O laser que valeu o Nobel "foi uma invenção genial"
O investigador em lasers Gonçalo Figueira, do Instituto Superior Técnico, participou num projeto liderado por Gérard Mourou, hoje laureado com o Nobel. E até o entrevistou para a Gazeta da Física, quando ele foi ao Técnico
Na primeira década do milénio, Gérard Mourou, um dos três laureados com o Nobel da Física deste ano, teve uma visão: a de construir na Europa o laser mais potente do mundo. Gonçalo Figueira, coordenador da investigação na área de lasers no Instituto Superior Técnico (IST), lembra-se bem disso, porque na altura foi um dos muitos investigadores de várias instituições e universidade europeias que participaram no desenvolvimento desse projeto: o ELI.
"Ele foi sempre um visionário, com ideias muito ousadas", diz Gonçalo Figueira, para quem a distinção do Nobel agora atribuída a Gérard Mourou não tem nada de surpreendente. "Na comunidade dos físicos, era esperado", garante.
"A invenção pela qual ele recebe o Nobel, a CPA, é genial, porque permite ter simultaneamente impulsos de laser muito curtos e de grande potência, algo que até aí era impossível, e que acabou por revolucionar completamente a tecnologia laser e as suas aplicações", explica o investigador e professor do departamento de Física do IST.
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Quando Mourou lançou a ideia do ELI, nos primeiros anos do novo milénio, a União Europeia decidiu abraçar o projeto, que só poderia ir para frente juntando os esforços dos laboratórios e das universidades europeias. Foi aí que Gonçalo Figueira e os colegas do IST se integraram nele.
"O nosso grupo participou em diversas fases e tarefas do projeto, nomeadamente no desenvolvimento da parte teórica e experimental da física da interação do laser com os alvos", explica o investigador do IST, que nessa altura contactou por várias vezes com Gérard Mourou. "Até o entrevistei para a Gazeta da Física, quando ele cá esteve em 2008, e esteve no Técnico", recorda.
Nessa entrevista, publicada nesse mesmo ano, o agora Nobel da Física refere-se à sua tecnologia CPA, com a qual revolucionou o laser e as tecnologias que o utilizam, como a sua preferida, entre todas as suas invenções.
Ficámos muito entusiasmados ao ver que tínhamos conseguido criar um laser de terawatt que cabia no tampo de uma mesa. Foi extraordinário. Resultados como estes não acontecem muitas vezes na vida
"Foi a que mais me entusiasmou, porque tornou tudo o resto possível", afirmou, em resposta a uma pergunta de Gonçalo Figueira, então editor da Gazeta da Física. E explicou: "Hoje, todas as aplicações que precisam de algum tipo de amplificação de impulsos de curta duração, usam a técnica CPA". E enumerou, "é o caso da filamentação, da micromaquinação e das aplicações em oftalmologia...De facto, todas estas aplicações foram demonstradas depois da CPA".
Sobre a génese da tecnologia, Gérard Mourou contou que desenvolveu a CPA quando "estava no Laboratory of laser Electronics, em Rochester [Nova Iorque], onde todo o edifício era ocupado por laser de terawat [medida de energia correspondente a um bilião de watts]". Quando, uma noite, a CPA funcionou pela primeira vez, a equipa ficou em êxtase. "Ficámos muito entusiasmados ao ver que tínhamos conseguido criar um laser de terawatt que cabia no tampo de uma mesa. Foi extraordinário. Resultados como estes não acontecem muitas vezes na vida".
Sobre o ELI, que liderava na altura, o físico francês falou à Gazeta da Física da sua grande satisfação pelos avanços tecnológicos proporcionados pela sua tecnologia, confessando que "nunca poderia ter imaginado", na altura em que a desenvolveu, que algum dia se atingissem as potências de laser que estavam então já a conseguir materializar. E dizia-se feliz pela forma como o projeto estava a decorrer.
O futuro aqui à porta
O ELI evoluiu, entretanto, e acabou por se transformar num conjunto de três laboratórios de lasers de alta potência para a investigação científica, que foram instalados na Hungria, Roménia e República Checa, e que estão agora, precisamente, a arrancar com os trabalhos de ciência.
A invenção pela qual ele recebe o Nobel, a CPA, é genial, e acabou por revolucionar completamente a tecnologia laser e as suas aplicações
"São laboratórios para investigação, não apenas em física, mas em várias áreas, que vão das aplicações na química, à medicina, ou ao desenvolvimento de materiais", explica Gonçalo Figueira, que entretanto deixou de participar no ELI, embora outros colegas seus do Grupo de Lasers e Plasma, do Instituto de Plasma e Fusão Nuclear, do IST, continuem a colaborar.
Uma das áreas nas quais se esperam grandes avanços é na utilização destes lasers de impulsos curtos e de grande potência para a aceleração de partículas, o que" num futuro próximo", estima Gonçalo Figueira, "vai permitir ter equipamentos mais rápidos e menos caros para as terapias com protões na área do cancro".
É um mundo novo a nascer, que o próprio Gérard Mourou já antecipava na entrevista à Gazeta da Física como uma das áreas mais "excitantes"nos lasers do futuro - hoje o presente. O mesmo em que a Fundação Nobel decidiu, finalmente, distingui-lo com Nobel.