Prémios Pfizer para descobertas sobre bactérias e cancro do estômago
Mariana Gomes de Pinho e a sua equipa no ITQB, da Universidade Nova de Lisboa, descobriram uma vulnerabilidade no ciclo de vida das bactérias que pode abrir caminho a uma nova geração de antibióticos. Céu Figueiredo, do I3S/Ipatimup, da Universidade do Porto, identificou alterações associadas ao cancro e a lesões pré-cancerosas nos microrganismos que vivem no estômago (o microbioma do estômago), e que podem conduzir no futuro a novas formas de terapia e diagnóstico. Pelos seus trabalhos inovadores, as duas investigadoras são as vencedoras deste ano dos prémios Pfizer, os mais antigos na área da ciência médica em Portugal, no valor de 20 mil euros cada.
Mariana Gomes de Pinho é distinguida com o prémio para a investigação básica, e Céu Figueiredo recebe a distinção para a investigação clínica. "Um reconhecimento importante do trabalho feito", como sublinharam ambas ao DN.
"A investigação distinguida enquadra-se no nosso trabalho mais abrangente sobre o ciclo de vida das células bacterianas, através do qual tentamos perceber se existem em alguns momentos janelas de vulnerabilidade ou de maior resistência à ação dos antibióticos", explica Mariana Gomes de Pinho.
Foi uma dessas janelas, justamente, que a sua equipa identificou num determinado momento da reprodução bacteriana. Neste caso, uma situação de maior vulnerabilidade aos compostos antibacterianos, que pode no futuro abrir a porta a uma nova geração de antibióticos. Um resultado importante e promissor, numa altura em que aumentam os casos de resistência bacteriana aos antibióticos e crescem os receios em relação às infeções por superbactérias que já não respondem a nenhum medicamento. Por isso mesmo, o estudo foi publicado na revista Nature, no início deste ano.
"Trabalhamos com a bactéria Staphylococcus aureus, que é responsável por inúmeras infeções", explica a investigadora agora premiada. Os novos conhecimentos sobre o funcionamento da bactéria, "podem a médio e longo prazo abrir portas ao desenvolvimento de novos antibióticos", adianta.
Para chegar aqui foi decisiva a bolsa do European Research Council no valor de 1,6 milhões de euros que Mariana de Pinho ganhou em 2012. "Permitiu-nos a aquisição de um microscópio de super-resolução, sem o qual não poderíamos fazer as observações que fizemos, e ter também uma equipa estável", explica a investigadora, que este ano já ganhou mais uma bolsa ERC, agora no valor de 2,5 milhões de euros, para dar continuidade ao trabalho.
No caso de Céu Figueiredo foi a descoberta de alterações específicas no microbioma do estômago (a comunidade de bactérias que aí reside) associadas ao cancro, ou a lesões pré-cancerosas, que motivou a atribuição do prémio.
"O que verificámos foi que a comunidade microbiana presente no estômago de doentes com cancro gástrico tem um perfil diferente da que existe nos doentes que têm apenas inflamação crónica [gastrite]", explica Céu Figueiredo.
A equipa publicou em fevereiro, na revista científica Gut, aqueles resultados, que no futuro poderão ajudar a prevenir o cancro gástrico, um dos mais frequentes e mortais a nível mundial.
No estudo feito, a equipa de Céu Figueiredo avaliou um conjunto de 135 doentes portugueses, que se estendeu depois a outras populações e a outras zona geográficas, na China e no México, num total de 300 casos. Mas são necessários mais estudos.
Em investigação clínica, "é necessário realizar estudos alargados, que envolvam milhares de doentes, diferentes populações e até outros grupos de investigação", diz Céu Figueiredo. E estes "são estudos muito dispendiosos", que "envolvem procedimentos dispendiosos, com endoscopias aos doentes, recolha de tecidos e biopsias", sublinha.
Por isso, o trabalho vai continuar. A verba do prémio acaba por ser uma ajuda bem-vinda.
A cerimónia de entrega do prémio, que cumpre este ano a 62ª edição, decorre hoje em Lisboa.