O que é a Saúde Mental? Um ABC em busca de respostas
O que é saúde mental? Há um conceito próprio? Faz parte dos anais da medicina e da saúde? É sinónimo de psiquiatria? Há uma resposta para todas estas questões. Com a ajuda do psiquiatra António Leuschner, presidente do Conselho Nacional de Saúde Mental, o DN tenta responder a estas questões. Mas não só. O conceito é recente, foi definido em 2009 pela OMS. É vasto. E a área igualmente vasta e complexa. Por isso, selecionámos algumas palavras que hoje são usadas no universo da saúde mental para explicar o que verdadeiramente significam e como podem ser usadas. Sim, porque algumas são usadas na linguagem comum e acabam por agravar o estigma em relação à saúde mental. Os técnicos dão exemplos: "Tem um discurso esquizofrénico" ou "é um bipolar". Isto para dizer que "a saúde mental não diz apenas respeito às pessoas que alguma vez tiveram um problema de saúde grave, diz respeito a todos, porque todos devemos zelar pela nossa saúde mental", sublinha António Leuschner.
A ansiedade não é em si um problema. Não significa ter falta de saúde mental, mas há níveis de ansiedade que são estruturantes e níveis que são patológicos. A ansiedade habitual de que se fala normalmente é aquela que de alguma maneira nos alerta para os perigos, que nos faz ter consciência dos riscos. É uma ansiedade estruturante, que é boa e que nos defende, sustenta António Leuschner. Por exemplo, uma pessoa que tem medo de andar de avião e stressa numa situação dessas, não tem propriamente uma doença. Não é por isto que deixa de voar ou de viver. Outro exemplo, a ansiedade que desperta quando uma pessoa tem de ter uma conversa com o chefe, é uma ansiedade natural, que não afeta o seu desempenho no dia a dia. A ansiedade existe na atividade escolar, laboral, nas relações sociais, mas é uma ansiedade que está nos níveis do aceitável, quando é um nervosismo, uma manifestação de stress capaz de ser controlável todos nós a temos e todos nós podemos viver tranquilamente. Quando a voz sai trémula, quando as mãos ficam suadas, quando não é controlável, podemos estar perante uma situação patológica que pode requerer tratamento. Por vezes, um emagrecimento sem anorexia pode denunciar uma ansiedade de níveis superiores ao normal e que deve ser cuidada.
É uma manifestação particular de ansiedade. A mais frequentemente manifesta-se em níveis muito elevados de ansiedade, por vezes súbita, mas há todo um conjunto de situações que podem gerar uma crise de pânico com grande intensidade. Mas falamos de níveis de ansiedade que podem ser controlados. Basicamente a pessoa tem de aprender a identificar o problema que causa estes níveis de ansiedade, aprender a lidar com eles ou até a fazer um tratamento adequado. Por vezes, é necessário psicoterapia e alguma ajuda farmacológica.
Fala-se muito de bipolaridade. Hoje é quase uma bandeira que se usa para justificar os altos e baixos do nosso ânimo, para justificar os altos e baixos a nível comportamental. Mas a doença bipolar é mais séria do que isto e leva realmente a níveis de depressão ou de euforia muito sérios, que interferem com a vida das pessoas e dos seus pares. Os doentes verdadeiramente com doença bipolar são cerca de por cento da população geral a nível mundial.
Falamos de muita coisa. Desde os hábitos alimentares ao de fumar. Tem a ver com a consciência que a pessoa tem sobre as consequências que pode ter o que está a fazer. Estamos a falar de níveis de comportamento e de atitudes que sejam aceitáveis. Mas há níveis de comportamento de risco que são patológicos. Quando colocam em causa a própria vida das pessoas e a dos outros.
É frequente e tem um peso grande na nossa sociedade, mas é, se calhar, a área da saúde mental em que mais se sente que as pessoas já perderam um pouco a vergonha de dizer que não estão bem. Como em outras situações também há níveis diferentes. Há o nível que todos nós provavelmente já sentimos, em situações de perda de alguém que nos é querido ou em outros processos de sofrimento, mas que acabamos por ultrapassar. É o que se chama em linguagem comum o processo de dar a volta. Pode ser um processo doloroso, mas a pessoa consegue sobreviver. Mas há outros níveis de depressão em que é mesmo necessário a ajuda de técnicos da especialidade e tratamentos com fármacos.
Há níveis distintos. Esta designação é para uma obsessividade destrutiva, para as pessoas que têm um distúrbio com rotinas que não lhes permite sair de casa, que têm por exemplo de fazer limpezas ou lavagem de mãos incessantemente, rituais repetitivos. Este nível não é o mesmo de uma pessoa muito meticulosa, a quem se diz muitas vezes que é obsessiva, mas que a sua rotina não a impede de ter uma vida normal. O rigor e o querer fazer bem feito não quer dizer que seja um obsessivo. São mais uma vez níveis muito diferentes. Será uma perturbação grave se inviabilizar a vida do dia-a-dia.
Ainda é das situações mais graves na área da saúde mental. Deixa marcas mais indeléveis até pela faixa etária em que é comum ocorrer, entre os 15 e os 30 anos, apanhando as pessoas numa etapa de desenvolvimento em que tudo se joga, quer seja na idade escolar, na conclusão do curso, na fase laboral, em todas deixa marcas pelas consequências que tem na vida das pessoas. Deixa marcas na relação da pessoa com os outros, deixa marcas na dita constelação social do indivíduo. Muitas destas pessoas acabam por ficar sós e isso coloca problemas de reinserção social e a necessidade de criar condições para as apoiar.
A OMS diz que não há saúde sem saúde mental e o papel da família e da restante comunidade, como professores, educadores, amigos, vizinhos, na identificação de alguns sinais que podem ajudar a despistar alguma perturbação nas crianças, nos jovens ou já na idade adulta é muito importante. Segundo diz o psiquiatra António Leuschner é natural haver pais que tendem a ignorar alguns aspetos menos bons e menos positivos dos filhos. É uma tendência natural dar o desconto a alguns comportamentos, desculpando-os. Mas, por vezes, isso também pode levar a que se desvalorize o aparecimento de alguns sintomas que poderão ser importantes para identificar alguma situação patológica. Por isso, é bom que não sejam apenas os olhos da família que estejam atentos, mas que haja outros pares, como professores e educadores, a fazerem esta avaliação. Se esta for feita de forma atempada, há situações que podem ser infletidas. Os professores e educadores podem estar atentos e identificar se há alguma dificuldade relacional, de afirmação, de olhar ou até de falar, que são capacidades muito importantes no crescimento.
É um conceito que é bom esclarecer. Há muita confusão entre o que é genético e o que é hereditário. António Leuschner diz que tenderia a afirmar, embora alguns saibam que é um exagero, que tudo é genético no sentido em que todas as atividades ligadas ao ser humano passam por alguma atividade biológica que tem por detrás todo um mecanismo genético complexo. Quando se fala em hereditariedade fala-se fundamentalmente de situações que se transmitem de pais para filhos ou dentro da mesma família, mas isto não diz apenas respeito apenas às situações de patologias psiquiátricas diz respeito a todas as patologias, mesmo a não mentais, que têm muitos mais fatores de natureza genética do que as doenças mentais. É bom não perder de vista, salienta o psiquiatra, que a hereditariedade de cromossomas não tem só a ver com a doença tem a ver com a transmissão de hábitos que se passam de geração em geração por cópia. Alguém que viva uma ou duas décadas com uma pessoa de família tende a apreender determinado comportamento e mais tarde a manifestá-lo. Isto porque apreendeu esses hábitos pela aprendizagem. Há um misto de aprendizagem social e naturalmente de hereditariedade transmitida por genes.
A criação de um conceito de identidade própria, de autonomia e de independência são inerentes à própria condição e consciência de cada um. Mas há algo que todos devemos ter bem presente. É que ajudar ao crescimento de uma criança ou de um adolescente passa muito por não lhes meter medo em relação a tudo o que os rodeia, ao ponto de os fazer sentirem-se inseguros até em casa, mas no sentido de terem suficiente lucidez em relação aos perigos sem que estes tomem conta de si e os manipulem. Se tivermos consciência da nossa identidade, autonomia e independência, se tivermos consciência do que é o nosso bem-estar estaremos muito mais apetrechados para estar a salvo das influências menos boas, sejam elas do colega da escola ou de outro interlocutor.
A Organização Mundial da Saúde decidiu dedicar o dia mundial de 2018 aos jovens. Ou melhor, "Jovens e Saúde Mental num Mundo em Transformação". E justifica: os primeiros anos da vida adulta são uma fase de grandes mudanças, mudar de escola, entrar na universidade, sair de casa e o primeiro emprego. Para muitos são tempos emocionantes, para outros momentos de grande stress e de apreensão difíceis de controlar. Se tais situações não forem atempadamente identificadas poderão conduzir a perturbações ou doenças mentais. A OMS alerta para o facto de metade das perturbações ou doenças mentais surgirem a partir dos 14 anos. A idade em que a maioria dos casos não é detetada nem tratada, o que representa uma carga muito grande para os adolescentes. É a faixa etária em que a depressão aparece como a terceira causa principal de doença. O suicídio é a segunda causa de morte entre os jovens dos 15 aos 29 anos. A OMS sublinha ainda o facto de a adolescência ser uma fase que pode levar a comportamentos de risco, a transtornos alimentares, etc. O alerta maior vai para a necessidade de aqueles que rodeiam as crianças e os jovens os ajudarem bem cedo na construção de uma consciência de si próprio e das suas capacidades. O psiquiatra António Leuschner alerta para o facto de a família e a restante comunidade, como professores e educadores, terem um papel muito importante na identificação de alguns sinais que podem ajudar a despistar perturbações.
É possível prevenir perturbações ou doenças mentais? É, mas não é fácil, explica o psiquiatra António Leuschner. Hoje em dia falamos mais em causas do que em determinantes, que são um conjunto de circunstâncias que podem ir desde o genético até aos fatores sócio económicos. E são estes que permitem a uma pessoa ter uma vida equilibrada. Por exemplo, uma pessoa que tem uma vida estável e de repente fica sem emprego, sem rendimentos, é natural que reaja de uma maneira que não podemos antever. Dizer que a melhor maneira de evitar a depressão é evitar o desemprego, é muito bonito teoricamente, mas não é possível. Fazer prevenção - ou melhor fazer promoção da saúde - é criar condições para que as pessoas vivam saudavelmente, vivam abertas em sociedade e com o sentido de respeitar o seu próximo. Tudo isto são conceitos que todos nós temos desde que crescemos e que de certa forma são universais.
Está integrada numa perturbação de saúde mental convém perceber que o conceito de saúde mental e de psiquiatria não são sinónimos absolutos. A psiquiatria é a especialidade médica que trata de doenças mentais a saúde mental é um conceito muito mais abrangente e em relação ao qual a psiquiatria tem tudo a ver. Mas não podemos confundir uma coisa com outra.
Prejudicam ou não o crescimento e o relacionamento das crianças e dos jovens? Estimulam ou não o isolamento e a solidão? As opiniões divergem, mas a OMS neste dia mundial chama atenção para o uso crescente de tecnologias, que tanto podem trazer benefícios como pressões adicionais. Para o psiquiatra António Leuschner "a capacidade que as pessoas têm de falar com quem está do outro lado do planeta sem saberem quem é inegável", mas "deverá isto levar a um aumento dos mecanismos de privação da liberdade, penso que não. As pessoas devem estar cada vez mais apetrechadas para saberem lidar e defenderem-se dos perigos que daí podem surgir."
A saúde mental é uma parte da saúde. Não é possível fracionar e dizer onde acaba uma e começa a outra. Mas a definição oficial é a de bem-estar físico, psíquico e social. Ter saúde mental não é só não ter doença. É bem mais amplo do que isso. É realmente um bem-estar psicológico, que tem mais a ver com a perceção que a pessoa tem da sua participação na comunidade, na sua utilidade para a sociedade. Por isso, nós técnicos, fazemos questão de salientar este aspeto: saúde mental não é só ausência de doença mental. Diz respeito a toda a gente e não apenas àqueles que alguma vez tiveram um problema sério de saúde mental. A definição oficial da OMS é de 2009, bem mais recente do que a de saúde, que surgiu em 1948. Teve muito tempo para amadurecer. E é classicamente um estado de bem-estar em que o indivíduo tem consciência das suas capacidades, conseguindo enfrentar o stress normal do dia a dia, ser produtivo e usufruir do seu trabalho e contribuir para a comunidade. É isto a definição oficial... Mas quando se fala de saúde mental, fala-se de perturbações mentais, doenças psiquiátricas e de doenças degenerativas, demências, que levam a alterações de personalidade, à perda de capacidades e de consciência.
Há surtos psicóticos que podem denunciar uma certa tendência para o desenvolvimento de doença psiquiátrica, mas também há fatores externos que ajudam a espoletar estes surtos. Por exemplo, o uso de algumas substâncias, como a cannabis, que pode despertar um surto psicótico, o mesmo acontece com a LSD, uma droga muito em uso nos anos 60/70, mas que ainda vai havendo. A administração destas substâncias pode gerar comportamentos ou alucinações que são claramente manifestações psicóticas, mas que podem reverter após a utilização. Depois há situações que podem levar a um surto ou a descompensações mesmo sem o uso destas componentes químicas. Por exemplo, situações de grande euforia podem despertar uma crise psicótica.
É outra das situações graves na área da saúde mental e das doenças psiquiátricas. Portugal ainda é dos países que tem uma taxa elevada, embora não seja a pior. Ainda não é a taxa que seria desejável. "O suicídio é uma forma extrema de a pessoa levar até ao fim uma visão de si própria e do mundo em que entende que a única solução é pôr termo à vida." O suicídio é uma das determinantes para o internamento compulsivo, já que o que está em causa é o valor da própria vida. E uma pessoa que manifeste insistentemente este tipo de tendência poderá ser internada compulsivamente."