familiar direto, como o pai, a mãe ou um irmão, filho dos mesmos dois progenitores, tiveram a doença - é isso que indicam os estudos realizados na última década. Mas a história familiar em relação a esta doença não fica, afinal, por aqui. Dados de uma nova investigação publicada esta quinta-feira na revista científica Neurology, da Academia Americana de Neurologia, mostram que esta questão é mais complexa, já que indicam que também existe um risco acrescido de desenvolver esta doença quando ela também afeta outros parentes, como os avós ou os primos-direitos.
Realizado por um grupo de investigadores da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, o estudo passou em revista a base de dados dos óbitos no estado americano do Utah desde o tempo dos pioneiros, no início do século XIX, seguindo as linhas familiares e comparando as causas de óbito para chegar agora à conclusão de há nesta doença um fator familiar mais vasto do que se pensava.
"A história familiar é um indicador importante do risco de Alzheimer, mas a maioria dos estudos sobre esta e outras formas de demência tem-se focado nos familiares mais diretos, por isso decidimos olhar para um quadro familiar mais alargado", explica a principal autora do estudo, Lisa Cannon-Albright, citada num comunicado da Academia Americana de Neurologia. "Descobrimos que olhar desta forma para o problema pode ajudar a prever o risco da doença com mais exatidão e estes resultados podem ser importantes no futuro para fazer diagnósticos mais rápidos", sublinha a investigadora.
O estudo agora publicado abrangeu os dados de mais de 280 mil pessoas de pelo menos três gerações ligadas ao estado do Utah, incluindo pais, avós e bisavós. Neste universo, um total de 4436 certidões de óbito indicavam a doença de Alzheimer como a causa de morte.
Para os parentes diretos (filhos e irmãos) de um doente de Alzheimer os investigadores estimaram um risco acrescido de 73% de desenvolver a doença. Nestas circunstâncias, a equipa identificou 18.494 pessoas, das quais 590 tiveram de facto Alzheimer, embora as contas dos cientistas indicassem que elas deveriam ascender a 341.
Já no caso de pessoas com dois parentes diretos com a doença, o risco aumentava quatro vezes, enquanto ter quatro parentes diretos com a doença aumentava quase 15 vezes mais essa hipótese. Das 21 pessoas com quatro familiares diretos com a doença, seis também tiveram Alzheimer, embora o número esperado fosse apenas 0,4.
Já no caso dos familiares no quadro mais alargado, como os avós, tios e primos-direitos com Alzheimer, os cientistas calcularam que havia um risco acrescido em 43% de desenvolver a doença também.
"Os nossos dados", sublinha a coordenadora do estudo, "mostram a importância de os médicos ficarem atentos a toda a história familiar dos doentes, para além dos familiares mais imediatos".
Os investigadores admitem que uma limitação do estudo tem a ver com a possibilidade de pelo menos alguns indivíduos terem morrido com a doença de Alzheimer sem que ela estivesse diagnosticada, uma vez que, sobretudo no passado, a prevalência da doença estava muito subestimada.
Outra questão a ter em conta é o muito que não se sabe ainda sobre a génese desta doença, que é já considerada como a pandemia silenciosa do século XXI. "É necessário continuar a fazer investigação", nota a cientista. "Há muitas incógnitas sobre os motivos pelos quais uma pessoa desenvolve esta doença e a história familiar não é a única causa possível", sublinha. "Pode haver causas ambientais e outras, que podem até estar a atuar em conjunto", conclui. Uma coisa é certa, vão ser necessários muito mais estudos para perceber os riscos exatos da doença, mas também as suas causas e para desenvolver também abordagens terapêuticas eficazes.
Doença neurodegenerativa sem cura, o Alzheimer é a forma mais comum de demência, que se caracteriza por uma deterioração progressiva, global e irreversível das funções cognitivas, incluindo a memória, a atenção, a concentração, a linguagem e o pensamento.
Sabe-se hoje que o que está na origem desta perda cognitiva progressiva é a acumulação no cérebro, sob a forma de placas, de uma proteína chamada beta-amilóide, que destrói progressivamente os neurónios. Este mesmo processo pode, aliás, ocorrer também com uma outra proteína, a tau, cuja acumulação tem efeitos destrutivos idênticos das células neuronais, mas na verdade não se sabe o que desencadeia em primeiro lugar este processo de acumulação das proteínas nos tecidos cerebrais.
A história familiar, com casos da doença, é importante, como mostram os estudos - o que hoje é publicado vem reforçar ainda mais esse lado hereditário. Mas como a própria autora refere, isso não explica tudo.
Na última década, os dados disponíveis apontam cada vez mais o dedo também aos estilos de vida, que ligados a situações de obesidade, diabetes, tensão alta, consumo excessivo de álcool e poucas horas de sono, parecem ser igualmente um fator de risco para o surgimento da doença. Os especialistas na área da saúde não se cansam, aliás, de repetir, que em relação este tipo de doenças há muito que podemos fazer em termos de prevenção, a começar pela "adoção de estilos de vida mais saudáveis.
Nas últimas décadas, a busca de compostos capazes de evitar a formação as placas da proteína beta-amiloide nos tecidos do cérebro pareceu muitas vezes ter conseguido resultados promissores, mas eles acabaram por nunca nunca se cumprir - pelo menos até hoje.
Apesar de haver uma série de estudos em busca de uma molécula que consiga reverter, ou pelo menos travar, a progressão da doença, até agora só tem sido possível agir sobre os sintomas e as drogas que existem neste momento só conseguem atrasar a perda de memória e manter mais tempo os doentes autónomos, prolongando entre 20% a 30% o período em que os doentes mantêm a qualidade de vida, já que os sintomas vão sendo retardados.
Hoje, o maior fator de risco parece ser mesmo a idade, ou seja, o envelhecimento da população, uma tendência para o novo século, que vem acompanhada desta outra, a da pandemia silenciosa que são as demências.
Estima-se que existam em todo o mundo cerca de 50 milhões de pessoas que sofrem de alguma forma de demência - em Portugal, calcula-se que o número ascenda a 200 mil - e todos os anos surgem 2,5 milhões de novos casos a nível global. As previsões indicam que em 2030 haja 75 milhões de pessoas com demência no mundo, e mais de 130 milhões em 2050.