O cientista que quer tornar o medicamento mais caro do mundo acessível a todos
O engenheiro químico Andrew Livingston especializou-se em tecnologias de separação por membranas, uma área de estudo científica com múltiplas aplicações, desde a indústria do petróleo à farmacêutica.
Em entrevista ao Diário de Notícias, Livingston, que foi distinguido com o grau de doutor honoris causa pela FCT/UNL - Universidade Nova de Lisboa, pelo seu contributo para a ciência e desenvolvimento tecnológico, explicou que um dos seus grandes objetivos é tornar a terapia genética mais acessível a todos.
Inserido nessa categoria, um dos exemplos mais mediáticos dos últimos tempos é o Zolgensma, cuja comercialização ainda não foi aprovada na Europa. Nos EUA é vendido com o nome comercial Spinraza (Nusinersen).
Apresentado como o medicamento mais caro do mundo - custa dois milhões de dólares (cerca de 1,8 milhões de euros), ficou conhecido em Portugal por causa da bebé Matilde, que tem a forma mais grave de amiotrofia muscular espinhal (AME).
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Segundo o especialista, um dos grandes desafios da ciência é conseguir que antígenos como este, sobretudo quando se tratam de doenças crónicas, sejam produzidos a preços "razoáveis" e, consequentemente, se tornem mais acessíveis.
O Zolgensma foi desenvolvido pela empresa norte-americana de biotecnologia AveXis, subsidiária da Novartis, mas "por ser tão dispendioso fabricá-lo, a quantidade disponível não excederá mais de 100 quilos ao ano", prosseguiu. "Se forem necessárias toneladas (do medicamento), é urgente encontrar outras formas de produção, porque os atuais métodos são muito caros", acrescentou.
Andrew Livingston explica que a "raiz do problema está na dificuldade em purificar as moléculas", sobretudo polipeptídeos e proteínas, com elevada massa de partículas atómicas, como é o caso do Zolgensma (uma macromolécula). E aqui entra o seu trabalho. O especialista pretende exponenciar o número de fármacos com macromoléculas no mercado, mas o grande entrave está em conseguir retirar-lhes as impurezas. Daí a importância da sua investigação, que consiste na produção de membranas que sejam capazes de filtrar as partículas indesejadas. Optimizar o método traduzir-se-ia em preços muito mais baixos, tanto para a indústria como para os pacientes.
E se uma doença crónica pudesse ser tratada com apenas duas injeções por ano?
Um dos maiores problemas dos doentes, especialmente tratando-se de doenças crónicas, é conseguir respeitar a posologia, enfatiza o especialista. Livingston acredita que, a médio prazo, a ciência evoluirá no sentido em que bastará uma ou duas injeções anuais para uma terapêutica completa, "em tudo preferível à toma diária de comprimidos".
Apaixonado por criar novas plataformas de tecnologia para sintetizar produtos químicos e farmacêuticos, o professor no Imperial College London conta com cerca de 35 patentes em seu nome e é amplamente conhecido na comunidade científica pelas startups que criou, sendo a última, da qual é CEO, a "Exactmer". "Estou muito entusiasmado com este projeto, embora seja um dos meus maiores desafios. Lancei a empresa com o propósito específico de estudar a comercialização dos fármacos formados por macromoléculas".
Investigador ou empresário?
Assume-se como ambos e não vê qualquer conflito de interesses nisso. "Gosto muito de fazer investigação, mas também me dá muito gozo levar os resultados para o mercado e ver o meu trabalho ter frutos no mundo real, fora do laboratório".
Nascido na Nova Zelândia, Livingston colabora há décadas com investigadores portugueses em diferentes projetos, principalmente na FCT/UNL e Católica Porto, e diz ter ficado muito honrado com o grau de doutor honoris causa. "Tenho uma relação, tanto profissional como pessoal (a mulher é portuguesa), muito próxima e de grande afectividade com este país".
Remata a entrevista com uma mensagem para a comunidade científica, a mesma que repete constantemente para si: "Não temer abraçar grandes desafios e ter paciência. Obter uma resposta acertada pode demorar muito tempo".